CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXX

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXX

O Sionismo Cristão – V

O Sionismo Cristão continua presente nos dias de hoje. Mantém-se como uma sensibilidade, para alguns, ou movimento, para outros, mas actuante e com influência. Da Escandinávia à Holanda, passando pelo Reino Unido, até países menos desenvolvidos, na América Latina, por exemplo, onde hoje se mescla com outros grupos e forças, mas essencialmente o seu centro de acção continuam a ser os Estados Unidos. Daqui para o mundo, quase se poderia dizer, passando, claro, por Israel.

Da teologia apocalíptica de John Nelson Darby, como já se viu, irradiou da Inglaterra para o Novo Mundo. Daqui, quase como o ovo do cuco colocado noutros ninhos, foi crescendo, misturando-se ou metamorfoseando-se, continuando a enxamear, ainda que com outras estratégias de expansão. Mas acima de tudo, os resultados do seu “lobby” são o que mais importa, mais do que a estratégia. E o grande resultado é a plena confirmação de Israel como Estado e país.

Darby é para muitos o mais influente dos seus teóricos, com uma influência que sustenta todo o movimento, pelo menos nos últimos dois séculos. O seu pensamento apocalíptico tornou-se decisivo e pedra de toque do Sionismo, cristão também.

O DISPENSACIONALISMO

Na ausência de um poderoso movimento sionista judaico precoce, o Sionismo Cristão americano emergiu da confluência das complexas associações que temos vindo a falar aqui, todas de matriz cristã: evangélicas, pré-milenaristas, dispensacionalistas, milenaristas e proto-fundamentalistas. Os sionistas cristãos não esperavam mais do que o retorno de Jesus com o advento do milénio, tal como os sionistas judaicos ansiavam pela restauração da sua nação numa terra que entendiam ser a Prometida.

Darby pregou que Deus tem dois povos eleitos, mas distintos e separados: por um lado, a Igreja, ou seja o seu povo divino; por outro, os judeus, o seu povo terreno. Embora ambos funcionem como uma unidade, na realidade, os judeus deveriam assumir um papel de liderança no que viria a ser o Israel restaurado. Em sentido contrário estão os dispensacionalistas, que concebem dois tipos muito diferentes de dispensação no final dos tempos. Enquanto os cristãos desfrutam da Segunda Vinda do Messias, ou Cristo, e da salvação do milénio, os judeus, seus supostos aliados, sofrerão um destino muito diferente e não tão bom: no Armagedão, dois terços dos judeus morrerão, enquanto que o terço restante se converterá ao Cristianismo, uma condição necessária para a preparação da Segunda Vinda do Messias. O dispensacionalismo concebe, pois, uma teologia muito pouco simpática ou amigável com os judeus, na opinião de alguns críticos desta variante do Sionismo Cristão. Apesar disso, os três principais tipos de dispensacionalismo – o apocalíptico (mais focado no fim dos tempos), o messiânico (centrado na evangelização dos judeus por Jesus) e o político (defensor do uso de meios políticos para defender e abençoar Israel) – compartilham os mesmos princípios: compromisso com o literalismo bíblico, uma escatologia futurista e o retorno dos judeus à Palestina, que consideram ser a Terra Prometida da Bíblia.

Para nos situarmos, recordemos que o dispensacionalismo, enquanto doutrina teológica da escatologia cristã que é, define-se um sistema de interpretação da Bíblia que divide a sua história em “dispensações” (ou épocas, eras ou períodos), as quais representam distintas interacções entre Deus e a Humanidade, a partir de pactos celebrados. De acordo com o dispensacionalismo, cada era do plano de Deus é assim administrada de uma certa maneira, e a Humanidade é responsabilizada como se fosse um “mordomo” durante cada dispensação ou período. As pressuposições dos dispensacionalistas começam com o raciocínio indutivo de que a história bíblica tem uma descontinuidade particular na maneira como Deus reage à Humanidade no desdobramento das suas, às vezes supostas, vontades livres.

Vários foram os dispensacionalistas que desempenharam um papel importante e decisivo na definição do Sionismo Cristão moderno. O sionista cristão americano William E. Blackstone (1845-1931), por exemplo, foi um deles, distinguindo-se pela sua pregação de que os judeus desfrutavam de um direito bíblico sobre a Palestina e que por isso deveriam retornar àquela terra, tendo sido um apoiante de Darby, principalmente como seu financiador, além de ter trabalhado em estreita colaboração com Louis Brandeis (1856-1941), membro judaico do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, pioneiro e líder do Sionismo norte-americano. Brandeis a certa altura proclamara mesmo que Blackstone era o Pai do Sionismo, já que o seu trabalho precedia o de Herzl. Cyrus Scofield (1843-1921) foi outra figura destacada do movimento, teólogo e ministro (Congregacionalista), que se tornou conhecido com a publicação da designada “Bíblia de Referência Scofield”, vinda a lume em 1918, a qual foi descrita como a “Bíblia do Fundamentalismo Americano”. Scofield desempenhou um papel crucial na fundação do “Dallas Theological Seminary”, o principal braço académico do dispensacionalismo nos Estados Unidos.

A independência de Israel em 1948 e a sua vitória esmagadora na Guerra dos Seis Dias, em 1967, factos considerados como premonitórios do Armagedão, colocariam os sionistas cristãos na acção política. Mas foi somente com a eleição em 1977 (no cargo até 1981) do Presidente Jimmy Carter (1924-), membro da Igreja Baptista, que coincidindo com a eleição em 1977 de Menahem Begin (1913-1992) como Primeiro-Ministro de Israel (1977-83), os sionistas cristãos se começaram a assumir verdadeiramente como uma força política organizada dentro do sistema político americano, uma tendência que seria consolidada pela eleição subsequente de Ronald Reagan e pelo surgimento da Maioria Moral de Jerry Falwell (1933), pastor baptista e tele-evangelista americano, cristão ultra-conservador e que ficou famoso por trocar o evangelismo pelo fundamentalismo, através das suas posições radicais contra a homossexualidade.

O “lobby” sionista judaico dos Estados Unidos tinha então um “afiliado” na Casa Branca, mas os sionistas cristãos, como o procurador-geral Ed Meese, o secretário de Defesa W. Casper e o secretário do Interior James Watt – e o próprio Reagan… –, estavam também nos círculos do poder da maior potência mundial. O teólogo dispensacionalista Harold Lee Lindsay (1929), o tele-evangelista baptista e político Pat Robertson (1930; candidato republicano em 1987) e Jerry Falwell, seriam mesmo convidados em 1982, por Reagan, para dar uma palestra no Conselho de Segurança Nacional, a partir da qual obtiveram acesso aos líderes e políticos americanos. Todos fazem parte do cinturão bíblico americano, que elegeu Trump, por exemplo, e dos setenta milhões de sionistas cristãos e oitenta mil pastores sionistas cujas ideias são difundidas por cerca de mil estações de rádio cristãs e cerca de cem redes de televisão cristãs.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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