Bartolomeu Landeiro em Manila
Instalados em Manila desde 1571, os espanhóis só em 1579 enviariam os primeiros representantes à China, cabendo a responsabilidade aos franciscanos Pedro de Alfarro e Giovanni Lucarelli. Chegaram os frades a Cantão mas depressa daí seriam expulsos e logo conduzidos a Macau. No ano seguinte, há notícia da presença em Manila de dois navios vindos desse promissor porto na foz do delta do Rio da Pérolas que 24 meses depois, alapado Filipe II de Espanha no trono de Portugal como Filipe I, acolhia o jesuíta Alonso Sánchez, embaixador do governador das Filipinas, D. Gonzalo Ronquillo, encarregado de levar a nova aos portugueses de Macau. Apesar do juramento do seu capitão-geral, aqueles nunca reconheceriam, de facto, a autoridade do rei castelhano. Prova disso é o dístico “A Mais Leal” presente no estandarte do Leal Senado, agremiação surgida não muito tempo depois.
Seria aproveitada a deslocação de Sánchez para novas tentativas, junto das autoridades locais, de estabelecer duradouras relações mercantis com o Império do Meio, objectivo perseguido pelos castelhanos desde o seu primeiro assento em território filipino. Ou seja: reivindicavam estatuto semelhante ao usufruído pelos portugueses na China desde 1557, ano da fundação de Macau. Mas a embarcação que transportava Alonso Sánchez e comitiva acabaria confiscada pelas autoridades chinesas e, desta vez, os castelhanos foram enviados para Cantão, de onde os resgataram os portugueses de Macau.
Alonso Sánchez viajou até ao Japão, mas o navio onde seguia naufragou ao largo da Formosa. Uma vez recomposto, na Cidade do Nome de Deus de Macau, seguiria para Manila num junco pertencente a Bartolomeu Vaz Landeiro, influente comerciante português de origem judaica. Era capitaneada a dita embarcação por um seu sobrinho, um tal Sebastião Jorge, conhecido nas Filipinas como Bastian Moxar. Entre as mercadorias transportadas constavam vinho, azeite, tecidos indianos, sedas e outros produtos chineses – cuja venda, a troco fundamentalmente de prata, beneficiaria largamente portugueses e espanhóis –, mas também escravos de origem africana e do Sudeste Asiático. A expectativa de mútuos benefícios para Macau e Manila levou as autoridades a atribuir a Landeiro o monopólio de uma viagem anual entre as duas cidades. Para tal formalizar-se-ia, em 1583, um acordo entre o capitão Sebastião Jorge e o governador das Filipinas, D. Diego Ronquillo.
Através dos registos dessas viagem podemos inteirarmo-nos do modo como se faziam representar os mercadores de Macau nos portos para onde navegavam, e ainda qual o teor e quantidade das mercadorias aí transaccionadas. Estes macaenses dispunham de frotas capazes de velejar da sua cidade aos demais portos comerciais asiáticos, havendo entre eles membros de ordens religiosas, sendo os jesuítas os mais activos num comércio cujo lucro servia para financiar múltiplas missões evangélicas.
Vaz Landeiro, com um exército de aventureiros e mercenários e um significativo número de navios e capitães ao seu dispor, como diz o investigador Lúcio Sousa, “oscilava entre a legalidade e ilegalidade”; era um misto de comerciante e corsário, e, “devido ao seu vasto poder e prestígio”, intitulavam-no de “Rei dos Portugueses de Macau”. As suas raízes judaicas obrigaram-no a iludir o Santo Ofício em Goa e, literalmente, a alterar a sua identidade. De entre os muitos judeus que deixaram Portugal, “alguns navegaram rumo às longínquas possessões ultramarinas portuguesas na Ásia”. Landeiro foi um deles. Pouco se sabe da sua vida entre 1560 e 1570, altura em que engendrou e consolidou o seu projecto comercial. Vemo-lo em Macau a partir de 1564, de onde parte para o Camboja, “em viagem comercial”, tendo por essa altura esposado uma eurasiática que lhe irá dar duas filhas. O capitão Bartolomeu Vaz Landeiro é já, em 1570, um dos mais poderosos homens da cidade, certamente devido “aos lucros resultantes das viagens, formais ou informais, ao Japão e a outros sítios da Ásia”. Além dos capitães portugueses e espanhóis, Landeiro tinha ao seu serviço capitães chineses e japoneses, sendo as guarnições dos navios quase exclusivamente compostas por marinheiros chineses, japoneses, malaios e de outros reinos asiáticos.
Como lembra Lúcio Sousa, “para a Coroa Portuguesa, quem operava fora do sistema oficial era rotulado como fora-da-lei”, contudo, sempre que algum dos aventureiros se associava ao poder em Goa passava num ápice de pirata e bandido a capitão respeitado e admirado. Era vasta a rede de rotas mercantis coberta pelos navios de Vaz Landeiro: Macau, Japão, Manila, Camboja, Sião, Timor e Índia, e possivelmente a Birmânia, Bornéu, Java, Malaca e Aceh. Dado que essa operações aconteciam fora do âmbito do comércio oficial, “envolvendo navios armados que ocasionalmente protagonizavam actos beligerantes”, podem ser consideradas actos de pirataria. Bartolomeu Vaz Landeiro, como tantos outros comerciantes da época, envolveu-se em inúmeras batalhas no mar, em alguns casos em defesa dos seus navios contra piratas; noutros em “legítimos actos de agressão contra os seus adversários”. Uma coisa é certa: os seus navios eram fortemente armados e estavam sempre prontos para a batalha.
Joaquim Magalhães de Castro