Os Menonitas – III
Uma vez mais o êxodo. Uma sina que não largava a caminhada dos Menonitas. Ou o exílio, poder-se-ia dizer. Depois de no século XVIII, a imperatriz Catarina II da Rússia ter acolhido milhares de Menonitas para que pudessem cultivar as terras e praticar as suas crenças religiosas em liberdade, a partir da segunda metade do século XIX muitos seriam expulsos das suas terras na Rússia ou Ucrânia, mesmo na parte asiática do reino dos czares, principalmente devido à recusa das autoridades em aceitarem a oposição menonita ao cumprimento do serviço militar. A instabilidade gerada aumentou o risco e a maioria escolheu novamente o exílio, o velho fado menonita.
A autonomia de que gozavam no seu sistema de ensino e no todo das suas comunidades, isoladas, foi abolida pelos czares em 1870. Muitos menonitas decidiram então rumar ao Canadá, que os começou a aceitar a partir de 1873, e também para os Estados Unidos, onde havia muitas comunidades menonitas e amish desde pelo menos 1683. Ao mesmo tempo, existem registos históricos de migrações menonitas da Rússia para outros países das Américas. Por exemplo, na Argentina, em 1877, quando uma colónia agrícola foi formada em torno do córrego Nievas, perto de Olavarría, na província de Buenos Aires Mas trataremos da América Latina ulteriormente.
Entretanto, no Canadá, que foi colónia britânica até à sua independência em 1867, o Governo de Sua Majestade, ciente da situação que experimentavam os menonitas na Rússia e querendo colonizar as vastas pradarias que iam sendo incorporadas na colónia, ia oferecendo-lhes terras para se estabelecerem no imenso território canadiano, garantindo-lhes liberdade para se organizarem social e religiosamente, além de pagarem os custos de transporte. Depois adveio a independência e o Governo canadiano manteve a atracção de colonos menonitas. Foram assinados acordos entre 1871 e 1880, e cerca de quinze mil indivíduos emigraram para a América usando o porto alemão de Hamburgo como ponto de embarque, estabelecendo-se primeiramente na região de Manitoba, a partir de 1874.
Andarilhos da tradição
A permanência no Canadá durou cerca de cinquenta anos. No início, o novo país não teve influência nas crenças e práticas religiosas menonitas, apenas as suas técnicas e práticas agrícolas sofreram algumas mudanças. Nos primórdios da colonização menonita, o Governo canadiano, à luz dos acordos realizados, concordara em respeitar o seu sistema educacional tradicional menonita, isto é, com o uso da língua alemã. Nada mudava, tudo permanecia, como os menonitas apreciam. Mas entretanto, dos menonitas não mantiveram a sua identidade e possivelmente fundiram-se com as igrejas luteranas de outros imigrantes alemães que chegaram ao mesmo tempo. Há grupos que foram “desaparecendo”, absorvidos pelas comunidades germânicas luteranas que eram em maior número e que se desenvolveram de forma mais forte. Mas nem todos deixaram de ser menonitas autênticos. Mas tudo parecia que podia mudar um dia…
Tal como sucedeu na Rússia, as terras logo começaram a ser insuficientes, pois muitos mais colonos, alemães mas também russos, suecos, eslavos, etc., de outros credos vários, rumavam ao jovem e promissor país que era o Canadá. A necessidade de se estabelecerem colónias em províncias vizinhas de Manitoba, como Saskatchewan, era imperiosa. Os menonitas responderam a esse apelo, dentro das possibilidades numéricas. E tudo ia correndo bem até então, na transição para o século XX. Mas havia uma questão que se empolava cada vez mais e que criava tensões, uma vez mais: a educação e claro, a língua. E outra vez surgia cada vez mais claro o espectro de uma nova migração.
No final da Primeira Guerra Mundial, a partir de 1918, o Governo canadiano, vitorioso também sobre a Alemanha naquele conflito, pretendia forçar os descendentes de alemães ou germanófonos que viviam no País a usar o Inglês como língua pública e principalmente no sistema de ensino, ou seja, nos programas e manuais escolares. Os colonos menonitas tradicionalistas protestaram veementemente contra essa violação dos acordos originais, mas sem grandes resultados. Mas o Governo canadiano manteve-se intransigente e com uma atitude relutante. Uma vez mais, os menonitas optaram pelo único recurso, ou o mais seguro e certo, que tinham para se defender: a emigração. Ou exílio, ou êxodo, como queiram chamar. E assim foi.
Muitos rumaram a Sul, atravessando tão simplesmente a fronteira com os Estados Unidos. Montana, os Dakota, Wisconsin, Wyoming, os Estados enfim mais setentrionais dos EUA, foram os polos de atracção iniciais, onde aliás algumas comunidades descendentes dessas vagas ainda se mantêm. Mas as coisas eram um pouco diferentes nos “States”. Na altura, segunda década do século XX, as condições para a oferta de terras para estabelecimento de colonização não se baseavam no que anteriormente tinha suscitado a captação de certos grupos de colonos: simpatia e compaixão. Agora, cada vez mais, os princípios que suscitavam a necessidade de atracção de colonos eram de interesse económico, além de maiores cuidados e rigor na fixação de colonos, suas origens e regiões para onde se destinavam. Certos Estados, como o Mississippi, a Flórida e o Minnesota, queriam atrair colonos mas estes tinham que pagar custos muito elevados por grandes propriedades ou terrenos à venda, um negócio normalmente em condições insatisfatórias para os colonos que chegavam. Já não existia a doação de concessões ou terrenos em territórios de fronteira, a título gratuito e posse plena e hereditária, como sucedera algumas décadas anteriormente, mesmo perante os problemas e perigos com os nativos americanos (vulgo “índios”). Agora, os preços e as condições eram elevados e difíceis. E a relutância era proporcional. Os Estados Unidos não eram pois o destino preferencial dos colonos, nomeadamente dos menonitas.
Nessas circunstâncias, em 1919, os líderes dos colonos menonitas concordaram em enviar um grupo de seis membros importantes da comunidade numa viagem ao sul do continente, à procura da melhor convergência de oportunidades e garantias para se estabelecerem em algum país da América do Sul. Entre os membros da delegação estava David Rempel, que era o “cantor principal”, ou o cronista da viagem. O itinerário menonita incluiu o Paraguai, a Bolívia, o Brasil, o Uruguai e a Argentina. Rempel, na sua crónica do périplo, narra que a viagem não produziu os resultados esperados, tendo mesmo falecido um dos delegados no Brasil, que morreu de uma doença súbita. Voltaram ao Canadá decepcionados e decidiram fazer uma segunda expedição em busca da terra prometida, mas agora apenas para um país: o México.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa