O Tradicionalismo Católico – VI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXII

O Tradicionalismo Católico – VI

Mas o que é então exactamente um tradicionalista? Ou melhor, como se definem a eles próprios os tradicionalistas? Da forma mais fácil e simples, consideram-se apenas aquilo que os católicos eram outrora e que voltarão a ser, novamente, quando a “crise” na Igreja passar. É assim, simplesmente, que os católicos tradicionalistas se definem, tendo como marco o Concílio Vaticano II e a reforma que ele impulsionou na Igreja. Um concílio essencialmente de “aggiornamento” (de actualização) pastoral e litúrgico, mas que para os tradicionalistas é um marco de diferenciação na história da tradição, ou na ruptura desta na Igreja. Mas vejamos, sem críticas nem devaneios de arrogância ou altivez, o que pensam os tradicionalistas sobre a Igreja de hoje.

Os tradicionalistas, com efeito, consideram-se iguais a qualquer católico que continua a praticar a sua fé precisamente da mesma forma com que a apreendeu na sua infância ou formação. Ou, como referem alguns, que recebeu a mesma fé sem a “reconstrução dos seus pais” e que, em troca, a transmitirão a seus próprios filhos, sem glosas nem acrescentos ou diminuendos conciliares. É complexa esta auto-definição, já que a tradição ela própria acarreta acrescentos ou adaptações, por menores que sejam, mesmo sem que seja posta em causa a perenidade e ancestralidade da tradição.

Um tradicionalista, dito de outro modo por vários tradicionalistas, pode-se definir como um católico que vive a fé como se as “calamidades eclesiásticas da época pós-Vaticano II nunca tivessem acontecido”, quase como se o próprio Vaticano II nunca tivesse acontecido. Ou não devesse ter acontecido, para muitos. Os tradicionalistas afirmam que não existe nenhuma doutrina ou regra disciplinar na Igreja que os proíba de acreditar e prestar culto a Deus de acordo com o seu entendimento da tradição.

NA PERSPECTIVA DOS TRADICIONALISTAS

Os tradicionalistas defendem que o simples facto de existirem católicos que continuam a acreditar e a prestar o culto da forma como os católicos sempre prestaram antes do Concílio Vaticano II, e que actualmente são apelidados de tradicionalistas, tudo isto é um sinal inegável de uma crise como nenhuma outra que a Igreja jamais sofreu ao longo de quase vinte séculos. E o facto da própria palavra tradição agora distinguir esses relativamente poucos católicos da vasta maioria dos membros da Igreja, que seguem as disposições conciliares, sustentam os tradicionalistas que aí está outro sinal de crise e mesmo de ruptura.

Os tradicionalistas designam essa vasta maioria de fiéis católicos, os que abraçaram o Concílio Vaticano II, como neo-católicos, afirmando que a fé está a perder o controlo sobre os crentes e que muitos deles estão a cair na mais completa “apostasia silenciosa”, da qual referem que o próprio Papa João Paulo II tantas vezes lamentou, apesar de o acusarem de ter saudado por tantos anos uma “renovação conciliar”, a qual é considerada um colapso maciço da fé e da disciplina por parte dos tradicionalistas.

Os tradicionalistas acusam a Igreja de ter afrouxado na moral e nos costumes, que mitigou ou relativizou, fazendo com que nessa maioria de católicos ditos conciliares (os tais neo-católicos) mais de um quarto de todos os casamentos acabem em divórcio, para além de dezenas de milhões de católicos divorciados e “recasados”, em adultério permanente, encorajados pela hierarquia da Igreja, como acusam os tradicionalistas.

Apontam ainda a diminuição vertiginosa, desde o Concílio, de nascimentos, baptismos, casamentos sacramentais, conversões e frequência à Missa. Declaram também que se assiste, desde o Concílio também, claro, a uma generalizada rejeição do ensinamento sobre a infalibilidade da Igreja em matérias fundamentais de fé e moral, de que resulta a degeneração do relativismo, que associam também à reunião conciliar.

A acrescentar a tudo isto, dizem, assiste-se a uma perda repentina e dramática de vocações sacerdotais, registando o sacerdócio católico cifras muito abaixo das de 1970, além de um declínio preocupante do número de religiosos desde essa época. Tudo num quadro de duplicação da população global e do crescimento estatístico da população católica a nível mundial. Mais fiéis mas menos sacerdotes, cada vez menos aliás. A questão das vocações é algo que para os tradicionalistas se mantém claro: o decréscimo deve-se principalmente aos refreamentos conciliares e à mitigação e relaxamento de costumes e da vida e moral cristãs pós-Vaticano II. E contrapõem que dentro da dita minoria de católicos que actualmente são denominados de tradicionalistas, nenhum dos sinais de alarme acima referidos usados como argumentos por este grupo, ou seja, no todo o declínio eclesiástico, nenhum desses sinas dizia-se existe ou tem evidência no grupo. Uma forma pois de mostrar qual é o “lado bom”, a “melhor tradição”, ou que a tradição é que pode salvar a Igreja.

Há assim uma manifesta crise eclesiástica, clamam os tradicionalistas, há cerca de meio século, mas que actualmente parece estar a atingir uma profundidade da qual pode não haver recuperação ou retorno, pelo que só uma intervenção divina miraculosa poderá salvar a Igreja. A dramatização é notória, o alarme já é uma ameaça quase letal e apocalíptica…

Por meio deste argumento, critica-se o Papa Francisco, o qual acusam de estar nada mais nada menos que a concluir ou rematar o processo de auto-destruição da Igreja iniciado pelo Concílio e aplicado pelo Papa Paulo VI. O mundo entusiasma-se com Francisco, mas este Pontífice não é mais do que o “coveiro” da Igreja ou, no mínimo, o arquitecto do aprofundar da crise eclesial, afirmam os tradicionalistas. Acusam, de certa forma, o Papa Paulo VI de ter sido o autor da demolição eclesial, podendo-a ter evitado, mesmo que tenha passado os seus últimos anos a lamentar o desfecho conciliar.

O sistema neo-católico, para concluir estas notas sobre o pensamento tradicionalista, continua a sua marcha confiante para o abismo, acentuam, na caminhada para um ponto do qual não poderão retornar e não mais a Igreja (a dos neo-católicos) será a Igreja de Jesus, pois essa é dos tradicionalistas.

Todas as evidências relatadas se concretizam quotidianamente e a calamidade está cada vez mais próxima. Nesta obstinação nostálgica dos tradicionalistas em relação ao passado, a via do diálogo vai sendo o melhor caminho, embora quase sempre de ouvidos fechados de ambos os lados. Haverá (re)conciliação possível? Cremos que sim, afinal fazem todos parte da mesma Igreja, mesmo que ainda trilhando caminhos separados, mas não impossíveis de convergir. Não há nem melhores nem piores, nem bons nem maus, há sim – e tem que haver – liberdade e discernimento.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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