A Igreja Vetero-Católica – I

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CV

A Igreja Vetero-Católica – I

A Igreja Vetero-Católica, também conhecida como Velho-Católica ou Igreja Católica antiga, remete para as Igrejas Católicas nacionais e as Católicas independentes surgidas após o Concílio Vaticano I (1869-1871), não estando em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, mas sim com a Igreja Anglicana. Os seus fiéis são os Velho-Católicos ou Vetero-Católicos. Pode-se considerar como uma espécie de “seita”, organizada nos países de língua alemã em contestação ao dogma da infabilidade papal promulgado por aquele Concílio.

Insuflados pelas ideias do liberalismo eclesiástico, rechaçando o espírito cristão de submissão aos ensinamentos da Igreja, perto de mil e 400 alemães publicaram, em Setembro de 1870, a declaração na qual refutavam de todo o dogma da infalibilidade, que consideravam “uma inovação contrária à fé tradicional da Igreja”. Não foram poucos os eruditos e intelectuais, assim como políticos e estadistas alemães, a apoiarem na rectaguarda esse manifesto, que recolheu aclamações da imprensa e meios liberais em todo o mundo.

O movimento nasceu com o teólogo e historiador bávaro Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), fundador e o mais carismático líder dos velho-católicos, o qual, no entanto, jamais se considerou como um cismático, apesar de ter sido excomungado pela Santa Sé devido à sua ordenação como bispo vetero-católico, a 17 de Abril de 1871. Na senda desta ordenação, recorde-se que a Igreja Anglicana e a Igreja Jansenista Holandesa de Utrecht reconhecê-la-iam e providenciariam mesmo a ordenação episcopal dos bispos das então recém-formadas Igrejas vetero-católicas, mantendo a sua sucessão apostólica.

Começava deste modo a ruptura com a Igreja, daí a designação de “seita” que aqui usamos. Também o é pelo facto de que a maior parte da hierarquia eclesiástica alemã ter apoiado o dogma, através da carta pastoral de Fulda, emitida em 30 de Agosto de 1870. A discussão manteve-se e em 10 de Abril de 1871 surgia um documento relacionado com o dogma, da lavra agora do bispo de Roterdão (Países Baixos), em carta ao seu clero. A posição a contestar o dogma ganhava assim força. Com efeito, ao longo da década de 70 do século XIX, os bispos austríacos e suíços tomariam idêntica posição.

CONTRA O DOGMA

O movimento contra o dogma tomou-se de tal energia que não demorou muito a realizar-se o primeiro congresso de vetero-católicos, em Munique, entre 22 e 24 de Setembro de 1871, e mais tarde em Colónia, no ano de 1872, que dariam origem depois à declaração de Utrecht, em 1889, na qual os vetero-católicos esclareceram as suas posições doutrinárias. O congresso de Munique reuniu-se já com Döllinger excomungado pelo arcebispo de Munique. Esta magna reunião vetero-católica teve a participação de trezentos delegados da Alemanha, Áustria e Suíça, mais enviados da Holanda, França, Espanha, Brasil, Irlanda e representantes da Igreja Anglicana, além de protestantes americanos e também alemães.

Do ponto de vista doutrinal, em linhas gerais, os vetero-católicos defenderam em Munique: a adesão à antiga fé católica; a manutenção dos direitos dos católicos enquanto tal; a recusa dos novos dogmas; adesão às constituições da antiga Igreja com o repúdio de todo o dogma de fé que não estivesse em harmonia com a consciência da Igreja pré-dogmática; a reforma da Igreja com participação constitucional do laicado; preparação do caminho para uma reunião das confissões cristãs; a reforma do ensino e posição do clero; defesa do Estado e das Igrejas nacionais, contra o ultramontanismo (que defende a centralidade de Roma e defende o poder e as prerrogativas do Papa em matéria de disciplina e fé); rejeição da Companhia de Jesus; solene afirmação das reclamações dos católicos quanto à propriedade eclesiástica e do título da mesma; e formação de comunidades paroquiais. Esta última resolução teve, porém, a oposição veemente de Döllinger, que votou mesmo contra.

No segundo congresso de Colónia, realizado entre 20 e 22 de Setembro de 1872, estiveram presentes 320 delegados vetero-católicos, para além de um delegado jansenista e três bispos anglicanos, do clero russo e inglês, bem como vários ministros protestantes. O grande tema foi a eleição de bispos e também a aprovação da organização e acção pastoral das paróquias. Com base nas resoluções desta reunião, passou-se à tentativa de reconhecimento dos vetero-católicos pelos vários Governos dos países onde estavam implantados. O contexto da época, liberal e nacionalista, tornou fácil esse reconhecimento em Estados como a Prússia, Hessen e Baden. Um professor de Bona, Reinkens, seria eleito bispo em 4 de Junho de 1873. O Governo prussiano inclusivamente reconheceu-o como “bispo católico”, realizando depois o novo prelado o juramento de lealdade à Prússia. O Governo conheceu-lhe, assim, uma tença anual de sustento, bem como o subsídio à diocese.

Consequentemente, Reinkens foi excomungado nominalmente, a 9 de Novembro de 1873, pelo Papa Pio IX, na sequência de outras excomunhões levadas a efeito pelo arcebispo de Colónia na Primavera de 1872. Os visados pelo arcebispo foram os professores de Teologia de Bona, entre eles Hilgers, Langen, Reusch e Knoodt. O mesmo sucederia a professores de Braunsberg e Breslau. Um teólogo do movimento, o também excomungado Friedrich von Schulte, defendera até que os vetero-católicos eram os verdadeiros católicos, tese que foi aceite por vários Governos na Alemanha e também na Suíça.

Muitas igrejas acabariam mesmo a ser transferidas para o movimento. Apesar de um decreto da Inquisição (1871) e um Breve Papal (1873) terem declarado que os vetero-católicos não tinham qualquer conexão com a Igreja Católica. Por tal, eram um grupo religioso completamente separado da mesma, não tendo direito a alguma reclamação de fundos ou edifícios para culto.

Esta seita impregnou-se de forma evidente na sociedade e nos meios religiosos católicos na Alemanha, não foi uma bravata ou um movimento temporário. Conheceu um desenvolvimento da sua organização e estrutura internas, sucessivamente definidos em congressos (Friburgo em Breisgau, 1874; Breslau, 1876; Baden-Baden, 1880; Krefeld, 1884), tal como em sínodos ordinários. A constituição sinodal, adoptada a insistência de von Schulte, para muitos pode ter sido o gérmen da decadência mais tarde da seita. De facto, acabou por “(re)criar” ilimitadas arbitrariedades e, claro, uma ruptura radical com todas as ordenações disciplinares da Igreja Católica. Se o impacto inicial e a implantação correram bem, as sementes lançadas acabariam a germinar o fruto que menos se desejava, como veremos.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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