Conversas discretas...

VATICANO E O MUNDO

Conversas discretas…

A situação de impasse na Venezuela, com o pano de fundo de uma crise humanitária grave que atinge toda a população e não apenas parte dela, convida-nos a reflectir sobre quanto é limitada a lógica da competição entre poderes mundiais, na tentativa de resolução de crises deste tipo.

Descrevendo a tragédia em curso, de forma muito esquemática, poderia dizer-se que à constatação de falhanço de um modelo económico e social no País, herdado do líder anterior, o actual Presidente respondeu com ausência de diálogo para com os seus críticos; e a persistência em receitas económicas de tipo estatista que provaram amplamente estar erradas, noutras latitudes.

Mas mais importante do que escolher modelos errados é não ouvir ninguém. E por causa disso, excluir parte significativa da população, através dos seus representantes, a participar na definição de um outro destino colectivo. Os consensos sociais são necessários, perdão, indispensáveis, para o sucesso das políticas e dos políticos.

Como governar um país paralisado, com toda a gente nas ruas em vez de nos seus postos de trabalho, como são hoje o Sudão, assim a Argélia e, claro, a Venezuela!?

O PODER PELO PODER

E, francamente, persistir no erro não é prova de inteligência “tout court”, nem de inteligência política. Nem sequer como modo eficiente de preservar o poder, se é esta a motivação única, como parece.

Com a disponibilidade actual da informação, bem pode recorrer-se a “slogans” de outras eras para diabolizar os Outros, os maus, os adversários, que isso não engana ninguém ou engana por pouco tempo. Porque a verdade vem à superfície.

E a realidade de não haver nada na mesa para dar à família é dos apelos mais fortes para o despertar da consciência social, mesmo dos mais indiferentes ou receosos. Como não haver hospitais decentes, nem médicos com meios para agirem, ou escolas minimamente equipadas para a respectiva função.

Claro que descrever a situação da Venezuela nestes termos, extremamente sumários, seria incorrecto, por fazer tábua rasa do contexto regional e internacional em que a crise ocorre.

NA PRESENTE DESORDEM MUNDIAL

No plano regional, os Estados Unidos reeditam a velha teoria de Monroe da “América para os americanos”, acentuando algum desespero pela sua crescente perda de capacidade para se afirmarem no mundo, como o faziam de forma majestática há décadas atrás.

A Rússia, num quadro que reedita a Guerra Fria, quer enfraquecer a América na sua vizinhança imediata, agora não a partir de Havana, mas de Caracas. É o velho jogo, de regras já bem conhecidas, agora com um novo tabuleiro e novos jogadores.

Quanto à China, através de uma política paciente e bem sucedida de criação de parcerias em todo o mundo – e mormente na América Latina – tem hoje a influência proporcional à sua presença económica, não podendo por isso ser descartada, como parte interessada que é, de uma futura solução da crise.

(Um pequeno parêntesis para referir o quanto a situação mudou: não é agora o Chile que pede à China que converta o país no extremo sul da América Latina como o centro das suas exportações para toda a região?).

No plano internacional, e como ficou já implícito, a América de Trump é uma potência agressiva, crispada, porque na defensiva. E com o actual Presidente é uma grande potência que se move pelo interesse nacional egoisticamente definido, e não por valores. Tudo é negociável, tudo tem um preço. É este o credo oficial.

E OS VENEZUELANOS?

Sim, e os venezuelanos, no meio deste jogo de xadrez internacional? Quem decide o seu futuro? Os Outros, os de fora? Ou os líderes venezuelanos em que se reconhece a gente comum, pelos vistos dois em vez de um só, Maduro e Guaidó, invocando embora legitimidades diferentes? Um a revolucionária, outro a do voto?

Ora, perguntarei eu, fingindo uma ingenuidade que, para bem ou para mal, a minha idade já não consente: os dois Presidentes, o falso e o verdadeiro (qualquer que seja o rosto em que ponhamos cada um dos rótulos), não são ambos venezuelanos? Não surgem do mesmo povo? Não foram educados na mesma cultura do amor da sua terra, do seu país?

Pois se falam a mesma língua, veneram os mesmos heróis, vão ou foram assistir à missa às mesmas igrejas, comem os mesmos pratos tradicionais, torcerão pela mesma equipa nacional de futebol, o que os impede de se sentarem e conversarem sobre o presente e o futuro da sua nação? O futuro dos seus filhos e netos?

Será que o hábito aqui faz mesmo o monge e por vestirem camisas de cores diferentes já se sentem habitantes de galáxias diferentes?

PAZ E RECONCILIAÇÃO

Chegou a hora de negociarem a reconciliação nacional. Chegou a hora de fazerem barreira comum, quer a uma eventual intervenção estrangeira, com “boys” de arma em punho, chamados a fazer “justiça” sumária na terra dos outros, quer com a conversão do País num gigantesco campo de guerrilha, para treino de milícias populares. Está-se no século XXI, por mais que alguns queiram fazer regressar o mundo à lógica das guerras de outros séculos!

Na época dos “tablets” e dos telemóveis, da Internet e do 5G, do Skype, do Facebook, do Twitter e do Instagram, devia lutar-se, isso sim, na batalha das ideias para tornar a Venezuela melhor e o mundo melhor, e não como se se tratasse da era da funda, da fisga, do arco-e-da flecha, ou da Kalashnikov…

Mas onde um espaço para a reconciliação? Para as conversas discretas que um tal esforço exige?

A MORADA É CONHECIDA

Quando o Papa Francisco recebeu, durante a Quaresma, os líderes desavindos do Sudão do Sul, um católico, outro protestante, para um retiro espiritual, como a Comunicação Social do Vaticano o qualificou, compreendi imediatamente, como toda a gente, que o encontro se revestia de características para além dos meros exercícios de meditação e oração. Haveria algo mais…

E foi por isso, sem grande surpresa, que segui a cerimónia final do encontro, marcada pelo gesto fortemente simbólico do Santo Padre de “implorar a paz” aos dois líderes, com o gesto inesperado de lhes beijar os pés. A mensagem não poderia ser a mais condicionante do futuro, porque inscrita de ora em diante e para sempre na memória daqueles homens.

E por que não Maduro e Guaidó no Vaticano?, pensei eu de imediato. E por que não a mediação do Papa, que não tem estratégias escondidas na manga e que tem apenas, como poderosíssimo exército, a Guarda Suíça? Maduro já lá esteve, conhece o endereço. E quanto a Guaidó, qualquer motorista de táxi romano o leva lá…

UMA HOSPITALIDADE ESPECIAL

Não sei como faria Francisco para os “impressionar”, excepto com a força desarmante da sua humildade. Da sua simplicidade. Da sua AUTENTICIDADE. É que a verdade não tem truques. E a lógica do poder humano tem subtilezas que não entram no modo de pensar e de proceder do Sucessor de Pedro. Este é o princípio do sucesso de qualquer diplomacia baseada na verdade.

Tenho para mim que Maduro devia voltar ao Vaticano, e não sozinho. Com Guaidó. Mesmo sem pedir desculpa por vir atrasado. Atraso que teve sem dúvida custos que ele não quererá, obviamente, contabilizar.

Carlos Frota

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