CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXXXVIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXXXVIII

O Pietismo – XII

Uma das marcas mais importantes do Pietismo foi a filantropia e a actividade missionária. Já aqui vimos que o Pietismo se caracterizou pela sua benevolência, o esforço de praticar a caridade. O movimento tendeu para a valorização da vida activa, criando uma actividade evangélica até então desconhecida na Alemanha, a base da missão a que se entregaria cada vez mais. O impulso para cumprir esses objectivos filantrópicos e missionários assumir-se-iam como parte da natureza do Pietismo.

Assim como Lutero ensinou que as boas obras devem ser necessárias por causa de uma fé viva, a intensa vida religiosa do Pietismo inspirou os seus seguidores a partilhar as bênçãos da salvação com outros, a testemunhar a sua fé e a dar provas da mesma, em acções, filantropia e difusão dos seus valores de vida e o amor fraterno. Em harmonia com essa atitude, os pietistas procuravam os desafortunados e necessitados como objectos de caridade. A atenção foi dada primeiro aos próprios compatriotas, logo com o próprio Spener, que começou por tomar parte activa na construção de uma combinação de lar adoptivo, orfanato e oficina em Frankfurt, em 1679. No entanto, a importância deste empreendimento seria superada pela fundação de Francke de um orfanato em Halle, em 1694. A novidade neste acontecimento foi o facto de um só homem, como celebram os seus biógrafos, contando com a ajuda de Deus, se ter proposto a fundar tal instituição em linhas gerais, a ser mantida pelas contribuições voluntárias de um círculo empenhado mutualistas.

Desta forma, o Pietismo ganhou uma distinção de marca permanente na Igreja Luterana pelo seu afã e trabalho em prol da benevolência activa, preparando o caminho para o estabelecimento da Missão interna, na Alemanha.

PARA LÁ DA ALEMANHA

Mas o asilo de órfãos em Halle seria também o ponto de partida para missões no exterior, uma segunda forma de benevolência activa criada pelo Pietismo e que daria muitos e bons frutos. O próprio Spener tinha também um grande apreço por esta causa. Mas o verdadeiro elo entre o Pietismo e as missões fora Francke. Graças a este, Halle tornou-se o centro da missão para a Dinamarca, espoletou missões para a Índia, constituindo-se a cidade como o centro de apoio a estas missões, além de ponto de partida de muitos dos seus agentes. Em Halle, Francke fundou o primeiro jornal missionário alemão, angariou dinheiro para os seus fins missionários e desafiou a Alemanha protestante a promover missões como uma das suas mais importantes actividades.

Mesmo os ramos pietistas abraçaram a causa missionária, como sucedeu entre os Irmãos Morávios, graças a Zinzendorf. Este activo pietista despertou a atenção dos Morávios para este campo de trabalho, não apenas porque estes se tornariam num ramo independente e eram mais adaptáveis do que os pietistas de Halle, mas também porque abriram novos caminhos, promovendo ainda mais os serviços dos leigos e, como Igreja, enviaram missionários com uma surpreendente rapidez a várias partes da América e do sul da África.

A Alemanha promoveria de forma activa a disseminação do Protestantismo entre nações e povos não-cristãos pela influência directa do Pietismo, com este movimento a controlar o trabalho missionário luterano até ao Século XIX, convertendo-se numa das suas peculiaridades e força motriz. Mas é de realçar que graças a Zinzendorf criou-se uma especificidade morávia na pregação missionária: ao contrário da missão dinamarquesa, por exemplo, e de todas as missões que provinham de Halle, os Morávios assumiram uma estratégia notável, a de simplesmente pregar o Evangelho de Cristo e não o dogma luterano. Além disso, foi o interesse do Pietismo alemão na disseminação das Escrituras que levou as missões a traduzir a Bíblia para que se tornasse acessível às novas congregações cristãs entre os povos de missão. O pioneiro nesta causa foi Bartholomæus Ziegenbalg (1682-1719), com a sua versão tamil da Bíblia (Tranquebar, Índia, 1714-1728).

No entanto, em certos aspectos, a adopção de ideias pietistas funcionou adversamente, como foi o caso da tentativa de concentrar os convertidos do paganismo em pequenas congregações análogas aos círculos pietistas dentro da Igreja na Alemanha. Os contextos e particularidades eram muito diferentes, provocando desajustes. Ao mesmo tempo, regras extraordinariamente estritas foram impostas em relação à admissão de convertidos à Igreja, além do Baptismo ser concedido apenas quando a conversão era demonstrada, enquanto se manifestava, por parte dos missionários pietistas, uma animadversão, senão antipatia, por diversões e costumes populares, tal como faziam na Alemanha.

O Pietismo empreendeu igualmente missões sistemáticas entre os judeus. Spener reconheceu a necessidade de tais missões e tudo fez para despertar o interesse em torno delas. Os Morávios também participariam activamente nesse trabalho, com a acção de Samuel Lieberkühn (1710-1777), embora as suas extensas e múltiplas missões no exterior, em relação às suas possibilidades em termos de efectivos, os impedissem de aplicar toda a sua energia na missão junto dos judeus. Um importante centro para as missões judaicas foi criado pelos pietistas em Halle, onde Johann Heinrich Callenberg (1694-1760) fundou, em 1728, o “Institutum Judaicum”, que funcionou até 1792. Da mesma forma, o Pietismo apoiou todos os que simpatizavam com os seus princípios, mesmo sem estarem em comunhão ou na Alemanha. Assim sucedeu com as comunidades emigrantes alemãs para a América do Norte e para a Pensilvânia, por exemplo.

O movimento foi forçado a uma posição crítica pelo surgimento da tendência associativa moderna baseada no Metodismo Anglo-Americano. Embora o Pietismo e o Metodismo estejam intimamente relacionados na origem, o associativismo metodista afastou-se do Pietismo. Este renasceu no Século XIX, na Igreja Evangélica Alemã, mais tarde Igreja Evangélica Reformada. Mas como referimos, o Pietismo foi uma grande influência para John Wesley (1703-1791), o fundador do Metodismo no Século XVIII; muitos dos modernos metodistas americanos e membros do chamado Movimento de Santidade continuam, na verdade, a ser influenciados por Spener e também pelo legado dos Irmãos Morávios.

O maior uso público e privado das Escrituras, a maior participação dos leigos no culto, a importância das obras como resultado da fé viva, a formação ministerial baseada na piedade e na aprendizagem (não em disputas teóricas), além da pregação em busca da edificação, continuam valores importantes, entre os pietistas, mas não só: mesmo no ateísmo pietista, onde se nega Deus, mas não o Pietismo….

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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