Os Quakers – I
Vamos começar hoje a dar a conhecer a Sociedade Religiosa dos Amigos, ou Quakers, como são mais conhecidos. São uma comunidade religiosa protestante livre, surgida na Inglaterra em meados do século XVII e fundada por George Fox (1624-1691), uma figura que pautou toda a sua vida por uma inquietação espiritual em demanda de uma resposta convincente que lhe permitisse a criação de uma forma simples de Cristianismo.
Os Quakers, ou Friends, formam a Sociedade Religiosa dos Amigos, que foi fundada na Inglaterra por George Fox em 1652. O Quakerismo chegou às Américas, à Europa e a todos os cantos do mundo. Em suma, destacam-se a simplicidade e a humildade no estilo de vida dos quakers. Estes, ou amigos, baseiam as suas crenças numa série de Testemunhos, que incluem temas como o Pacifismo, a Ecologia, a Simplicidade, a Igualdade, a Unidade e a Integridade. A profunda crença na igualdade tem sido a raiz do activismo social quaker, da sua actividade filantrópica. A necessidade de ajudar outras pessoas definiu-se na sua luta para alcançar direitos iguais para as mulheres, além do retumbante movimento anti-escravidão nos Estados Unidos que promoveram e tantos dissabores lhes custou, a luta pelas liberdades religiosas, pelas reformas nos sistemas penitenciários e os seus protestos contra guerras, pugnando por uma forma de vida que evite ou anule a presença de guerra. Hoje, no século XXI, os quakers continuam ainda a lutar por estas causas, entre outras. Mas conheçamos melhor este movimento religioso, que se tornou singular mas também incómodo na sua história.
O FUNDADOR, GEORGE FOX
Em 1647, o sapateiro George Fox estava a passar em frente de uma igreja em Mansfield, no centro da Grã-Bretanha, quando recebeu o que descreveria como uma mensagem de Deus. Durante anos, vagueara por uma Inglaterra devastada pela Guerra Civil e cada vez mais desiludido com a Igreja Anglicana. Mas naquele dia algo diferente ressoou dentro de George Fox. A visão do Cristianismo que ele recebeu naquele dia foi profundamente radical, como uma epifania quase, uma autêntica revelação ou discernimento: Deus, afinal, estava dentro de todos e não havia necessidade de sacerdotes nem hierarquia. Desta revelação, nasceria o que ficaria conhecido como a Sociedade Religiosa dos Amigos, ou a fé quaker.
George Fox nasceu e cresceu em Fenny Drayton, em Leicestershire, Julho de 1624. Viviam-se os tempos turbulentos que antecederam a Guerra Civil (1642-1653), que mais não foi senão uma série de guerras civis e maquinações políticas entre Parlamentares (“Roundheads”) e Realistas (“Royalists”, ou “Cavaliers”), em torno do modo de se governar a Inglaterra, encaixando-se num conflito maior que foram as designadas Guerras dos Três Reinos (1639-1651, entre Inglaterra, Escócia e Irlanda). Era filho de um tecelão, foi pastor de carneiros antes de se vir a tornar aprendiz na casa de um sapateiro. Tinha então doze anos. Em 1643, com dezanove anos, saiu de casa para procurar a “verdade”, ouvindo pregadores e outras pessoas e desenvolvendo as suas próprias ideias. Sentiu-se, naquela altura, chamado por Deus para renunciar a todas as coisas, transformando-se num indivíduo errante, de Bíblia na mão, pregando pelos campos. Fox conhecia intimamente a Bíblia, algo central em sua vida, mas também procurava outras fontes de inspiração.
Fox passou a acreditar que todos, homens e mulheres, podiam encontrar Deus, por meio de Jesus, pelo que dizia que assim os sacerdotes não eram necessários. É neste contexto que tem a experiência epifânica de 1647. Nela “entendeu” que para encontrar Deus, através de Cristo, não tinha necessidade alguma de estar numa igreja: essas “casas de campanário”, como dizia, e os dízimos que sustentavam os sacerdotes, eram, portanto, desnecessários. Aqueles que acreditassem nisto ficaram conhecidos como “Amigos da Verdade”. Era o gérmen do movimento quaker.
George Fox era provocador, um homem irritado com o mundo e com todos, não tirava nunca o chapéu para saudar alguém. Tratava todos por “tu”, reclamava por tudo e por nada, estando sempre a insistir que todos eram iguais perante Deus. De tudo isto, recebia em troca o desprezo público.
Começou, porém, a conversar com todos os que conheceu sobre as suas ideias. Com o seu feitio e abnegação, logo teve problemas com as autoridades e foi preso pela primeira vez em Nottingham em 1649, a primeira de várias vezes em que conheceu a prisão. Foi nessa experiência prisional que nasceu o termo “Quaker”, segundo o próprio Fox. A curiosa alcunha originou-se numa observação sarcástica de um juiz no segundo julgamento de Fox, em Derby, em 1650. Fox, segundo a sua autobiografia, comparecera diante dos juízes Gervase Bennet e Nathaniel Barton, sob acusação de blasfémia religiosa. De acordo com Fox, Bennet “foi o primeiro que nos chamou quakers, porque eu os fiz tremerem com a palavra do Senhor”. Alguns autores assumem que Fox citava Isaías 66,2 («Tudo quanto existe é obra…» do Senhor) ou Esdras 9,4. Assim, o nome “Quaker” terá começado como uma forma de ridicularizar a advertência de Fox, mas tornou-se amplamente aceite e usado por alguns quakers. Os quakers também descreviam a sua fé usando termos como o “verdadeiro Cristianismo”, ou designando-se com o “santos”, “filhos da luz” ou “amigos da verdade”, inspirados nos termos usados no Novo Testamento pelos membros da igreja cristã primitiva.
Em 1651, Fox recebeu uma comissão do exército, que recusou, dizendo que “vivia na virtude daquela vida e poder que levaram a ocasião para todas as guerras”. Foi a sua primeira afirmação de facifismo, o que não deixou de suscitar desconfiança pelas autoridades.
Em 1652, escalava Pendle Hill, em Lancashire, onde afirma ter tido uma visão de um “grande povo a ser reunido”, esperando por ele. A verdadeira fundação da Sociedade dos Amigos (Quakers), segundos estes, é geralmente datada nesse dia. Depois dessa visão, Fox pregou para grandes multidões em Firbank Fell, perto de Sedbergh, na Cúmbria. Alguns dias depois, estava em Swarthmoor Hall, perto de Ulverston, em casa do juiz Fell, com a esposa deste Margaret Fell e a sua família. As ideias de Fox foram recebidas calorosamente pelo magistrado e família. Swarthmoor tornava-se assim um centro vital para a Sociedade dos Amigos, graças à acção de Margaret Fell, que emprestou o maior entusiasmo às ideias de Fox. O marido, todavia, o juiz Fell, nunca se tornou num “amigo” (quaker), ao contrário de Margaret.
Estava-se nos tempos primordiais, a intuição de Fox começava a dar frutos e o movimento a crescer, as suas pregações a atraírem ouvintes e depois seguidores….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa