CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXI

Os Huteritas – VII

São poucos, se comparados com outras denominações anabaptistas, mas muito peculiares, sem dúvida. E não faltam perguntas sobre as suas comunidades, de tão isoladas e fechadas que são, suscitando curiosidade, fascínio e aproximações. É interessante salientar que a subsistência das unidades é levada a sério, também por uma questão gregária mas como dimensão espiritual, de valor do trabalho, em comum ou individualmente, mas sempre para o bem de todos e do projecto de salvação da fé huterita.

Já aqui vimos que numa colónia huterita vivem entre cinquenta e 120 pessoas, normalmente. O tamanho médio da colónia é de cerca de oitenta pessoas, com aproximadamente catorze famílias. Por isso, qualquer colónia tem que ser capaz de apoiar um grande número de pessoas em todas as necessidades e fases da vida. A agricultura é a actividade base, com a maioria das colónias a cultivar e administrar propriedades de tamanho considerável, entre três mil e doze mil acres, dependendo da região ou do tipo de cultura. A pecuária é também importante de entre as actividades agrícolas huteritas, assumindo-se como grandes suinicultores (chegam a produzir entre vinte a trinta por cento dos suínos nos Estados em que vivem nos EUA e no Canadá) e como importantes produtores de ovos ou perus.

A manufactura, ou produção artesanal, tem ganho posição nas comunidades huteritas. Se a agricultura se coaduna melhor ao espírito de isolamento e fuga do “mundo”, o artesanato, porque implica trocas comerciais, já é visto como potenciador de “contaminação”. Mas cresce e diversifica-se, absorvendo os excedentes de mão-de-obra agrícola: como se utilizam cada vez mais equipamentos e tecnologia moderna na agropecuária huterita, a necessidade de braços decresceu. Canalizaram-se então para a manufactura. Outra razão deste surto manufactureiro prende-se com a agricultura: a necessidade de aumentar a superfície das quintas ou construção de celeiros e outros equipamentos, colidiu com os custos excessivos de capitais associados a essas aquisições. Como as propriedades não podiam crescer, os huteritas reciclaram actividades, sem perder a essência e a sua marcha de vida.

QUESTÕES QUE SE FAZEM A UM HUTERITA

Pode um não-huterita pertencer ou ficar para sempre numa colónia huterita? É uma das questões mais frequentes e que o caro leitor decerto pôde já se ter feito a si próprio. Já aconteceu, logo é “possível”, mas poucas vezes, muito raramente… Sair é mais fácil do que entrar… Por tudo o que temos aqui falado, mas também, principalmente talvez, porque poucas colónias huteritas estão abertas à adesão de estranhos. Mas algumas há que considerariam uma adesão, dependendo do candidato e da vontade do candidato de adoptar ou até suportar, perseverar, nas normas huterianas.

Candidatos sempre existiram, não imensos mas mais do que os que conseguiram entrar quando bateram à porta. Mas poucos se tornaram membros de pleno direito de uma comunidade huterita, por vários motivos. Por um lado, a questão linguística, pois os huteritas falam Hutterisch, o tal dialecto germânico “caríntio-tirolês”. Uma mudança de idioma é sempre um limite para muitas pessoas, neste caso também é uma barreira intransponível para a maioria dos candidatos. Por outro lado, todos os huteritas usam os mesmos sermões alemães e, embora a maioria tenha sido traduzida para Inglês, quase todos os ministros huteritas pregam em Alemão. Ora, a parte espiritual é assim em Alemão e o quotidiano maioritariamente em Hutterisch, pelo que o Inglês não chega para tudo e é sempre considerada como a língua do “mundo” de fora.

Depois, surgem as tradições culturais como obstáculo para quem tenta tornar-se huterita. Mudanças de vestuário, maneiras de fazer as coisas e outras tradições têm que ser adoptadas e observadas rigorosamente, além de um esquema mental próprio e que implica uma mudança radical.

Outra questão importante é o divórcio, que pode ser um obstáculo, porque os huteritas não aceitam o divórcio entre os seus membros, nem permitem que um divorciado que se casou com outra pessoa se lhes junte. Se um divorciado se juntasse, nunca teria permissão para se casar com alguém, excepto com o parceiro original, mas este não seria huterita, pois o candidato vinha de “fora”. Como já aqui vimos, o casamento é definido como a união sagrada entre um homem e uma mulher.

Outra razão que impede a inserção plena e perene numa colónia huterita prende-se com o facto de que muitos dos não-huteritas, para além de não estarem acostumados com o estilo de vida, acham que abrir mão do seu livre-arbítrio, das suas carreiras e dos seus bens pessoais, além de outras liberdades, tudo isso é algo grande de mais para abandonar e para viver sem isso. É um desafio radical, extremo, abdicar de todo um estilo de vida tão diferente e tão confortável, individualista e “progressista”.

Mas uma pessoa qualquer pode participar, aderir enfim à vida huterita? Sim. Se uma pessoa é realmente sincera ao converter-se num huterita, ela poderá unir-se, mas só se estiver disposta a superar os obstáculos acima e deixar o “mundo” completamente para trás. É óbvio que seria necessário primeiro viver numa colónia huterita durante um certo tempo, para garantir a sua adesão mas também a sua aceitação pela comunidade. Um candidato sério teria que apoiar e concordar plenamente com a doutrina da igreja huterita, dos irmãos, e estar disposto a abandonar toda a propriedade pessoal e grande parte do seu livre-arbítrio, uma condição essencial para ser huterita, ou seja, viver em comunidade. Após um período de provação bem-sucedida, essa pessoa poderia solicitar o baptismo e, ao ser baptizada, passaria a ser considerada como um huterita de pleno direito.

Seria um passo difícil, sendo que o é até, no discernimento para o baptismo, para os que já nasceram huteritas. Seria, para um adulto que toda a vida viveu no “mundo”, um exercício doloroso rejeitar a sua última fronteira, ou seja, o que é seu, somente seu, para passar a considerar que tudo é de todos. Decidir sozinho, discernir sozinho e a partir da “sua” forma de entendimento, do “seu” livre-arbítrio, já pensaram, deve ser um dos desafios mais exigentes da condição humana, já de si difícil, mas quando alterada nesta radicalidade pode-se tornar um processo custoso e que só alguns conseguiram. E “regressaram”? Parece que quase nenhum….

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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