CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXIII

O Pentecostalismo – V

Parham tinha fechado a sua escola em Topeka, tendo começado um périplo durante quatro anos no Kansas e no Missouri, numa espécie de missão de reavivamento. Viajava e pregava, ensinava que o baptismo com o Espírito Santo era uma terceira experiência, a par da conversão e da santificação. Se esta purificava o crente, dizia, o baptismo no Espírito tornava aquele capaz para a sua missão. Havia como um fervilhar de avivamentos e experiências pentecostais um pouco por todo o lado.

Mais ou menos na mesma época em que Parham estava a disseminar a sua doutrina da evidência inicial do batismo no Midwest dos Estados Unidos, as notícias de um reavivamento galês, ocorrido em 1904-1905, geraram polémica e acenderam uma intensa especulação entre os evangélicos radicais um pouco por todo o mundo. Em particular, a efervescência foi particularmente forte nos Estados Unidos, onde se acreditava cada vez mais num movimento que viria do Espírito e que renovaria toda a Igreja Cristã. Este reavivamento desencadeou milhares de conversões no País, mas não só, com narrativas de eventos pentecostais a surgirem, que se tentavam evidenciar através das línguas que se começavam subitamente a falar.

Mas o que foi afinal o avivamento galês de 1904-1905? Foi sem dúvida o maior avivamento cristão no País de Gales durante o Século XX. E também foi um dos mais dramáticos em todo o mundo, em termos do efeito sobre a população. Além de ter desencadeado outros reavivamentos em vários países. Uma das consequências foi a ocupação completa das igrejas do País de Gales durante muito tempo, com pessoas a sentarem-se no chão, nos corredores, como sucedeu numa igreja baptista em Mount Pleasant, na cidade de Swansea, dizem que ao longo de vinte anos. A partir deste despertar galês, o fenómeno alastrou na Grã-Bretanha, passou para a Escandinávia, bem como a outras partes da Europa, atingindo, entretanto, a América do Norte, além de focos missionários na Índia e no Oriente, em África e na América Latina. Foi fulgurante, narram algumas fontes, foi algo nunca visto.

UMA SEDE DE ESPIRITUALIDADE?

O renascimento galês foi descrito não como um movimento religioso isolado, mas como parte de um fenómeno desencadeado na Grã-Bretanha. Mas outros houve antes. O primeiro avivamento anterior no País de Gales ocorreu em 1859, tendo tido outros desenvolvimentos. Recorde-se que nessa década de 1850, o Cristianismo no País de Gales, do ponto de vista formal, afastou-se da matriz calvinista, marcando-se por um inconformismo crescente. Este descolamento em relação ao Calvinismo foi também consequência do desaparecimento de uma geração de grandes pregadores bíblicos e líderes espirituais, como Christmas Evans (1766-1838), John Elias (1744-1841) e Henry Rees (1798-1869). Assim, entre 1859 e 1904, há notícias de pretensos avivamentos locais em Gales, em Cwmafan (1866), Rhondda (1879), Carmarthen e Blaenau Ffestiniog (1887), Dowlais (1890) e Pontnewydd (1892).

Mas o de 1904-1905, em Gales, foi diferente. E talvez mais inusitado em relação aos que se produziam fora de Gales, talvez até pioneiro na forma e na explosão, mas não foi nunca algo isolado. O avivamento começou, com efeito, no final de 1904, sob a liderança de Evan Roberts (1878-1951), um ex-mineiro de 26 anos e um ministro (pastor) em formação. O avivamento terá durado menos de um ano, mas o tempo suficiente para converter cerca de cem mil. Iniciado como um esforço para acender a espiritualidade não-denominacional e não-sectária, este “renascimento” galês de 1904-1905 coincidiu com a ascensão do movimento trabalhista, do socialismo e de um descontentamento geral com a religião tradicional entre a classe trabalhadora e os jovens, em Gales, mas não só. Colocado em contexto, este avivamento de curta duração aparece como um clímax para um não-conformismo que era crescente e como um ponto de mudança na vida religiosa galesa, que teria impacto para além do Principado. De facto, o movimento espalhar-se-ia para a Escócia e para Inglaterra. Algumas narrativas subsequentes, sobre o fenómeno, apontam estimativas de um milhão de pessoas convertidas somente na ilha da Grã-Bretanha. Depois, levas de missionários levaram o movimento para fora da ilha, especialmente para a Califórnia, onde se revelaria influente no movimento pentecostal emergente.

Todavia, ao contrário dos avivamentos religiosos anteriores, baseados em poderosas pregações, o avivamento galês de 1904-1905 baseou-se, na metodologia e na praxis, principalmente na música e em supostos fenómenos sobrenaturais, como viria a ser exemplificado nas “visões” de Evan Roberts. A ênfase intelectual dos primeiros avivamentos deixou uma escassez de imagens religiosas, que as visões acabariam por colmatar. Estas visões também desafiaram a negação do elemento espiritual e milagroso das Escrituras por parte dos oponentes do avivamento, oponentes esses que mantinham posições teológicas liberais e críticas. A estrutura e o conteúdo das visões não apenas repetiam as Escrituras e a tradição mística cristã anterior, mas também iluminavam as tensões pessoais e sociais que o avivamento abordou, adaptando ou relacionando imagens bíblicas a cenas quotidianas familiares aos crentes galeses contemporâneos.

Os efeitos posteriores do avivamento foram estudados pelo ministro congregacionalista galês e ensaísta John Vyrynwy Morgan (1860-1925) no capítulo final do seu livro sobre o fenómeno (The Welsh Religious Revival 1904-1905, Londres: Chapman & Hall, 1909), no qual fornece os números das condenações por embriaguez (uma praga endémica na região, então) no Condado de Glamorgan, no período entre 1902 e 1907, fornecidos pela polícia. Segundo o Autor, foi evidente uma redução de quase cinquenta por cento após o avivamento.

Entretanto, nos Estados Unidos, em 1905, Parham mudava-se para Houston, no Texas, onde abriu uma escola de formação bíblica. Um de seus alunos seria o já nosso conhecido William J. Seymour (1870-1922), um inflamado pregador negro da Luisiana com um só olho. Seymour viajou para Los Angeles, onde a sua pregação desencadeou o Avivamento da Rua Azusa, que durou três anos, em 1906, como já aqui vimos.

A adoração que se gerou na Missão Azusa, era caótica e espontânea, sem organização alguma. As pessoas afluíam, pregavam e evidenciavam que eram “movidas” pelo Espírito, falavam e cantavam em línguas e “caíam” novamente no Espírito. A imprensa, nomeadamente a religiosa, mas também a laica, ou secular, não largou durante muito tempo a rua Azusa, tal como milhares de visitantes, entre muitos curiosos, que afluíram à missão, muitos como que a ir buscar o “fogo” pentecostal para o “levarem” para as suas igrejas. Apesar dos reavivamentos dos grupos Wesleyanos, como os de Parham e D. L. Moody, mesmo com influência dos de Gales, entre outros, o início do movimento pentecostal é normalmente considerado o da Rua Azusa, em Los Angeles, de 1906.

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

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