CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXI

O Pentecostalismo – III

No segundo grupo falámos aqui das tendências evangélicas com origem nos Estados Unidos, que enxamearam depois para a América Latina a partir dos inícios do Século XX. Este segundo grupo não se enquadra já nos movimentos migratórios em direcção ao Novo Mundo. São uma tendência missionária e proselitista, baseada espiritualmente no literalismo bíblico, que estava em voga. Uma parte das actuais igrejas Baptista, Presbiteriana e dos chamados “Irmãos Livres” (ou “Irmãos de Plymouth”) fazem parte, por exemplo, deste segundo grupo de evangélicos.

Esta segunda vaga gerou grupos espirituais que promoveram uma consciência de santificação entendida na forma de separação do mundo, concepção que derivava do desenraizamento social que caracterizava a base social dos missionários. Estes rumaram então para diferentes países com uma única aspiração: promover conversões e daí criar comunidades de “novos cristãos”. Com o passar do tempo e com o surgimento de um quadro pastoral local, algumas dessas correntes evoluíram para uma espécie de pensamento social que facilmente se conjugava com as preocupações mais progressistas dos protestantes históricos. Noutros casos, talvez a maioria, essas correntes transformariam as suas posições sociais e políticas noutra direcção com a chegada, crescimento e adaptação cultural dos diferentes pentecostalismos latino-americanos.

Estes são já a terceira fase. Com efeito, os pentecostais formam a terceira corrente dos grupos evangélicos. Como ramo do Protestantismo, é essencialmente identificado e caracterizado por uma posição específica: a defesa intransigente da realidade e autenticidade dos dons do Espírito Santo. Sendo uma concepção comum a tantas confissões cristãs, em que se manifesta a diferença então? Desde o seu nascimento no início do Século XX, no chamado “Renascimento [Espiritual] da Rua Azusa” (Azusa Street Revival), na igreja Metodista Episcopal Africana da Califórnia, em 1906, que os seus seguidores adjudicam ao movimento factos semelhantes aos do Pentecostes narrados no Novo Testamento.

O RENASCIMENTO DA RUA AZUSA

Este “revival” foi uma reunião de “avivamento” espiritual (na concepção pentecostal) que se realizou em Los Angeles, na Califórnia, liderada por William Joseph Seymour (1870-1922), um pregador afro-americano, oriundo da Luisiana. O “revival” começou numa reunião em 14 de Abril de 1906, continuando (o “revival”) ao longo de três anos, mas com uma progressão, com intervalos, até meados de 1915. Tudo se desencadeou de forma quase miraculosa, segundo as fontes episcopalistas. Assim, antes, na noite de 9 de Abril de 1906, Seymour e sete homens estavam reunidos, em meditação, “esperando em Deus”, como referem as narrativas do acontecimento, na Bonnie Brae Street, “quando de repente, como que atingidos por raios, os oito homens foram atirados das cadeiras para o chão”. Então, na sequência deste fenómeno, os outros sete homens começaram a falar em várias línguas e a gritar, louvando a Deus. A notícia espalhou-se rapidamente. A agitação cresceu, multidões reuniram-se à volta do local dos acontecimentos e alguns dias depois, continuam as mesmas fontes (Stanley H. Frodsham, 1946, “With Signs Following”, a partir de testemunhas; e Robeck Jr., Cecil M (2006), “The Azusa Street Mission and Revival: The Birth of the Global Pentecostal Movement”), o próprio Seymour recebeu o Espírito Santo. Perante a dimensão destes eventos, a afluência de crentes e curiosos cresceu no local. Os cultos que ali se realizavam foram então transferidos para fora do edifício, para acomodar as multidões que vinham de muitas terras. Vários relatos falam de muitas pessoas a prostrarem-se por terra “sob o poder de Deus” ao aproximarem-se do local miraculado. Muitas foram as pessoas que foram também baptizadas no Espírito Santo, além de curas de enfermos e absolvição de pecadores. O testemunho dos que estiveram presentes naqueles tempos de reavivamento da Rua Azusa plasmou-se de forma concordante, quase sempre com um “Estou salvo, santificado e pleno do Espírito Santo”, numa clara referência às três obras da graça dos Pentecostais da Santidade, o ramo original do Pentecostalismo.

A romagem ao local não parou. Para acomodar ainda mais as multidões, conseguiu-se a aquisição de um edifício antigo e degradado de dois andares na Rua Azusa, no número 312, na zona industrial de Los Angeles. Este edifício, originalmente construído para uma igreja Metodista Episcopal Africana (AME), acabara por se converter, perto do ano de 1906, num estábulo, armazém e pardieiro. Foi ali, naquele humilde espaço, qual “presépio”, depois a missão da Rua Azusa, que se deu o reavivamento contínuo de três anos, um fenómeno que se tornaria conhecido em todo o mundo. O já referido Frodsham, no seu livro “With Signs Following”, cita descrições de testemunhas oculares, as quais referem experiências espirituais acompanhadas de testemunhos de milagres de curas físicas, cultos de adoração e pessoas a falar línguas diferentes.

Mas o fenómeno não foi aceite por todos. Os participantes foram criticados por alguns Meios de Comunicação Social, seculares, portanto, e teólogos cristãos (católicos e protestantes) por comportamentos considerados ultrajantes e pouco ortodoxos, especialmente na época. Hoje, o reavivamento de 1906 é considerado pelos historiadores como o principal catalisador para a disseminação do Pentecostalismo no Século XX.

No mês seguinte, em meados de Maio de 1906, entre trezentas e mil e quinhentas pessoas tentaram acomodar-se no exíguo prédio, que não chegava a ter mais de um andar. Era um autêntico tugúrio, para mais infestado de moscas, pois os últimos “inquilinos” do imóvel tinham sido, até pouco tempo antes, cavalos! As moscas, implacáveis, não paravam de incomodar constantemente os que afluíam ao edifício. Que eram muitas, diariamente, pessoas de diversas origens que se reuniam para adoração e oração: homens, mulheres, crianças, negros, brancos, asiáticos, nativos americanos, imigrantes, ricos, pobres, analfabetos e educados, era um viveiro de gente de diversas origens, idades e estatuto, mas todos igualados na fé do reavivamento espiritual da Rua Azusa. Muitos chegaram cépticos e duvidosos, mas, como narram as testemunhas, ali encontraram a sua salvação e propósito de vida. A mistura étnica e o incentivo do grupo para a liderança pertencer às mulheres tornou-se numa marca impressiva do movimento que ali despontou. A notoriedade é ainda maior se recordarmos que 1906 foi o auge da era das chamadas “leis Jim Crow” (personagem de um cartoon racista surgido em 1892). Estas leis segregacionistas, racistas, locais e estaduais, duraram (principalmente nos Estados do Sul dos Estados Unidos) até 1965. Além da questão racial, 1906 estava ainda a uns longos catorze anos da lei que possibilitava o sufrágio das mulheres nos Estados Unidos.

Mas o Pentecostalismo acabava de nascer, em 1906….

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

LEGENDA: Azusa Street Mission

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