Testemunhas de Jeová – X
Knorr trouxe às Testemunhas de Jeová uma maior pluralidade e participação de todos no desenvolvimento do movimento, mitigando o autoritarismo que Rutherford incutira na organização ao nível da administração. Com a presidência de Knorr, foi dada um maior enfoque ao aspecto educacional e à formação missionária. Por outro lado, a reorganização mundial da Sociedade tornou-se num imperativo e depois uma marca da sua gestão. Em verdade, assistiu-se a um crescimento das Testemunhas de Jeová, pois se em 1942, quando se tornou presidente, existiam 25 filiais em todo o mundo, passados quatro anos apenas, mesmo com o flagelo universal da Segunda Guerra Mundial, o número de filiais aumentou para 57, atingindo-se em 1976, quase no fim do seu mandato, a cifra de 97.
Em 1972, neste quadro de crescimento, iniciou-se uma reestruturação da organização das Testemunhas de Jeová (TJ). Depois de uma reflexão interna, que se plasmou na redacção de “Ajuda para a Compreensão da Bíblia”, enquanto guia e fundamento para a reorganização, chegou-se a uma nova compreensão da referência bíblica em torno do conceito de “anciãos”, ou “homens idosos”, o que parece ter sido o catalisador para o reajustamento da estrutura organizacional. Numa revisão d’O Manual Organizacional da Sociedade de 1972 explicava-se que “é digno de nota que a Bíblia não diz que havia apenas um ‘homem mais velho’, um superintendente, em cada congregação. Em vez disso, indica que eram vários”. Assim não existiria mais um servo de congregação ou superintendente, mas sim um corpo de anciãos e servos ministeriais. Nesta nova colegialidade, um presbítero seria designado presidente, mas todos os presbíteros da congregação teriam igual autoridade e partilhariam a responsabilidade de tomar decisões.
Neste sentido, a reestruturação chegou ao topo da hierarquia, a presidência do Corpo Governante. Recorde-se que este é um órgão colegial de anciãos presbíteros com amplo poder deliberativo e executivo. Como vimos, o conceito surgiu a partir de 1944, mas foi em 1971 que ganhou o sentido actual. Desde Janeiro de 1976, o funcionamento do Corpo Governante foi estruturado em seis comissões (ou comités) administrativas, cada qual incumbida da gestão de determinados aspectos das actividades das TJ em todo o mundo. Em 1992 e em 2000 seriam efectuadas novas redefinições no Corpo Governante. Knorr, um grande gestor e organizador, trabalhou nestas redefinições até à sua morte, em 1977. Sucedeu-lhe o seu vice-presidente, o teólogo principal das TJ, Frederick William Franz (1893-1992), o 4.º presidente da organização, que governou entre 1977 e a sua morte em 1992.
E O MUNDO NÃO ACABOU EM 1975
Antes destas reestruturações dos anos 70 do Século XX e em pleno consulado de Knorr, mais precisamente em 1966, as Testemunhas de Jeová anteciparam para 1975 a data decisiva para o mundo que estava marcada na cronologia bíblica. Muitos extrapolaram a importância dessa data, atribuindo-lhe uma significação escatológica, ou seja, o fim do sistema, modo de vida, tudo o que caracterizava o tempo actual da Humanidade. Ou seja, adviria um evento que mudaria o curso da História, uma espécie de fim do mundo. E provavelmente acreditavam muitos naquele ano de 1966, esse momento surgiria em 1975.
Mas vejamos como se chegou a esta data. Convém recordar que 1975 não foi a primeira data profetizada pelas TJ para o fim do mundo. Duas houve marcantes, antes da de 1975: 1914 e 1925. Em 1876, Charles T. Russell escreveu o primeiro de muitos artigos em que apontava para Outubro de 1914 como o fim dos tempos, para os que não seguissem o movimento, ou seja o fim dos tempos dos gentios e o início do Reino do Messias no mundo. O mundo não acabou, embora tivesse começado a Primeira Guerra Mundial, não se sabendo assim o que eram as “(…) maravilhosas manifestações dos julgamentos divinos contra toda a injustiça, e que isto significará o colapso de muitas instituições actuais, se não de todas”, como era profetizado entre as TJ.
Depois aventou-se que a data do fim do mundo seria 1925. Foi Rutherford quem o anunciou, num discurso intitulado “Milhões que agora vivem jamais morrerão”, em 21 de Março de 1920, em Nova Iorque. Se setenta jubileus plenos fossem calculados a partir da data em que os israelitas, segundo se entendia, entraram na Terra Prometida, o fim do mundo poderia surgir em… 1925. Os que possuíam esperança celestial receberiam a sua recompensa no Céu em 1925, profetizava-se entre as TJ, um ano que seria de expectativa de ressurreição de fiéis servos de Deus pré-cristãos, para que servissem na Terra como príncipes representantes do Reino celestial. Se tal viesse realmente a suceder, a Humanidade, defendiam as TJ, entraria numa era em que a morte deixaria de dominar e milhões que então viviam podiam ter a esperança de nunca desaparecer da Terra. Mas os cálculos de tempo falharam, as previsões também, a profecia não se concretizou. Muitas congregações das TJ perderam fiéis, o movimento sentiu um grande abalo de confiança e adesão, principalmente na Europa.
Mas não se ficaria por 1925. Depois deste “falhanço”, uma nova crença surgiu. As Testemunhas já de há muito que acalentavam a crença de que o Reinado Milenar de Cristo adviria depois de seis mil anos de história humana. Deste modo, no livro “Vida Eterna – na Liberdade dos Filhos de Deus”, lançado (em Inglês) numa série de Congressos de Distrito em 1966, apontava-se para 1975 como o tempo em que se cumpririam seis milénios desde a criação de Adão. Renascia a esperança milenarista.
Num congresso das TJ realizado em Baltimore, Estado de Maryland, seria um discurso concludente proferido por F. W. Franz, então vice-presidente das TJ mas o seu teólogo principal, que espoletou a crença em torno desse ano decisivo para a Humanidade. Mas, como se viu, o Armagedão não se concretizou, o mundo permaneceu. E novamente um grande rombo na confiança em torno das TJ e das suas profecias, como do todo que é a instituição, recaiu nesta um pouco por todo o mundo. O movimento sofreu, com efeito, um revés e o número de membros diminuiu durante três anos. Só em finais da década de 70 do Século XX é que se voltou a registar um aumento de membros das TJ. Todavia, a desconfiança reinava, mesmo no movimento, com forte escrutínio e investigação em torno dos pareceres teológico-religiosos da hierarquia. Uma das notas mais negativas foi o abandono do movimento por membro mais antigos, o que nunca tinha acontecido na escala em que estava a suceder.
O grande estudioso da Bíblia que era Frederick William Franz, também um bom organizador, tinha uma tarefa ciclópica aos ombros: relançar as TJ depois do falhanço de 1975 e impedir a sangria do movimento, fazendo-a crescer novamente. A sua presidência durou pouco, mas não deixaria de ser importante para o movimento.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa