O Pentecostalismo – XV
Começaremos hoje a terminar o tema do Pentecostalismo. Uma das denominações cristãs, ou um conjunto de várias, que mais tem crescido no mundo. Como vimos, tem vindo a converter alguns sectores de igrejas cristãs antigas, na América Latina e em África, principalmente. Até quando, não se prevê, mas em muitas regiões assume-se como uma novidade que entusiasma e que traz promessas de amanhãs mais felizes.
Num apanhado do que aqui escrevemos, aquilo a que geralmente chamamos de “Evangelismo” é um rótulo genérico para demonstrar o resultado de um processo no qual emergiram diferentes grupos religiosos surgidos no Cisma do Século XVI, a chamada Reforma Protestante: luteranos, metodistas, calvinistas, baptistas, menonitas, presbiterianos e pentecostais, estão entre as denominações mais conhecidas. Algumas merecerão a nossa atenção neste espaço. Assim, importa também recordar que o Protestantismo, antecedente e marco histórico de todas as igrejas evangélicas, é um movimento cristão que, ao contrário do Catolicismo, fundamenta exclusivamente a autoridade religiosa na Bíblia como instância superior à “tradição sagrada”. Opõe-se também, além dessa supremacia da Bíblia, à infalibilidade do Papa: reside assim, nestas definições, o motivo por que denominamos o Protestantismo como uma religião evangélica, em vez de apostólica, como a Igreja Católica.
Já agora, as igrejas evangélicas não reivindicam autoridade humana suprema na forma do Papado, nem adoram os Santos ou a Virgem Maria. Não existe uma entidade de governo centralizado e geral das igrejas, no todo ou de cada uma, embora existam lideranças, algumas carismáticas. Em cada país há associações secundárias que cumprem uma função de representação corporativa limitada dos grupos evangélicos. No entanto, a maioria das igrejas realiza as suas actividades fora dessas associações, e aquelas (associações) que pertencem a algumas estão longe de serem completamente controladas por elas (pelas igrejas). Em certas circunstâncias sociais e políticas, estas associações acabam por se tornar importantes como instâncias unificadoras, além de socialmente activas. Algumas chegam a cooperar e interagir com outras associações, católicas, até, o que dissuade quaisquer reacções negativas de alguns grupos católicos. No fim, muitos destes acabam por passar para as igrejas evangélicas.
TENDÊNCIAS EVANGÉLICAS
A partir das décadas de 1940 e 1950, depois do “boom” inicial e das missões nos Estados Unidos, Europa e nas Américas, as missões pentecostais ganham um novo alento na América Latina, com um desenvolvimento maior a partir de líderes locais que o adaptaram à situação social e cultural endógena. Já não eram os pastores e ministros americanos, mas sim homens da mesma cor, língua e costumes, enraizados na cultura e nos problemas do terreno missionário. Deste modo, desenhou-se uma tendência crescente para um pentecostalismo autónomo, mais idiossincrático, que privilegiava a salvação terrena e se baseava na “cura divina”, sobrepondo-se ao Pentecostalismo original, que enfatizava a santificação e o repúdio pelo pecado. O Pentecostalismo em expansão dialoga assim com as necessidades e crenças populares de uma maneira original, como nenhuma denominação protestante jamais fez, o que está na raiz da sua implantação quase massiva. Recorde-se que na década de 1950, os pentecostais já constituíam um importante contingente em vários países da América Latina. O crescimento a partir de então foi liderado por ministros autóctones, que eram autênticos líderes das massas que representavam nas suas igrejas e associações.
Nos anos 60 desencadearam-se transformações geopolíticas na Ásia que fecharam vários teatros missionários pentecostais naquele continente, onde estavam a frutificar. Os conflitos regionais e os novos regimes afastaram os missionários, preponderantemente americanos, para outras paragens. Aliás, o facto de serem americanos ajudou a fechar esses territórios de evangelização a missionários dos Estados Unidos, que se canalizaram então para a América Latina católica: deu-se assim um redireccionamento da vocações e políticas evangelizadoras para sul do Rio Grande.
No final dos anos 60 e início dos anos 70, e capitalizando todos esses antecedentes, inicia-se um terceiro período no qual se generalizam dois caminhos de crescimento pentecostal: o chamado “Neopentecostalismo” e o das igrejas autónomas. No que alguns estudiosos apelidam de Neopentecostalismo, algumas características do Pentecostalismo clássico foram exacerbadas, enquanto inovações teológicas, litúrgicas e organizacionais foram introduzidas. Por exemplo, expressões acerca da presença do Espírito Santo foram pluralizadas e fortalecidas (com uma aposta maior nos milagres e na sistematização destes) ou a assunção da figura dos pastores como indivíduos privilegiados, capazes de viabilizarem essas bênçãos, são algumas das nuances destas renovações do Pentecostalismo latino-americano. Nesse contexto, surgiram dois elementos teológicos fundamentais na renovação pentecostal: a Teologia da Prosperidade e a doutrina da guerra espiritual.
A Teologia da Prosperidade, que surgiu no Protestantismo evangélico em antagonismo e polémica com a Teologia da Libertação católica, nos anos de 1960, argumentava que, se Deus pode curar o corpo a alma, não há razão para pensar que Ele não possa também conceder prosperidade aos crentes. A bênção fica assim completa. Mas há, porém, uma contrapartida, encarada como o passo que confirma e aprofunda a oração: o dízimo. O dízimo suscitou sempre quase como que um “horror”, pelo menos ásperas críticas, entre analistas mais secularizados ou por sectores mais próximos da Igreja Católica, ou das velhas denominações protestantes. A Igreja Católica, por exemplo, santifica a pobreza diante a insidiosa “mistura” entre o espiritual e o económico. Jesus não expulsou os vendilhões do templo? Há uma incompatibilidade, de facto, mas temos também que analisar o dízimo de forma antropológica: ou seja, este aspecto da oferta teológica pentecostal tem muitos aspectos similares, ou revisita, a dimensão sacrificial que nas aldeias camponesas latino-americanas leva a oferecer animais e colheitas aos deuses em troca de prosperidade. Os missionários pentecostais souberam articular essa tradição pré-cristã, que não desaparecera de todo, à prática do dízimo, naquilo que conhecemos como a “teoria da dádiva”. Todavia, a única forma de materialização dessa tradição, em plena civilização capitalista, só poderia fazer corresponder o dízimo a… dinheiro! Este equivalente geral de todas as mercadorias e dádivas, por mais diabólico que seja, tornou-se a expressão dessa doação de uma parte para se receber do divino. Depois, temos ainda a outra doutrina pentecostal, a da guerra espiritual, que tão fundo tocou na América Latina!
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa