CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXIX

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXIX

Testemunhas de Jeová – IV

O movimento fundado por Russell, a “Sociedade da Torre de Vigia”, ou “Watch Tower Society” (com o subtítulo “International Bible Students”), conheceu o primeiro grande cisma em 1909, com o aparecimento de um ramo denominado “Free Bible Students”, que permanece até aos dias de hoje. Entretanto, o grande fundador Russell morreria em 31 de Outubro de 1916, em Pampa, no Estado do Texas, durante uma viagem de pregação pelos Estados Unidos. Os seus ensinamentos mantiveram-se nos dez anos seguintes, com a Sociedade da Torre de Vigia a continuar a ensinar e propagar que Russell tinha cumprido as funções de “Mensageiro de Laodiceia”, conforme o Apocalipse 3,14-22, e de “Servo fiel e sábio”, segundo Mateus 24,45.

Após a morte de Russell, Joseph Franklin Rutherford (1869-1942), mais conhecido como “juiz Rutherford”, consultor jurídico da Sociedade, assumiu a presidência da mesma, na assembleia geral anual da corporação, a 6 de Janeiro de 1917. Joseph Franklin Rutherford fez então aprovar novos estatutos na Sociedade, para fortalecer a autoridade do presidente. Em poucos meses, quatro dos sete directores da Sociedade alegaram de imediato que o juiz estava a agir sem consultar o conselho e não demorariam muito a descrevê-lo como “dogmático, autoritário e reservado”. Numa reunião de directores, em Junho, propôs-se mesmo devolver-se o controlo da Sociedade ao conselho, mas numa tempestuosa reunião de cinco horas, em 17 de Julho de 1917, Rutherford anunciou que tinha nomeado quatro novos directores para substituir os quatro que se opunham a ele, alegando que não tinham estatuto legal no conselho por causa do conflito com a Lei da Pensilvânia. A tendência para a divisão e ruptura na Sociedade era enorme, desde 1916 e particularmente desde o começo do consulado do juiz.

Surpreendeu ainda mais ao anunciar o lançamento do livro “The Finished Mystery” (“O Mistério Concluído”), baseado nas profecias dos livros do Apocalipse e de Ezequiel, além dos escritos de Russell. O livro, escrito pelos Estudantes de Bíblia Clayton J. Woodworth e George H. Fisher, foi anunciado como a “obra póstuma de Russell” e o sétimo volume de “Estudos das Escrituras”, num intento de legitimação perante a Sociedade. Foi um “best-seller” imediato e seria traduzido para seis idiomas.

Por outro lado, num clima mais desavindo, Rutherford e os directores destituídos publicaram uma série de boletins informativos durante 1917 e 1918, em que mais não fizeram do que atacar-se uns aos outros e algumas congregações dividir-se-iam em grupos opostos aos que eram leais ao presidente Rutherford ou mesmo àqueles que ele expulsara. Estava-se num novo cisma, que espoletaria em 1919, assistindo-se ao surgimento de novos ramos independentes: “Laymen’s Home Missionary Movement” e “Associated Bible Students”.

As testemunhas de Jeová

Entre as principais afirmações teológicas de Rutherford estão a ressurreição de Abraão, Isaac e Jacob e de muitos outros patriarcas do Novo Testamento, além da famosa proclamação de que aqueles que estavam vivos em 1914 veriam o fim (Armagedão) antes da sua morte. Numa espécie de novo cisma, foi o mesmo juiz Rutherford que, em 1931, mudaria o nome da Sociedade para o nome actual: Testemunhas de Jeová. Vários membros, entretanto, alguns desde 1928, tinham saído da Sociedade para os “Free Bible Students” e para os “Associated Bible Students”.

De registar que em 1918, Rutherford fundara o Instituto Pastoral da Bíblia, além de lançar a publicação “O Arauto do Reino de Cristo”. Ao mesmo tempo, Alexandre Freytag, ex-líder do ramo suíço da Sociedade, desassociou-se e fundou o movimento “Amigos do Homem”. Por sua vez, a Sociedade anunciou novas previsões a respeito daquele ano de 1918, como a destruição de todas as igrejas e para 1920 o fim de todas as repúblicas…

Além da fragmentação cismática, assistia-se, num clima quase autocrático ou ditatorial do juiz, a tomadas de posição pouco religiosas. Por exemplo, depois da edição da obra “The Finished Mystery”, eclodiu um verdadeiro conflito. Recorde-se que este livro acusou violentamente a hierarquia católica de encarnar o Anticristo e de merecer a destruição em 1918, tal como todas as nações cristãs. Estas denúncias violentas chocaram muitos católicos canadianos, por exemplo, que conseguiram a proibição do livro no seu país, chamando também a atenção do Governo dos Estados Unidos para a elevada disseminação da obra, numa época de conflito mundial (Primeira Guerra Mundial), principalmente devido a certas passagens que condenavam a guerra, o patriotismo e o recrutamento. Em 1918, a Sociedade da Torre de Vigia publicou também três tratados chamados “Notícias do Reino”, que continham uma denúncia poderosa do clero, acusado em particular de intolerância religiosa. Além dos conflitos internos, os ataques ao exterior, a outras confissões cristãs, eram fortíssimos e crescentes.

Entretanto, Rutherford e os sete curadores, ou directores, da Sociedade foram encarcerados na Prisão Federal de Atlanta e condenados em 1918 por escrever, editar e transmitir o “The Finished Mystery”, além de incitar os membros do movimento a recusar não apenas pegar em armas, mas também a não combater. Isto tudo apesar da repentina reviravolta do juiz e seus pares, quando pediram orações pela vitória dos Estados Unidos, na sua publicação “A Sentinela”, além de alegarem ter apoiado o esforço de guerra comprando títulos do Tesouro. Enquanto isso, além de apelos aos principais jornais, senadores, governadores e membros do Congresso dos Estados Unidos para pedir-lhes que interviessem a favor da libertação dos prisioneiros, os fiéis da Sociedade organizaram uma petição em Março de 1919 pedindo ao Presidente Woodrow Wilson a amnistia do juiz e dos directores, em libertação incondicional ou sob fiança enquanto aguardassem o julgamento. Esta petição conseguiu reunir setecentas mil assinaturas em apenas duas semanas, isto em 1919… No mesmo mês, os oito presos foram libertados sob fiança no valor de dez mil dólares americanos cada um. Em seguida, após a constatação de vários defeitos formais no processo acusatório, a sentença foi anulada, embora tivessem que aguardar por um novo julgamento. Em 5 de Maio de 1920, o Procurador-Geral dos Estados Unidos anunciou em audiência pública a anulação do processo. No Domingo seguinte, Rutherford faria um inflamado discurso em Los Angeles intitulado “Hope for Grieving Humanity”, que reuniu cerca de três mil e 500 pessoas.

Entretanto, no período em que os sete administradores estiveram presos, a Direcção da Sociedade da Torre de Vigia decidiu vender o Tabernáculo de Brooklyn e mudar a sua sede para um edifício de escritórios que ocupa duas ruas inteiras em Pittsburgh (Federal Street e Reliance Street), no Estado da Pensilvânia.

Depois da libertação, eram grandes as expectativas de Russell para a Sociedade, como veremos entre 1925 e 1929.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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