CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCVI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCVI

Adventistas do Sétimo Dia – III

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, como temos visto, formou-se a partir do movimento conhecido hoje como os Milleritas. Ou seja, trata-se do movimento criado por William Miller, um cristão baptista convertido. Este começou em 1831 a pregar que o Segundo Advento de Jesus ocorreria, algures, entre Março de 1843 e Março de 1844, a partir de Daniel 8,14. Congregou discípulos em torno dessa profecia, desde Baptistas, Presbiterianos, Metodistas, até membros da chamada Christian Connection (aka CC, movimento protestante fundado em princípios do Século XIX).

Deste modo, em 1844, mais de cem mil pessoas esperaram a “Bendita Esperança”, anunciada por Miller. Estava-se no dia 22 de Outubro, muitos dos crentes ficaram acordados pela noite fora, esperando o regresso de Cristo, mas depois do pôr-do-sol e da meia-noite daquele dia, a desilusão apoderou-se dos que esperavam. As suas expectativas não foram realizadas. Este dia de desilusão viria a ficar conhecido como o Grande Desapontamento…

Apesar da decepção em que o movimento millerita se tornou, não deixou de vir a ser reconhecido como um importante desenvolvimento religioso nascido na década de 1840. Com as estimativas do número de adeptos a oscilar entre cinquenta mil e 250 mil, com efeito o movimento teve um impacto que foi para além dos seus seguidores declarados. No primeiro estudo histórico sério sobre os Milleritas, da autoria de Everett N. Dick (1898-1989), uma espécie de censos metodistas (1940), apurou-se que as igrejas baptista e metodistas tiveram o seu maior crescimento quando os pregadores milleritas nelas exerceram maior influência. É curioso registar que o movimento millerita nunca foi considerado estranho na sociedade americana do Século XIX, que o considerou e a ele aderiu até, tornando-se mesmo uma parte importante da cultura dos Estados Unidos naquela centúria. Na verdade, o Segundo Grande Despertar muito deve aos Milleritas, a base do Adventismo.

O SURGIMENTO DO ADVENTISMO DO SÉTIMO DIA

Depois da confusão que se seguiu ao Grande Desapontamento, os Milleritas seguiram em várias direcções: alguns perderam até a fé no Cristianismo, muitos voltaram às suas igrejas originais (Baptistas, Presbiterianos, CC, Metodistas), enquanto outros estabeleceriam a base das futuras denominações adventistas, como a Igreja Adventista e a Igreja de Deus da Fé Abraâmica. Mas à margem do movimento, entre 1845 e 1849, surgiu um outro grupo, os adventistas sabatistas, que com o tempo se viria a tornar a maior denominação de todas as igrejas adventistas.

Estes sabatistas assumiram-se mesmo como os verdadeiros descendentes da fé millerita, pois continuaram a acreditar que o “santuário” (Daniel 8,14) tinha sido mesmo purificado em 22 de Outubro de 1844. Em vez de identificarem esse santuário de Daniel com a Terra, como Miller fizera, por influência de Hiram Edson (1806-1882), um agricultor do Estado de Nova Iorque, e do seu associado O. R. L. Crosier (1820-1913), os sabatistas concluíram que o santuário a ser purificado era o santuário celestial referido em Hebreus 8 e 9. «As nossas maiores esperanças e expectativas foram destruídas, e um espírito de choro tomou conta de nós como nunca havia experimentado antes. Parecia que a perda de todos os amigos terrenos não poderia ser comparada. Chorámos e chorámos até ao amanhecer», proferira Edson, que, apesar do lamento, não desistiu e associou-se aos sabatistas que emergiam no meio protestante americano.

Naquele dia do Grande Desapontamento, Jesus, portanto, começara o seu ministério como Sumo Sacerdote, à “direita do trono da Majestade”, como “ministro do santuário”, feito por mãos humanas, mas sim pelo Senhor, como Hebreu 8,1 refere. Naquele santuário se estabeleceu a Nova Aliança, onde os sabatistas se fundamentavam também.

Através dessa doutrina do santuário, os adventistas sabatistas mantiveram a sua herança millerita, mas também vincularam esse milenarismo ao restauracionismo, uma componente muito importante do Segundo Grande Despertar. Era o resultado do testemunho de Rachel Oakes Preston (1809-1868), Frederick Wheeler (1811-1910), metodista, pregou o primeiro sermão sobre o Sabbath como sétimo dia (Seven Day Sabbath). Entre os “Irmãos Cristãos” (Christian Brethren) que ouviram a pregação estava Rachel, então viúva, com a sua filha, quando frequentava a igreja. Rachel tentou então apresentar os seus pontos de vista sobre a sua convicção de que o sábado, Sabbath, era o sétimo dia. William Farnsworth (1804-1888), depois do Grande Desapontamento de 22 de Outubro de 1844, retomaria essa convicção e torná-la-ia o fundamento do sabatismo.

Mais ou menos na mesma época, talvez influenciado por este grupo, o pregador millerita Thomas M. Preble (1810-1907), um ministro dos Baptistas Livres (ou do Livre Arbítrio, “Free Will Baptists”), começou também a observar o sábado e em Março de 1845 (a seguir ao Grande Desapontamento, ou Desilusão), publicou um artigo, “Tratado, Mostrando que o Sétimo Dia deve ser Observado como Sabbath” (Tract, Showing That the Seventh Day Should be Observed as the Sabbath), a argumentar que o quarto mandamento se deveria manter obrigatório para os cristãos. Embora Preble mais tarde tenha abandonado a sua crença no sábado, o seu “tratado” foi lido por Joseph Bates (1792-1872), um ex-oficial da marinha e pregador millerita, que adoptou a doutrina do sábado em 1845. Neste ano, viria a encontrar-se com outra figura importante dos alvores do Adventismo, Frederick Wheeler (1811-1910), um pastor de Washington, New Hampshire, reputado por ter sido o primeiro ministro adventista ordenado a pregar a favor do sábado como Sétimo Dia. Não apenas considerando o sábado como a forma de restaurar uma doutrina há muito esquecida, depois de absorver a interpretação de Edson sobre o significado do 22 de Outubro de 1844, Bates viria a argumentar, numa série de artigos, que a entrada de Cristo no Lugar Santíssimo do santuário celestial (de acordo com Hebreu 8), abriu uma nova ênfase no sábado, pois os Dez Mandamentos faziam parte da Nova Aliança e aquela doutrina era agora o símbolo da verdadeira fé em Deus.

Nesta doutrinação mais consolidada, os adventistas sabatistas passaram a considerar que o cumprimento da Reforma Protestante tinha finalmente começado, fechando o círculo completo do Cristianismo, que deste modo retornava à verdadeira crença e prática bíblicas. Era como que uma confirmação e o fecho do último selo de uma fé. Dava-se assim sentido à mensagem dos três anjos de Apocalipse 14, 6-11, depois da definição da Besta (666). Estes adventistas sabatistas entendiam que a sua tarefa era a de advertir o mundo contra a adoração da besta e da sua imagem, que eles associaram ao catolicismo romano e ao protestantismo “apóstata”.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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