Chineses que falam Espanhol… nas Antilhas Holandesas

A viagem de Guadalupe para Curaçao durou mais do que o previsto. Saímos no dia 26 de Maio, ao meio-dia, e chegámos no dia 31, já perto da meia-noite. Não foi muito mais do que tínhamos em mente. No segundo e no terceiro dia de viagem houve pouco vento, na terceira noite apanhámos vento muito forte, que nos rompeu um dos risos da vela principal, sendo que no dia seguinte o vento soprou sempre perto dos 30 nós. A surpresa de vento forte durante a noite causou algum pânico no seio da tripulação, mas depois de tudo estabilizado a viagem até se tornou mais confortável do que até aí. A falta de vento nos dias anteriores causou um balançar muito incómodo e desconfortável.

Depois de restabelecidos do vento forte foi altura de acertar o rumo e começar a contar os dias para a chegada. No início do terceiro dia estávamos ainda a muitas milhas de metade da viagem. No total foram 511 milhas, que pareceu levarem uma eternidade, mas assim que o vento estabilizou e se manteve na casa dos vinte nós o Dee manteve a média entre os cinco e os seis nós, fazendo mais de 120 milhas por dia, o que compensou o que havíamos perdido nos primeiros dias.

A chegada a Curaçao teve de ser alterada para uma paragem não programada em Bonaire, a primeira ilha das Antilhas Holandesas.

No início, devido à falta de vento e de sol, fomos utilizando o motor uma a duas horas por dia para ajudar a recarregar as baterias. Quando estávamos apenas a velejar deixávamos o motor desengatado, como aconselha o manual de manutenção da caixa de transmissão. Acontece que estando desengatado, ou engrenado para a frente, o hélice gira – movimento que originou uma folga nos parafusos que bloqueiam o veio que vai do motor ao hélice, e a consequente separação do veio do seu acoplamento ao motor.

Quando já nas proximidades de Bonaire, a pouco mais de trinta milhas de Curaçao, decidi ligar o motor para verificar se estava tudo bem, notei que a bomba da fossa estava a deitar água. É normal que o faça duas a três vezes ao dia, e isso sabe-se facilmente porque o cheiro característico da água suja é sentido no poço. No entanto, fiquei com a sensação de que a bomba tinha funcionado mais do que o normal, pelo que decidi ir ver se havia água a entrar pelo veio, algo que também é normal dentro de certos parâmetros. Para minha surpresa, quando levanto as tábuas do piso no quarto da popa, vejo o veio a rodar livremente e a quase sair do barco. Por sorte não perdemos o veio e o hélice. Valeu o zinco anodo que está no exterior, que evitou que tudo se perdesse no mar.

Perante esta emergência decidimos abortar a ida para Curaçao – sem motor é quase impossível entrar na lagoa – e seguir para Bonaire. Já na protecção da ilha os ventos acalmaram e o mar ficou mais pequeno, pelo que tentei colocar o veio dentro do barco.

Depois de ter imobilizado a rotação do veio com um alicate de pressão, não consegui puxar o veio (uma vara de aço inox extremamente polida). Depois de meia hora de trabalho numa posição extremamente desconfortável, o veio lá voltou à sua posição original, pronto para ser aparafusado no acoplamento do motor. Foi uma sensação de alívio quando vimos que o motor estava a funcionar como devia e que nos poderia ajudar na tarefa de apanhar a poita num ancoradouro desconhecido durante a noite. O mesmo mostrou-se primordial porque assim que nos aproximámos das poitas o vento levantou de novo e fez com que falhássemos a primeira tentativa. Apenas à segunda conseguimos atar os cabos, desligar todos os sistemas e descansar.

No rescaldo da viagem temos a apontar a vela principal danificada, mas ainda utilizável, a correia de suporte da cobertura do poço partida e a adriça da vela principal presa na sua entrada no topo do mastro. A adriça prendeu quando procedíamos ao rizar das velas, tendo a NaE que me içar quase dez metros em pleno mar, com ventos a rondar os trinta nós, para retirar a manilha que a ligava à vela. Assim que foi possível retirar a adriça entravada, recorri ao uso da adriça de reserva, que foi usada até ao final da viagem.

Quanto à viagem, podemos dizer que foi positiva. A vela pode ser remendada e a adriça está pronta a ser utilizada novamente. A correia já foi concertada.

Quando fomos a terra para formalizar a entrada em território holandês, vimos que os nossos amigos do veleiro Gentileza ainda ali estavam. Foi uma reunião alegre, especialmente para as crianças. No mesmo dia ficámos a saber que a família portuguesa do catamaran El Caracol chegava no dia seguinte.

Como nota final, resta-nos dizer que Bonaire tem um clima quase desértico, com águas cristalinas que são o paraíso do mergulho. A população é holandesa e orgulhosa da sua nacionalidade. Vive do turismo, sendo que a maior indústria é a extracção de sal marinho. Há salinas enormes! As montanhas de sal podem ser vistas a várias milhas de distância.

Sem surpresa descobrimos que existe uma enorme comunidade chinesa, mas surpreendeu o facto de todos falarem Espanhol. A língua oficial é o Holandês e o Papiamentu (um creolo local com grande influência do Português), mas o Espanhol é falado e ensinado nas escolas devido à proximidade e dependência do continente sul-americano, nomeadamente da Venezuela.

Ainda esta semana, se as condições meteorológicas o permitirem, iremos rumar a Curaçao.

JOÃO SANTOS GOMES

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