A Propaganda Fide
Propaganda Fide é a designação pela qual é mais conhecida a Congregação para a Evangelização dos Povos (Congregatio pro Gentium Evangelisatione), um dicastério da Cúria Romana responsável pelas Missões e as actividades, instituições e processos que com elas se relacionam. O seu antigo título era o de Sagrada Congregação para a Propagação da Fé (Propaganda Fide), tendo recebido a actual designação na reorganização da Cúria Romana efectivada por São João Paulo II em 1982.
A jurisdição desta Congregação estende-se a todos os territórios nos quais não se definiram dioceses, existindo vicariatos apostólicos, prefeituras apostólicas, missões sui iuris, entre outras, além da Ásia (com excepção das Filipinas), África (excepção do Egipto e Tunísia) e a toda a Oceânia (com excepção da Austrália). Inclui ainda as Pequenas Antilhas e algumas regiões da Europa, como a Bósnia-Herzegovina, a Macedónia, o Kosovo, Montenegro e o Norte da Albânia.
A fundação
No princípio do séc. XVII, depois do concílio de Trento (1545-63) e da sua profunda reforma da Igreja (a partir de então designada de Católica Apostólica Romana), para além do alargamento do mundo conhecido e da criação de impérios ultramarinos iniciados pelos portugueses e depois pelos espanhóis, ingleses, holandeses e franceses, com o abrir dos horizontes de evangelização e expansão da fé cristã, Roma decidiu criar uma estrutura central de supervisão, orientação e acção missionária. Nascia assim a Sagrada Congregação para a Propagação da Fé, ou Propaganda Fide. Foi fundada em 1622 pelo Papa Gregório XV pela bula Inscrutabili Divinae, com a incumbência de difundir a fé católica e regular os assuntos eclesiásticos nos países de missão ou não católicos. A suma importância e universalidade das suas atribuições e tarefas, a imensa extensão territorial e de autoridade que estavam subordinadas à Propaganda Fide, acabaram por originar uma congregação romana poderosa, designando-se até o Cardeal Prefeito que a governava como o “Papa vermelho”, devido à cor própria dos cardeais, o vermelho.
A Cúria Romana tem em si o ideal de missão, enquanto “(…) conjunto dos dicastérios e organismos que ajudam o Romano Pontífice no exercício do seu supremo ofício pastoral para o bem e serviço da Igreja universal e das igrejas particulares, exercício com o qual se reforçam a unidade da fé e da comunhão do Povo de Deus e se promove a missão própria da Igreja no mundo”. Assim o Papa João Paulo II definiu no artº 1 da Constituição Apostólica Pastor Bonus. Esta definição radica ela própria na fundação em 1622 da Propaganda Fide, enquanto momento importante para a Igreja no que toca à cada vez maior consciência da sua vocação inalienável de anunciar a Cristo e de dever guiar, estimular e organizar as forças ao seu dispor no sentido de que aquele anúncio salvífico chegasse a todos os povos de todo o mundo.
Esta ideia de criação de um Dicastério na Santa Sé que, em nome do Papa se ocupasse da missão ou propagação da fé, surgira já com o terceiro franciscano espanhol Rámon Llull c. 1400., quando propôs ao Papa a instituição de um centro missionário em Roma. A missão ad gentes ganhava então um grande élan, com a Expansão Ibérica. O Vicariato Real Español e o Padroado Português deram um grande estímulo à mesma, com privilégios papais e apoios dos seus reis. O mundo ficou assim dividido entre as duas instituições, cada uma ao serviço da sua coroa e seus interesses geopolíticos e económicos. Mas a evangelização dos povos fez-se, cumpriu-se, nos dois impérios ibéricos. A Reforma Católica tridentina, sustentada no ideal missionário da recém-criada Companhia de Jesus (1540), as missões católicas na Europa protestante (Alemanha, Suíça…) impuseram a criação de um organismo missionário em Roma, que chegou a existir, de forma efémera, entre 1599 e 1604, obra de Clemente VIII, já muito por causa das questões com os padroados ibéricos.
Depois de 1622
Nasceu pois como órgão central e supremo com uma dupla missão: trabalhar para a união com as igrejas ortodoxas orientais e protestantes; promover e organizar a missão entre os não cristãos. Tinha a particularidade de ser um instrumento ordinário e exclusivo da Santa Sé para o exercício da sua jurisdicção sobre todas as missões.
No seu acto de instituição canónica, estava formada por treze cardeais, dos quais um era o Prefeito, dois prelados e um secretário, aos quais se juntou depois um religioso carmelita, mais tarde um protonotário e depois um Assessor do Santo Ofício, que era um membro oficial do Dicastério. Reuniam-se mensalmente, em “Congregação Geral”, ou “plenária”, muitas vezes presidida pelo Papa, tendo sofrido alterações orgânicas até aos anos 80 do séc. XX. Uma das facetas curiosas foi a criação das “Congregações particulares”, para estudo e acompanhamento de questões especiais ou mais sensíveis, compostas por uma comissão especial de cardeais e entidades competentes nas matérias em causa. Eram constituídas ad hoc, para o efeito apenas e eram dissolvidas depois de concluídos os trabalhos ou missão. De realçar que existiu uma congregação particular permanente até 1856, a qual se ocupava, curiosamente, dos assuntos do… Extremo Oriente!
A coordenação das forças missionárias, as directrizes para as missões, a promoção da formação do clero e das hierarquias eclesiásticas locais, apoio à fundação de novos institutos missionários e angariação de ajudas materiais para apoio às missões, todos estes escopos, se bem que importantes e relevantes, tiveram porém resistências no terreno, geraram conflitos ou envolveram-se em polémicas. Se não com as autoridades civis e nacionais, a maior parte das vezes colidiu com os missionários portugueses e espanhóis, em especial no Extremo Oriente, onde a Propaganda Fide conheceu dificuldades, principalmente no séc. XVIII, sob o labéu acusatório de estar ao serviço da monarquia francesa, mais do que da Santa Sé.
Todavia, em quase quatro séculos de história, a Propaganda Fide conheceu resultados e hoje em dia, na sua transformação, pode-se afirmar que desempenha um papel fulcral no cumprimento do seu ideal de missão. Na formação do clero local, das hierarquias, na inculturação e respeito pelas culturas dos povos, na criação do Pontifício Colégio Urbano, em Roma, fundado pelo Papa Urbano VIII, em 1627, para acolher seminaristas dos países de missão, alguns futuros prelados dos seus países ou formadores nos respectivos seminários, para não deixar de referir a actividade cultural e científica dos seus missionários e formadores, como é exemplo a Universidade Urbaniana. Desde 1626 existe também a Tipografia Polyglotta, para edição de livros nas línguas nacionais, entre outras realizações de relevo desta Congregação da Propaganda Fide, ao serviço das Missões Católicas.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa