«A Igreja Católica serviu de exemplo às outras religiões» José Tavares, presidente do Instituto para os Assuntos Municipais
A decisão tomada pela diocese de Macau de fechar as igrejas e suspender os serviços litúrgicos e as celebrações religiosas ajudou a conter a disseminação do novo coronavírus no território. Para José Tavares, a medida deve ser vista como um exemplo para as outras religiões. O presidente do Instituto para os Assuntos Municipais falou a’O CLARIM na qualidade de católico praticante, tendo congratulado a abertura parcial das igrejas paroquiais, ao fim de quase um mês de encerramento.
No passado fim-de-semana, a Cúria Diocesana anunciou a decisão de reabrir parcialmente as igrejas paroquiais a partir de amanhã (ver página 6 desta edição), ainda que as eucaristias dominicais permaneçam suspensas por tempo indefinido. De acordo com as indicações emanadas da Diocese, as referidas igrejas estarão abertas nos dias úteis “para liturgias com um pequeno número de participantes, para orações particulares e actividades religiosas de pequena escala”. Os fiéis e demais visitantes que entrem nas igrejas devem usar máscaras permanentemente, submeter-se a procedimentos de verificação da temperatura corporal, desinfectar as mãos e colocar-se a uma distância considerável de outras pessoas, esclarece a Diocese.
A cautela continua a nortear a postura da Igreja Católica em Macau, numa abordagem que merece o aplauso do presidente do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). «Não foi uma decisão fácil, a de fechar as igrejas. Foi uma decisão bem ponderada, tomada numa altura em que havia o risco de haver propagação a toda a comunidade, depois de terem sido diagnosticados três casos locais», recordou o dirigente. «A decisão foi importante também por outras razões: a Igreja Católica serviu de exemplo às outras religiões, que acabaram por cancelar algumas festividades e aconselharam as pessoas a não se deslocarem aos templos e aos pagodes. Servimos de exemplo e esse exemplo foi muito positivo», acentuou José Tavares.
O presidente do IAM saudou também as medidas anunciadas pela diocese de Macau por considerar que as igrejas são, por excelência, os espaços onde os católicos podem viver plenamente a sua fé: «Ainda que perfeitamente justificado, o encerramento das igrejas durante um mês influiu na forma como os católicos vivem a sua fé. Eu, por exemplo, costumo participar activamente na Eucaristia, onde faço algumas das leituras. Já através da televisão limito-me a estar sentado à frente de um ecrã, ainda que a intenção de participar seja a mesma. A decisão da Diocese foi sensata e as transmissões pela TDM estão bem conseguidas».
A opinião é partilhada por Elias Colaço, membro da pequena comunidade de Goa, Damão e Diu radicada no território, para quem a reabertura parcial das igrejas tem o condão de reconciliar os fiéis com uma vivência mais íntima da fé. «Para a comunidade católica é efectivamente uma boa notícia. Para todos os efeitos, a igreja é um templo e não faz sentido o templo não estar aberto à sua comunidade», defendeu. «A comunidade não é apenas a comunidade católica. Qualquer pessoa que necessita ou deseja de um momento de recolhimento pode e deve entrar numa igreja como templo, como espaço de recolhimento. O não se poder fazer devido ao encerramento tem uma razão forte, efectivamente. Há que reconhecer que a atitude da Diocese é uma atitude correcta», complementou.
No início de Fevereiro, a pequena comunidade de Goa, Damão e Diu antecipou-se às medidas de contingências anunciadas pela Diocese, ao cancelar a celebração da Festa de Nossa Senhora das Candeias antes ainda da Cúria Diocesana ter oficializado a decisão de encerrar os templos católicos. A deliberação, explicou Elias Colaço, foi tomada pela comunidade após ampla ponderação e acabou por se revelar a mais acertada, dado o pragmatismo com que a Igreja Católica encarou a ameaça do novo coronavírus. «A tristeza de não realizar a celebração não se pode sobrepor à responsabilidade que a comunidade tem e que é a de não promover situações desagradáveis», referiu. «Estávamos perante uma situação com alguma delicadeza e estávamos cientes do que se passava aqui ao lado na China, na República Popular da China, e tudo dava a entender que não se devia seguir em frente com a festividade, sob o risco de também deixarmos uma marca de irresponsabilidade, que não é de todo a nossa postura enquanto membros da sociedade de Macau», esclareceu Elias Colaço.
CONFISSÃO E QUARESMA
Mais de um mês depois, Macau responde com um contido optimismo à ameaça do Covid-19 e a Cúria Diocesana assume idêntica postura. Para além de autorizar a abertura parcial das igrejas paroquiais, o bispo D. Stephen Lee deu indicações para que as párocos voltem a diligenciar o Sacramento da Reconciliação, uma medida que é vista por José Basto da Silva como particularmente importante. «Acho que é especialmente importante para quem se quer preparar melhor para a Quaresma. Cristo foi morto, e teve morte na Cruz, para nos salvar dos nossos pecados. Este é o momento apropriado para nos confessarmos de coração aberto, com sincero arrependimento e sentido de correcção», notou o Presidente da Associação de Antigos Alunos da Escola Comercial Pedro Nolasco.
Quem assiste à Eucaristia na Sé Catedral e noutras igrejas não fica indiferente à voz de José Basto da Silva. Leitor e salmista, viu o envolvimento na vida quotidiana da Igreja ser amplamente reduzido, mas as medidas de contingência decretadas pela Diocese em nada alteraram – garante – a forma como assume a sua fé. «Acompanhei essencialmente as missas domínicas através da Internet. Senti que a comunidade se ligou mais graças às redes sociais. Devo dizer, no entanto, que não vivenciei a fé de melhor ou de pior forma. Apenas mudei alguns hábitos», disse. «A reabertura das igrejas sem dúvida que constitui uma boa notícia. Para os católicos, a missa é uma festa em que nos reencontramos com Deus. É um momento em que purgamos e aliviamos a nossa alma. Todos somos pecadores e a Santa Eucaristia é um meio importante para a nossa caminhada no sentido da santificação», assume José Basto da Silva.
Na nota emitida pela Cúria Diocesana, a Diocese clarifica que a catequese dos mais novos se mantém suspensa, bem como a recepção a peregrinos oriundos do estrangeiro e a celebração de missas nos lares de idosos e nas capelas das comunidades religiosas. No entender de Armindo Vaz, a actuação da Igreja Católica denotou e continua a denotar sensatez e um grande sentido de responsabilidade. «A actuação da Diocese, ao encerrar as igrejas e ao suspender todas as actividades que envolvessem a concentração e o contacto entre pessoas foi uma atitude muito corajosa, muito responsável e sensata. Trata-se de proteger a vida das pessoas, que é o dom maior e o mais importante», defendeu. «Tenho pena que não tenha tido lugar a procissão do Senhor dos Passos, que é uma tradição com trezentos anos de história em Macau. Mas compreendo e respeito a decisão», concluiu o gestor do BNU.
Marco Carvalho