Renascer das ruínas
É com agrado que vemos que em Portugal algumas coisas até vão funcionando bem. O exemplo que hoje vos trazemos é disso mesmo… um bom exemplo!
Existe uma capela em Salir do Porto, ao lado da bem conhecida baía de São Martinho do Porto, que estava em ruínas desde o início do século passado, apesar de durante muitos anos ter sido local de chegada de uma procissão que saía da vila de Salir do Porto. Felizmente, em menos de meia-dúzia de anos (o projecto foi anunciado em finais de 2018, aprovado em 2019 e está agora quase concluído), foi reconstruída e restituída à população. Ou melhor, assim o será em breve porque os trabalhos ainda não terminaram, mas não tardam.
A Capela da Senhora de Sant’Ana é uma das construções mais antigas do Concelho, acreditando-se que possa ter sido edificada ainda durante o Século XII, tendo servido de local de oração dos pescadores e, dada a sua localização privilegiada, onde os familiares se despediam e esperavam os homens que iam para o mar. A capela fica na embocadura da baía de São Martinho do Porto, num dos penhascos que a protegem.
Segundo alguns registos, até ao início do Século XX ainda se realizaram procissões, num percurso que ia desde Salir do Porto até à capela, embora para o fim já estivesse muito degradada. Claro está que foi perdendo a importância de outros tempos, encontrando-se até há bem pouco tempo em ruínas e sem qualquer utilidade.
São muito poucas as informações disponíveis acerca da capela, o que constituiu um dos principais obstáculos para a equipa responsável pelo projecto. Para o contornar, os engenheiros e outros técnicos inspiraram-se em documentos antigos e pinturas datadas dos Séculos XVII e XIX.
A vista a partir da capela é simplesmente espectacular; dali vê-se o mar, a baía e a vila de São Martinho do Porto. Situa-se na ponta leste que limita a referida baía, sendo o seu acesso feito por um caminho de terra batida – percurso que começa no extremo norte de Salir do Porto. Pode servir como exercício de caminhada, num total de quase mil metros – parte deles bastante desafiantes, especialmente se for num dia de calor. No entanto, o esforço vale a pena pela vista e fauna autóctone, o mesmo já não se podendo dizer do vento que não pára de soprar, devido à elevação do local. Para os mais aventureiros, a noite é ainda mais recompensadora, uma vez que a beleza das luzes das vilas fazem parecer que estamos a olhar para um presépio à beira-mar.
A Capela de Sant’Ana, localizada no monte com o mesmo nome, está já fora dos antigos coutos de Alcobaça mas tal não impediu que se candidatasse aos apoios do “Programa Operacional MAR 2020”, essenciais para a conclusão da tão almejada reconstrução, promovida pela Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Conceição.
Um texto da autoria da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Concelho a que pertence a localidade onde se encontra a Capela de Sant’Ana, refere: “situada no promontório da barra de São Martinho do Porto, lugar ermo e de difícil acesso, mas com uma localização e vista singular sobre o mar e a baía, a capela terá sido construída durante o Século XII e é apontada como o edifício religioso mais antigo do Concelho de Caldas da Rainha”, sendo que para a população local – e também não local, mas com laços a Salir do Porto – tem grande valor sentimental e patrimonial.
Desde que foi pensado, o projecto previu recuperar a capela e revitalizar a área envolvente, por forma a possibilitar a reutilização do pequeno templo para eventos religiosos, nomeadamente peregrinações, retomando-se assim as antigas tradições.
A obra foi orçamentada em quase cem mil euros, um valor até relativamente baixo, mas os montantes atribuídos pelo “Programa Operacional MAR 2020” não foram suficientes, o que levou os populares a organizarem peditórios e o Patriarcado de Lisboa a disponibilizar algumas verbas. Uma grande fatia da ajuda chegou dos muitos emigrantes nascidos e criados nesta zona, cuja maioria reside, principalmente, nos Estados Unidos. Filhos da terra que não quiseram deixar de ajudar na recuperação da capela, que tanto valor sentimental tem para os seus conterrâneos.
Há muitas lendas e histórias em torno da Capela de Sant’Ana. Por exemplo, há quem afirme que foram os Cruzados, intensos devotos de Santa Ana, a erigir a capela e a “baptizar” o monte com o nome da santa. A verdade é que serviu de palco a muitas celebrações religiosas, encontrando-se muitas delas registadas nos arquivos históricos, os mesmos que serviram de base ao projecto de reconstrução.
Como já dissemos, a população de Salir do Porto sempre foi dedicada à pesca e à navegação, pelo que familiares dos pescadores iam até à capela para se despedirem e verem chegar os seus entes queridos, ao mesmo tempo que rogavam preces a Nossa Senhora.
Era tradição organizar-se uma procissão ou romaria entre o centro de Salir do Porto até à Capela da Senhora de Sant’Ana, algo que hoje já não se cumpre mas que após a conclusão das obras muito esperam que venha a ser recuperado novamente.
João Santos Gomes