Caminhos do Brasil

A Ponte das Caveiras e o Arraial do Aleijadinho

O conjunto de Pontes da Rancharia sofre consideráveis trabalhos de restauro. Toda a estrutura foi escorada com ferro pois o trânsito continua a passar por cima. Erguer o piso asfaltado e colocar entre este e o solo original umas barras de aço prontas a aguentar a passagem dos veículos, acabaria por ser a solução encontrada. Mais adiante, na Ponte do Falcão a opção passou pela construção de uma ponte provisória. Uma terceira alternativa – que me parece a melhor – é a de desviar o caminho, preservando assim as pontes, transformando-as em sítios turísticos. De colinas verdejantes e pedregosas é feita a paisagem que nos rodeia. A terra nua, essa, continua a ser vermelha. Num contínuo serpentear, a estrada permite que lhe sigamos o rasto ao longo de muitos quilómetros.

A Ponte das Caveiras
A Ponte das Caveiras

Mais uma ponte fechada ao trânsito: a Ponte das Caveiras. Esta é já uma verdadeira atracção turística. Tem até uma placa informativa onde podemos ler: “O direito de construção desta ponte foi comprado em 28 de Novembro de 1838 pelo engenheiro Diogo Clark. Após dois anos a obra sofre desmoronamento nos seus paredões, causado pela má qualidade das pedras utilizadas. Sua reconstrução acontece em 1850, no auge da abertura da Estrada Real. Muitas são as histórias e lendas sobre a Ponte da Caveira. Dizem que há um tesouro escondido em meio às suas pedras, que mulas sem cabeça e mulheres vestidas de branco passeiam por ela à noite. Em arco de cantaria, a ponte da Caveira proporciona uma visão panorâmica da paisagem, com destaque para a Serra de Itatiaia.”

Felizmente não deu para ficar até à noite para confirmar se sempre é verdade, essa história das mulas sem cabeça e das mulheres de branco…

Um pouco adiante, nova placa de trânsito indica, à esquerda, a povoação de Santa Rita de Ouro Preto, onde há uma igreja para ver. Sempre em frente é o caminho para Ouro Branco e São João Del Rei.

Alguns cavalos, aparentemente sem dono, observam com curiosidade a nossa passagem.

A travessia desta cidade fica marcada por mais um pedido de Ricardo a alguém (começa a ser hábito seu) para que pose para uma fotografia. Desta feita os eleitos são uns homens montados a cavalo. Lá faço o gosto ao dedo apesar de a vontade ser pouca. Nem sempre me apetece fotografar, por mais interessante que seja o cenário à nossa frente.

Um rio ondulante e um viaduto cor da terra indicam a proximidade do próximo destino. Ao meu lado esquerdo vislumbro um troço de via-férrea, não chegando a perceber se está ou não em funcionamento. Existe no local, porém, uma pequena estação ferroviária, assim com um núcleo habitacional do qual se destaca o campanário de uma igreja.

Num gigantesco painel publicitário que surge uma centena de metros adiante vejo retratada uma das afamadas estátuas do Aleijadinho. A mensagem tão pouco passa despercebida: “Aqui Congonhas e Ouro Branco se abraçam. Congonhas. Imagem de Minas. Património Cultural Mundial”.

Cerca de um quilómetro depois, à entrada de Congonhas, a churrascaria Zé Dias assegura-nos “o prazer de comer bem”. A nós e a muitas outras dezenas de pessoas que lotam as salas disponíveis, animados por um cantor acompanhado ao violão. Aproveito para carregar a bateria do vídeo e da máquina fotográfica enquanto nos servimos do abundante e variado bufete. O preço está um pouco acima do que habitualmente se pratica, mas que bem que se come no Zé Dias!

 

A OBRA DO ALEIJADINHO

O morro do Arraial de Congonhas, o sector que me interessa visitar na incaracterística cidade de Congonhas do Campo, é pequeno mas tem uma energia muito forte. Confesso que me surpreende o que vejo cá em cima. Aparentemente, nada de especial: tão só um hotel e duas dezenas de casas (as poucas que têm as portas abertas vendem artesanato), intervaladas com um jardim e algumas palmeiras, como se de um qualquer outro arraial de garimpeiros se tratasse. O declive acentuado no terreno dominado pelo santuário que lhe dá reputação internacional e pelo qual se alinham doze capelinhas da vias-sacras de forma quadrangular e tectos ovais, confere ao local um encanto e magia muito próprias. Contribuem para essa atmosfera, e muito, as enigmáticas estátuas de pedra sabão distribuídas pelo adro da igreja. Parecem estar vivas, fazendo companhia ou dando conselhos às pessoas que por ali circulam.

Para ganhar tempo, junto-me a uns turistas que atentamente escutam um guia de camisola amarela contratado pela Auxílio Pedagógico & Excursões. Graças a ele fico a saber que a fundação do santuário se deve a um tal Feliciano Mendes que encomendou a obra depois de ter considerado que só um milagre do divino o poderia ter curado de uma doença de que padecia. Porém, não bastava querer para poder edificar templos no Brasil dessa época; era necessária autorização eclesiástica, que lhe seria concedida, em 1757. Seriam necessários mais catorze anos para dar por finda a conclusão dos trabalhos.

Tudo aqui transparece a vida e a obra de António Francisco Lisboa, conhecido como o Aleijadinho, nascido em 1738, em Vila Rica de Ouro Preto, filho do mestre escultor e construtor Manuel Francisco Lisboa. A deficiência física que o marcou à nascença foi insuficiente para impedir que depositasse todo o seu talento na arte de esculpir, à qual imprimiria o maior rigor, cumprindo as empreitadas em tempo recorde.

Em 1780 deu-se início às obras de arranjo da colina onde está implantado o santuário tendo em visto a construção de capelas para albergar uma das mais importantes encomendas feitas a Aleijadinho: uma série de conjuntos escultóricos representativos das cenas do calvário de Jesus Cristo – os Passos da Paixão de Cristo, como se diz no Brasil. Mas as capelas só seriam construídas alguns anos depois deste “animador de estátuas” – assim o podemos chamar – ter notado o pedido. Primeiro aprontaram-se as estátuas, as capelas viriam depois, entre 1802 e 1813.

Depois de esculpidas as obras de arte, Francisco Xavier Carneiro, um colaborador de Aleijadinho, pintou-as com cores vivas, podendo nós hoje apreciá-las olhando por entre as frinchas de madeira rendilhada de cor azul nos permite ver.

Em 1800, o artista seria de novo solicitado pelos responsáveis pelo santuário, desta feita para esculpir, em pedra sabão, bem mais maleável do que qualquer outra pedra, e muito abundante na região, as estátuas dos 12 profetas cujos nomes nem sempre nos são familiares. Daniel, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Jonas ou até Joel são nomes que bem conhecemos. Mas quem ouviu falar de Oséias, Baruc, Amós, Abdias, Naum ou Habacuc?

Em apenas cinco anos todas estas estátuas, com olhos amendoados a fazer lembrar personagens asiáticas, segurando pergaminhos com textos alusivos em Latim, certamente inspiradas em gravuras italianas da época, estavam prontas e seriam colocadas numa plataforma em frente ao adro do santuário para poderem ser apreciadas devidamente pelas gerações vindouras.

O local é permanentemente vigiado por um guarda que não deixa que as pessoas se encavalitem nas estátuas, para se fazerem fotografar, ou, pior do que isso, lhes façam baixos-relevos de péssimo gosto. A tentação é grande e as obras de arte mostram já sinais da incúria do passado: há partes quebradas e alguns nomes, datas e promessas de amor gravadas nas respectivas bases.

Também em Congonhas, devido ao afamado Jubileu, e porque não fora feito um pedido de autorização prévio, sou impedido de fotografar o interior da igreja, embora me autorizem a visitá-lo. Mas não por muito tempo, pois os horários de encerramento são para cumprir. Verdade seja dita: com normas assim tão restritivas, a vontade de documentar é pouca.

 JOAQUIM MAGALHÃES DE CASTRO

 

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