Tumulto Latino-Americano.
Brasil, Argentina, Venezuela, Nicarágua: quatro países latino-americanos que fazem títulos na Comunicação Social há meses, ou mesmo anos, porque vivem crises económicas e políticas graves. Contudo, há outros, menos falados, como El Salvador, Guatemala e Honduras, que parecem estar ainda pior, e só oferecem um futuro aos seus cidadãos: a emigração.
«Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos». A frase do Presidente mexicano Porfírio Dias (1884-1911) aplicava-se ao seu país, mas na realidade descreve um fenómeno latino-americano. A vizinhança com o Estado mais poderoso do mundo tem sido fonte inesgotável de humilhações e rancores, de ingerências e castrações, mas também desculpa perene para todas as corrupções, incompetências e todos os assassínios de incontáveis governantes a sul do rio Grande.
Podemos dizer, sem receio de exagerar, que detestar os Estados Unidos – ou melhor, os seus Governos – é uma das poucas coisas comuns a toda a América Latina. E os norte-americanos fizeram por o merecer, ao proclamarem abertamente a região como “o seu quintal das traseiras”, que está lá para ser usado e abusado a seu bel-prazer.
A geografia física diz que existem três Américas: a do Norte, a Central e a do Sul; já a geografia humana diz que existem só duas: a “branca”, onde se fala Inglês e a população predominante veio originalmente do Norte e Centro da Europa (embora não por muito mais tempo), e a “castanha”, onde se fala Português e Espanhol, línguas de origem latina, e onde se verificou uma miscigenação acentuada entre portugueses, espanhóis, negros e índios.
São simplificações excessivas, podemos dizer – e com alguma razão. Por exemplo, salvo raras excepções, a tal mistura de povos não chega aos corredores do poder nos países latino-americanos.
Não há negros, nem mestiços, e muito menos indígenas (Bolívia à parte) a ocupar os cargos políticos e económicos mais importantes no Brasil, na Argentina, no México ou em qualquer outro grande país da região – e nem sequer nos mais pequenos.
A verdade é que a cor da pele continua a determinar, em grande medida, quem é pobre e quem não é naquela parte do mundo. E mais: determina quem tem representação e protecção política. Esse desequilíbrio enorme gera convulsões com frequência. Sempre que há uma crise económica mais aguda, que empurra as massas para lá dos limites que elas próprias consideram aceitáveis, surgem os sismos políticos: rebeliões, golpes de Estado, por vezes guerras civis.
Assim, a maior parte dos países da América Latina tem oscilado de forma bipolar e disfuncional entre dois extremos: da submissão abjecta aos ditames de Washington à rebelião aberta contra eles; da ditadura militar de Direita à ditadura comunista (no caso de Cuba); do populismo de Direita (com os Péron, na Argentina) ao populismo de Esquerda (com Chávez, na Venezuela).
Esses são os sintomas, mas o mal, esse, é outro: a desigualdade abissal entre os que têm tudo e os que nada têm, que se tem perpetuado desde os tempos do domínio colonial. O pêndulo político e empurrado muitas vezes, no sentido oposto, pela violência, porque a experiência democrática nesses países é quase sempre curta e débil, e porque não há capacidade ou vontade de estabelecer pontes entre facções políticas que estão entrincheiradas em posições extremas.
Onde não há consensos nas grandes questões, a violência acaba por ser o único escape para os desejos de mudança; onde a insatisfação grassa, o populismo triunfa.
Os Estados Unidos e a Europa têm muito a aprender com a longa experiência latino-americana com os populismos. A Argentina, que entrou há poucos meses numa nova crise económica e financeira, está a pagar em grande medida a factura do populismo neoperonista. O criador original da doutrina, o general Juan Péron, morreu há mais de quarenta anos, mas os argentinos ainda recorrem a ela periodicamente sempre que as exigências do Fundo Monetário Internacional se tornam intoleráveis para as suas carteiras e o seu amor-próprio.
Assim, o País passa há mais de trinta anos por fases sucessivas de alívio orçamental e austeridade mais ou menos brutal. O mesmo se pode dizer, aliás, do Brasil, só que ali tudo acontece em escala muito maior. Durante quinze anos, nos mandatos dos Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, o País parecia ter encontrado um meio-termo feliz entre crescimento económico, disciplina orçamental e redução acelerada das desigualdades sociais. Tudo se desmoronou nos últimos cinco anos, com a incapacidade do Governo de Dilma Rousseff de enfrentar uma conjuntura internacional menos favorável. Perante as possibilidades de cortar na despesa pública e desagradar à sua base eleitoral, por um lado, e continuar tudo como antes, como se o mundo à volta não tivesse mudado, por outro, Rousseff optou pela solução populista.
O resultado é o que se vê. O Brasil está mergulhado na maior crise económica, política, social e até cultural dos últimos 25 anos. As divisões internas estão mais extremadas do que alguma vez se viu desde o tempo da ditadura militar e não há sinal de que possam diluir-se nos próximos anos.
Solução? Eleger um populista de Direita para a Presidência, disse o povo.
Na Venezuela, passou-se o mesmo, só que foi a Esquerda que se chegou primeiro à frente. Como a experiência já dura há muito mais tempo, a situação também é muito mais grave. O populismo de Hugo Chávez só teve êxito enquanto ele estava vivo e o preço do petróleo estava alto. Assim que o preço do barril caiu para quarenta ou cinquenta dólares, o mesmo aconteceu às políticas sociais que tinham granjeado milhões de apoiantes ao regime. Hoje, os venezuelanos passam fome e não têm acesso aos medicamentos mais básicos. Milhões já fugiram do País, incluindo milhares de luso-descendentes, e ninguém sabe quando o êxodo terminará.
Outro dos factores comuns a esses países e a toda a América Latina é a alta prevalência da corrupção. Essa é uma das maiores ameaças à sobrevivência da democracia, alie em todo o mundo, porque mina a confiança nas instituições e nas pessoas, o que é absolutamente essencial ao funcionamento de um regime democrático. E quem pense que isso é apenas válido para o dito Terceiro Mundo está muito enganado.
Se associarmos à corrupção o crime de rua e a violência a ele ligado, rapidamente entramos no reino dos Estados falhados. Isso acontece quando as instituições públicas já não conseguem assegurar o funcionamento regular da sociedade. Essa situação parece ser já uma realidade em alguns países centro-americanos, como El Salvador e Honduras, onde cada vez mais pessoas fogem em direcção aos Estados Unidos. Para muitos, a perspectiva de melhor trabalho e mais dinheiro já não é a motivação principal para uma viagem tão arriscada na era Trump. Eles fogem pura e simplesmente da morte, porque, para os gangues criminosos que controlam as cidades, não há neutros na sua guerra.
Rolando Santos
Família Cristã