Apóstolo

S. Tiago Maior, o santo peregrino

Vestido como um viajante, com chapéu de abas largas, vieiras, cajado, quando não vestido de cavaleiro, com estandarte, armas, Tiago, ou Iago, é um dos santos mais venerados universalmente, com uma dimensão histórica e simbólica incomensuráveis. S. Tiago – ou Santiago – Zebedeu, Apóstolo, o Maior, Peregrino, o Grande, o Matamouros, várias são as denominações atribuídas a este santo. Iago, Jakob, Iakub, Giacopo, Giacomo, Jaime, James, Jaume, Jacques, Jácome, etc., muitas são as formas de acordo com as línguas pelas quais se conhece este santo. Tudo atestando, na verdade, a sua veneração e importância multissecular no imaginário cristão, nas devoções e afectos que a ele são votados. Como modelo de peregrino, símbolo das peregrinações aos lugares santos (Compostela, em Espanha), do sacrifício, da mobilidade, guerreiro destemido que surge no seu cavalo branco brandindo lança e espada, salvando exércitos cristãos, vencendo pagãos, defendendo fortalezas, longa lista aqui poderíamos aqui elencar de patrocínios, invocações e milagres, protecções, atribuídos a este santo tão popular e acarinhado pelo povo, que o celebra festivamente todos os anos, a 25 de Julho, dia da sua festa.

Não se sabe quando nasceu, mas sabe-se que foi martirizado em Jerusalém, corria o ano de 44. Tiago foi um dos doze Apóstolos de Jesus de Nazaré, num grupo onde existia outro Tiago, dito “Menor”, para se distinguirem. Era irmão de João, o mais novo dos apóstolos e futuro evangelista, talvez mais velho que este. Filho de Zebedeu e de Salomé, Tiago era pescador como o seu pai e irmão, como Simão (Pedro) e André, todos no mar da Galileia, sua terra de origem. Natural de Betsaida, Tiago foi com estes o núcleo original dos seguidores de Jesus, acompanhando-O nos momentos capitais da Sua vida. As referências bíblicas netotestamentárias a Tiago são ocasionais, podendo ajudar-nos a traçar um perfil do santo. Por exemplo, em Actos 4,13, que reporta a João, podemos aferir que Tiago, como seu irmão, não terá também recebido a tradicional formação dos Judeus (na juventude) nas escolas rabínicas, além de não ter tido destaque ou posição na sua comunidade. Mas terá recebido a educação normal, regular, atendendo até que sua mãe, Salomé, era filha de um sacerdote. Teria, por exemplo, contacto com a língua grega, que dominaria no essencial, provavelmente.

Tiago, com Pedro e João, foi sempre um dos mais próximos de Jesus, de acordo com os Evangelhos. Acompanha o Mestre na Transfiguração no Monte Tabor, por exemplo, na ressurreição da filha de Jairo e depois no Monte das Oliveiras, antes da prisão de Jesus. Na Sua terceira aparição depois da Ressurreição, Tiago é uma das testemunhas, junto ao lago de Tiberíades. Depois, Tiago “desaparece”, até à sua morte, a única, aliás, dos Apóstolos com referencia na Bíblia. Assim, às ordens de Herodes Agripa I, rei da Judeia (dominado pelos Romanos), Tiago foi passado pela espada em Jerusalém (ou Jafa), em 44 (Actos 12,1-2).

A vida de Tiago, depois da referida aparição do Mestre, entra na lenda, até morrer. Mas vejamos. Muito se tem dito sobre a presença de Tiago na Hispânia (ou Espanhas), a partir de 34, dizendo-se até que terá presenciado uma aparição da Virgem, que ainda era viva, num pilar, em Saragoça (daí o culto da Virgen del Pilar). Tiago terá vindo para a Hispânia depois do Pentecostes, mas conheceu nestas paragens ibéricas pouco sucesso nas conversões, tendo por isso regressado à Judeia, onde viria a ser martirizado em 44. Aqui começa então a aura de santidade que tornou este mártir tão venerado na Igreja. De acordo com a lenda, o seu corpo foi então transportado para a Galiza, no Noroeste da Península Ibérica, sendo sepultado num lugar chamado de Compostela (campus stellae, “campo de estrelas”). O seu féretro (corpo e cabeça separados) martirizado provinha do porto de Jafa, em Israel, numa “arca de pedra”, tornado numa embarcação e arrastada pelo vento que os anjos sopravam, trazido pelos seus discípulos Teodoro e Atanásio. Veio esta prodigiosa viagem aportar a Padrón, perto de Iria Flavia, na região de Finisterra, o “fim da terra” (Galiza). Foi o corpo tumulado no tal lugar de Compostela, vindo-se a descobrir o seu túmulo quando se abriram os alicerces da futura catedral de Compostela, que recebeu então o orago do santo mártir.

A misturar-se com esta lenda, uma versão da tradição refere que em 814 um eremita, de seu nome Pelaio, de acordo com uma revelação recebida em sonho, descobriu um túmulo contendo relíquias, as quais foram associadas a S. Tiago em função da sua pretensa vinda a Espanha. Mais tarde, na Batalha de Clavijo, em 844, entre o rei cristão Ramiro I e os mouros, o Apóstolo terá surgido a cavalo em ataque ao inimigo, incitando à vitória, criando a tradição e iconografia equestre e militar do Santiago Matamouros, ou a expressão “Santiago”, que significava “ao ataque”, muito gritada em 24 de Junho de 1622 aquando da vitória das gentes de Macau sobre os invasores holandeses. Esta lenda terá sido forjada, segundo muitos, pelo Arcebispo de Toledo, D. Rodrigo Jiménez de Rada, em plena Reconquista Cristã.

Certo é que os reis e grandes de Espanha desde o século IX que começaram a rumar em peregrinação ao túmulo do santo, onde se começaria a erigir uma primeira basílica em finais daquela centúria, substituída mais tarde pela actual, que se edifica depois do ano mil. De todas as Espanhas, da Europa ocidental, eram cada vez mais os peregrinos que demandavam Santiago, traçando várias vias e caminhos para a Finisterra galega, provenientes, por terra e por mar, de toda a Cristandade. Protecção, hospedagem, apoio, indulgências e bênçãos, tudo impelia este movimento milenar de peregrinação, um dos mais importantes ainda hoje. Com a conquista de Jerusalém (Palmeiros) e os custos de ida a Roma (Romeiros), Compostela e o culto do Santo Peregrino criaram um foco de demanda espiritual alternativo e seguro, de reconquista e de sacrifício nas gentes da Europa, sendo uma das artérias de espiritualidade mais antigas do Cristianismo, desde a Idade Média e com especial fervor depois do Concílio de Trento (1545-63), quando a piedade barroca acrisolava a salvação pelo esforço, na peregrinação do crente no mundo, materializada nesta Rota Jacobeia de peregrinação até ao túmulo do Grande Santiago.

Vítor Teixeira

Universidade de São José

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