Arquitectura de conversão
Antoni Gaudí, a referência mais notável da arquitectura modernista catalã, está a ponto de ser declarado venerável, passo prévio para a sua beatificação e canonização.
Viveu entre o final do Século XIX e o princípio do Século XX, num período em que as novas tecnologias do betão, do aço e do vidro permitiram formas nunca dantes experimentadas, que Gaudí aproveitou para revolucionar os cânones estilísticos em voga. A influência da natureza e da “arte nova” inspirou-o a transformar a habitual disposição das casas, com salas rectangulares e corredores lineares, em plantas de salas arredondadas, corredores em curva, escadas de desenho surpreendente e patamares irregulares. A sua criatividade expressou-se em colunas inclinadas e abóbodas torcidas, adaptadas às cargas assimétricas das suas construções. E, a tudo isto, acrescentou jogos cromáticos originais e revestimentos cerâmicos de formas caprichosas, com elementos decorativos expressamente desenhados.
Um programa tão irreverente costuma ser garantia de desastre e o atrevimento artístico de Gaudí talvez tenha ido longe demais nalgum dos primeiros projectos. No entanto, o que ficou é uma obra de génio, admirada internacionalmente pelos críticos de arte. Quem vai a Barcelona não pode perder a visita a alguns destes monumentos da história da arquitectura.
Pouco depois de acabar o curso, o jovem Gaudí já era um arquitecto disputado na cidade. Com 31 anos, assumiu o encargo que lhe ocuparia substancialmente os restantes 43 anos de vida, a basílica da Sagrada Família. Uma associação de devotos de São José tinha comprado um terreno, outro arquitecto chegou a fazer alguns desenhos, mas os promotores acabaram por chamar Gaudí, que reformulou completamente o projecto.
Uma das características da iniciativa, que sempre se manteve, foi o propósito de se financiar apenas com os donativos de particulares. Isso explica que, passados 140 anos, a basílica ainda esteja em construção.
Gaudí trabalhou intensamente durante os primeiros 43 anos da obra, mas a basílica é tão grande e a sua forma é tão complexa que muitos pormenores ficaram por definir. Foram os seus discípulos directos que se encarregaram de manter o estilo do mestre. Até que, durante a Guerra Civil Espanhola (1936), os comunistas vandalizarem tudo o que puderam, queimaram planos e fotografias, destruíram as maquetas. Chegada a paz, recomeçou-se. Lentamente, ao ritmo dos donativos. Neste momento, só faltam os remates finais e a basílica já está em funcionamento.
A dedicação à Sagrada Família pretende recordar que o trabalho dignifica a pessoa e que a família é o fundamento da sociedade, um espaço onde todos são acolhidos. Nestes longos anos de esforço, aquele estaleiro inspirou conversões como a do escultor japonês encarregado de uma das fachadas. Sobretudo, marcou profundamente a vida espiritual de Antoni Gaudí, génio universal do modernismo catalão e da história da arquitectura. As notícias que chegam de Roma indicam que está para breve a declaração como venerável.
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa