A tragédia grega – acto 2

De repente, quando os espectadores aguardavam um final feliz do primeiro acto desta peça, o pano caiu e poucos perceberam que o espectáculo tinha terminado. Foi isto que aconteceu, no fim da passada semana, quando os actores gregos bateram com a porta às instituições credoras da Grécia e abandonaram o palco das negociações.

Pelas duras posições que vinha assumindo a senhora Lagarde, representante do FMI, já se tinha percebido que a “corda estava a esticar demais” e o Governo grego a pisar as suas chamadas “linhas vermelhas”, ou seja, a ceder sobre matérias que tinha eleitoralmente rejeitado. Num processo eminentemente político, levado a cabo pelas instituições credoras da Grécia, que visava descredibilizar o Syriza e todos os grupos e partidos políticos europeus que se assumem como alternativa às políticas dos partidos tradicionais que governam a União Europeia, o Governo grego sentiu a indisposição das suas bases, face às exigências dos credores e às cedências previsíveis para um acordo, e decidiu pôr fim a um diálogo de surdos, preservando a confiança dos seus eleitores.

Se numa boa parte das democracias da UE, entre as quais a portuguesa, prometer e não cumprir não é uma excepção, mas sim uma regra levada a efeito por muitos dos Governos europeus eleitos, para o Syriza as coisas não tinham que ser assim, por muito “traído” que se sinta Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia que, com o ser “ar paternalista”, pensava poder convencer gregos e troianos a um acordo final.

O povo grego viu o País a afundar-se pela mão dos anteriores Governos, dos conservadores da Nova Democracia e dos socialistas do Pasok e, numa derradeira esperança para alterar essa herança, votou expressivamente no Syriza, uma coligação de vários grupos políticos, associados em torno da soberania da Grécia e da rejeição da austeridade como solução para os problemas económicos e sociais do País. Nessas circunstâncias, o Syriza nada mais poderia fazer senão devolver a palavra ao seu povo, promovendo um referendo para Domingo próximo, em que os gregos vão decidir se devem, ou não, aceitar as condições impostas pelos credores.

O mau estar dos credores, causado pela convocação do referendo, não se fez esperar, habituadas que estão as instituições europeias a resolver os assuntos no “segredo dos deuses” e verem-se agora obrigados a divulgar publicamente os termos das negociações com o Governo grego, como forma de influenciar os resultados do referendo. Além disso “os mercados” começaram de imediato a “tossir”, prevendo uma tempestade na Zona Euro. Para já, o Governo grego já não vai pagar (porque não pode) a “factura” imediata ao FMI (mil e 600 milhões de euros) e a 20 de Julho terá de pagar (se conseguir) ao BCE três mil e 500 milhões de euros, o que deixa dúvidas se, a seguir ao incumprimento, não vem a bancarrota da Grécia.

Por isso, a resposta (sim ou não) que sair desse referendo vai ter consequências imprevisíveis na Grécia e na Zona Euro.

Se a resposta maioritária (e é preciso saber quantificá-la) for o “sim”, aceitar as actuais exigências das instituições europeias e do FMI, o Syriza ver-se-á confrontado com várias opções: ou aceita essas imposições e continua a governar o País, em clara contradição com o que pensa da eficácia dessas medidas; ou se demite, por estar em profundo antagonismo com elas, dando origem a eleições antecipadas, cujo resultado (face ao orgulho do povo grego e à sua descrença no passado recente) pode levar o País para a ingovernabilidade. Em qualquer dos casos, o Syriza sairá perdedor.

Se o povo decidir pelo “não”, o Governo grego não perde a face, mas terá pela frente uma tarefa monstra. A não ser que após o resultado do “não” no referendo esta Europa do euro opte por repensar a forma como está a conduzir o futuro deste continente, retomando as negociações com o Governo grego e chegando finalmente a um acordo que permita a esse povo e aos outros povos com dificuldades semelhantes, entre os quais os portugueses, poderem vir a sentirem-se donos dos seus próprios destinos.

Para isso é preciso que, no seio da União Europeia, surja uma liderança capaz de fazer renascer os princípios que estiveram na sua origem, sem que para isso sejamos obrigados, mais uma vez, a renascer das cinzas.

Luis Barreira

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