COM AS MONJAS DO INSTITUTO DAS SERVIDORAS DO SENHOR E DA VIRGEM DE MATARÁ
Os monges da Cartuxa deixaram o convento de Évora no final do mês de Outubro e tiveram direito a uma despedida emocionada dos fiéis e amigos portugueses. Presente estava também uma representação das monjas do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, que irão ocupar o espaço procurando «respeitar a espiritualidade cartuxa».
Havia sorrisos, havia lamentos, havia uma tristeza que contrastava com a serenidade dos monges, que acolhiam a todos com um sorriso. «Conservem a lembrança não de nós, mas da nossa vida. Que imitem a vida que nós vivemos. A população de Évora sabe que nos levantamos à meia-noite para rezar. E temos muitos amigos que nos diziam que, ao ouvirem os sinos, rezavam uma Ave-Maria por nós. Ora que conservem a memória dessa vida que aqui se vivia. A vida vai continuar noutros moldes. Das pessoas não vale a pena lembrarem-se, não interessamos», dizia, enquanto caminhava apressado para a sacristia. A hora passava e o número de sacerdotes e amigos que chegavam não parava de aumentar.
Na primeira fila para a despedida, no entanto, estava o futuro imediato da Cartuxa, uma garantia do arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, que procurou, desde a hora da notícia do encerramento da comunidade da Cartuxa, encontrar uma solução para o espaço que fosse capaz de manter o «pulmão ecológico de espiritualidade» da ordem cartusiana, como lhe chamou.
Esse futuro foi confiado às monjas do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, uma congregação com pouco mais de trinta anos de existência, mas que conta já com mais de mil 350 religiosas em todo o mundo. «É uma graça virmos para a Cartuxa de Évora, e é uma grande responsabilidade, não só pelo nome do local, mas para dar continuidade à grande espiritualidade que os cartuxos aqui viveram estes anos. Pedimos orações a todos para que possamos dar aqui frutos de santidade e vida eterna como deram os cartuxos», referiu a irmã Maria de la Contemplación, uma das irmãs presentes no dia da despedida, aos jornalistas.
As irmãs que vieram à despedida dos monges cartuxos fazem parte do ramo missionário da congregação. Não serão elas a ocupar o espaço, uma vez que «as irmãs de clausura não costumam participar neste tipo de actos públicos». Mas D. Francisco garantiu que, assim que estivessem feitas as «necessárias obras de ajuste», a congregação iria enviar as suas irmãs. «A madre superiora e a provincial de Espanha vieram visitar a casa há cerca de um mês, com reserva, para verificar as condições, e ao visitar o mosteiro sentiram-se em casa, porque as ordens monásticas têm muito em comum. Estamos a falar de pequenas obras que temos de fazer, como cuidar de aquecimentos, tratar um bocadinho melhor das celas para as pôr mais acolhedoras, pois os homens são um bocadinho mais viris e descuidados com certos pormenores, e o espírito feminino requer mais sensibilidade. Logo que estejam prontas, elas virão», garantiu.
A NOVA CONGREGAÇÃO
Esta é uma congregação que, à semelhança de outras, valoriza a vertente do acolhimento. Nesse sentido, o objectivo é que seja possível a construção de uma hospedaria que permita acolher peregrinos. «Para todas as pessoas que andam feridas, vazias, em profunda solidão, que se sentem sozinhas no meio de muita gente, que fazem a experiência do silêncio dramático de Deus, e até por vezes a experiência do desespero, que possam aqui encontrar a paz, e para as pessoas que já descobriram a beleza de Deus, o seu amor misericordioso», este será um espaço que poderá ajudar todos os que quiserem fazer este tipo de experiências.
O espaço das irmãs deverá estar pronto primeiro do que a hospedaria. «Não vos posso dar uma data, mas o que pode demorar mais é preparar o espaço de hospedaria, a casa onde viviam os condes de Villalva, embora o edifício esteja em bom estado. Em breve teremos a alegria de poder acolher as pessoas que desejarem fazer uma experiência de cartuxa. Este é o topónimo, porque mesmo quando eles não estavam cá, no princípio do século passado, esta era a Cartuxa…», assegurou o prelado.
Quanto ao número de monjas que poderá habitar o mosteiro, não há ainda certezas. O que se sabe é que há 186 monjas contemplativas na congregação, espalhadas por dezasseis mosteiros em todo o mundo. «Pela informação que tenho, nunca serão menos de sete monjas. Vai ser para nós uma recompensa, pelo amor que sempre dedicámos aos cartuxos: continuar a haver vida monástica naquele convento», sublinhou D. Francisco Senra Coelho, em declarações ao portal de informação da arquidiocese de Évora.
Sobre a congregação, o seu carisma é o de «fazer com que cada homem seja “como uma nova Encarnação do Verbo”, trabalhando em suma docilidade ao Espírito Santo e dentro da impronta de Maria, sendo essencialmente missionárias e marianas, tendo como fim específico a evangelização da cultura ou inculturação do Evangelho, isto é, prolongando a encarnação em “todo homem, e em todas as manifestações do homem”, de acordo com os ensinamentos do Magistério da Igreja», pode ler-se na página de Internet da congregação no Brasil.
MONJAS DE «FRONTEIRA»
O arcebispo de Évora apresentou a congregação como sendo «de fronteira». «Estão em países de fronteira, de periferia do Cristianismo, no Iraque, Síria, países ainda mais arriscados onde estão na clandestinidade. Vão entrar agora na Turquia, estão em lugares do mundo com grande pobreza. Estão ligadas à família religiosa do Verbo Encarnado. Foram fundadas em 1988, a 19 de Março», contou, acrescentando ainda um agradecimento à Santa Sé pela possibilidade de efectuar esta troca na Cartuxa. «A Santa Sé não pôs obstáculos na transformação da Cartuxa para uma ordem feminina, e confiou no arcebispo de Évora para fazer esta gestão. Assim continuaremos a ter um silêncio habitado, vivo, e damos graças a Deus por isso», concluiu.
Sobre a possibilidade de os cartuxos regressarem a Évora ou a Portugal, D. Francisco Senra Coelho não nega essa possibilidade ou esperança. «É um desejo grande, porque acreditamos que a Europa renasça. Acreditamos que esta Europa vai descobrir a beleza do amor numa entrega total e que ainda, quem sabe, os cartuxos voltem aqui. Tenho a certeza que, em 1834, quando os cartuxos foram expulsos, seria menos acreditável que o que estou a dizer hoje. Em 1960 eles voltaram, mas dizer isso em 1834 provocaria gargalhadas. Aguardemos, porque no fundo do homem há uma grande sede, e o mundo não responde a essa sede, gera mais sede, e muitos jovens buscam Deus. Esta porta está aberta, e o futuro a Deus pertence», disse, com um sorriso.
RICARDO PERNA
Família Cristã
FOTO: Ricardo Perna