A Liberdade (O)fendida

A Liberdade (O)fendida

EDITORIAL DO PADRE ARTUR DE MATOS, DIRECTOR DA REVISTA BOA NOVA – ATUALIDADE MISSIONARIA(EDIÇÃO N.º1097, JUNHO DE 2021)

Dizem que a democracia é o mal menor da governação de um povo, ou, pela positiva, é o melhor dos meios de um povo se governar. Nada, porém, é perfeito neste mundo. Nem um regime democrático que muito fica a dever ainda à liberdade, à dignidade, à equidade, à justiça, à verdade, à honestidade. Os regimes, sejam eles quais forem, tendem sempre a favorecer os fortes e a esquecer, marginalizar e a descartar os frágeis. Com a agravante de que são estes, os frágeis, a alavanca da ascensão de políticos que deles se servem, em palavras, para subir no palanque do poder. Também não se sabe bem qual é a classificação dos valores na escala de um regime: se a liberdade se o pão, se a escola se o trabalho, se o bem-estar se a paz… Mas sabe-se que a maior e mais imprescindível necessidade do ser humano é comunicar, exprimir-se, respirar (que é a comunicação mais importante).

Ora, esta comunicação/expressão tem imensos entraves seja em que regime for. Menos, sem dúvida, no democrático. Mas tem. Basta olhar para o dia-a-dia das pessoas que, se falam na contracorrente, se se exprimem à vontade e em coerência com o que pensam, sobretudo em espaços públicos de responsabilidade (parlamentos, televisão, jornais) são facilmente agrafados a ideologias dos extremos e intimidadas, de várias formas. E se argumentam, sublinhando ou afirmando a sua fé, então é o fim do mundo. Mesmo em algumas sociedades ditas democráticas, a demonstração pública de pertença a uma religião (símbolos, vestuário, procissões, cruzeiros, cruzes nas escolas de esmagadora maioria cristã e até a pronúncia do nome de Deus) é limitada, ridicularizada, proibida. E que dizer dos regimes não democráticos onde as oligarquias, as teocracias, as ditaduras ateias e os fanatismos dominam? Aí não há liberdade. Muito menos a liberdade religiosa. Porquê? – Porque eles sabem e sentem que o Cristianismo, levado a sério, rebenta com os diques da opressão do ser humano e é um permanente opositor não violento, mas implacável, ao abuso do poder e dos ataques à liberdade. Mas não falamos apenas da liberdade religiosa dos cristãos. Falamos da liberdade religiosa dos crentes, que é a mais inata liberdade do ser humano.

Já não há dúvida; religião cristã é mais perseguida no mundo. Pelas razões acima. Nos finais do século XX e neste vinténio do século XXI já houve mais mártires da fé cristã que nos primeiros quatro séculos depois de Cristo. Os fundamentalismos de toda a espécie, especialmente os regimes ateus e leis discriminatórias em países de maioria hindu, budista, islâmica, ou de grupos minoritários ligados a estas religiões, mas violentos e plenos de ódio contra os cristãos, têm feito jorrar rios de sangue e torrentes de dor naqueles a quem apelidam de infiéis, de inimigos do povo e espiões do Ocidente. Trezentos e quarenta milhões de cristãos são, diariamente, perseguidos; só no ano de 2020 quase cinco mil foram mortos (os que foi possível contabilizar!). Dos 340 milhões, 309 milhões vivem em perseguição levada ao extremo. Vivem em perigo permanente de morte.

Nesta edição da nossa Revista Boa Nova, relevamos a figura heróica de D. António Barroso, grande missionário em Angola e Moçambique, e, posteriormente, Bispo do Porto, que enfrentou, sem medo, o laicismo republicano na pessoa de Afonso Costa; damos eco ao que se passa em Moçambique, em particular, na Província de Cabo Delgado, no norte, onde bandos fanáticos ligados ao fundamentalismo islâmico laçam o terror e a morte; e, por fim, falamos da cruel perseguição dos cristãos no Paquistão.

Afinal, a cruz é o sinal dos cristãos e parece que o mundo intolerante precisa dela, continuando a construir gólgotas e erguer crucificados, com poucas ou nenhumas testemunhas. Sem notícia.

O que não sabe ele, esse tal mundo, é que o sangue que derramam é semente fecunda e invasora.

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