A Esquerda, a Direita e o Centro

Várias vezes, nesta mesma coluna, tenho-me oposto à definição política, com mais de dois séculos de existência, de “esquerda” e “direita”. Não só porque a dinâmica dos povos e das suas organizações políticas, através dos tempos, modifica permanentemente esta definição original da Assembleia Nacional do Império de Napoleão de Bonaparte como, e em consequência disso, o chamado “centro” muda constantemente de posição no espectro político de cada uma das nações que vivem num sistema de democracia parlamentar, em que as ideologias partidárias se esvaziam, se confundem e são muitas vezes apropriadas como objectos para agradar aos eleitorados.

Nessas circunstâncias e em função das situações que afectam os respectivos povos, os partidos políticos que são enquadrados nestas definições e em consequência do seu desgaste perante a opinião dos cidadãos sujeitam-se a modificações e inovações de comportamento partidário, num pragmatismo muitas vezes incompreendido ou deliberadamente exposto à crítica, com base em subjectivas análises históricas, sem validade actual.

Vem isto a propósito da situação política portuguesa nos dias de hoje.

Se António Costa, do Partido Socialista, para além da sua justeza em considerar como o “arco da governação” o conjunto de todos os partidos com representação parlamentar na Assembleia da República decidiu, em conformidade, enfrentar o grande desafio de se associar à chamada “esquerda” portuguesa para formação do próximo Governo português, não foi apenas porque eles se constituem como forças parlamentares superiores à coligação PSD/CDS, nem por “birra” ou desejos individuais de poder. Isso não passam de atoardas próprias de visões mesquinhas das oposições.

O elemento fundamental que está na origem desta atitude do PS tem origem na experiência provada destes últimos quatro anos, em que esta coligação (PSD/CDS), aproveitando-se da fragilidade em que se encontrava o País e da presunção de culpa dos seus cidadãos, alterou profundamente a matriz social-democrata do PSD, transformando-o num partido liberal, de raiz conservadora, “deslizando” para a órbita dos partidos políticos mais radicais, ou seja, dos mais à “direita”.

Recentrar a política portuguesa entre os excessos de uns e de outros, à luz de uma nova realidade política e em face das urgentes necessidades sociais e económicas da nossa população (para quem o Estado Social é uma conquista imperdível) e da reposição de uma classe média, enquanto ascensor social dos nossos cidadãos, é na verdade, e após quarenta anos de hostilidades permanentes entre si, um passo de gigante entre os chamados partidos políticos da “esquerda”. Também eles dispostos a sujeitarem-se às transformações dos tempos.

Se (porque há sempre um se) o PS conseguir essa unidade em torno de um programa de Governo que contenha as principais reivindicações do PCP, do BE e do PEV, capaz de aceitar as diferenças contidas nos seus objectivos ideológicos e, ao mesmo tempo, respeitar os compromissos internacionais do País (sem os venerar), assegurando a estabilidade política essencial a um Governo de legislatura, o País irá assistir, após esta tremenda transformação formal, a uma progressiva recomposição do nosso actual quadro partidário, quer na consciência de pertença política dos seus militantes, quer nas propostas políticas dos actuais partidos. No caso de sucesso, isto será inevitável, fechando um ciclo político feito de imagens fabricadas e renovando alguma pureza das intenções expressas pelos nossas forças políticas. Os portugueses passarão a ter mais certezas em quem deverão votar.

O momento actual é, naturalmente, de acérrima conflitualidade, provocada por quem vai passar à oposição.

De nada vale à coligação PSD/CDS acusar o PS de enganar o povo português, porque se associou ao PCP e CDU depois das últimas eleições legislativas. O PSD e o CDS também concorreram separadamente às legislativas de 5 de Junho de 2011 e associaram-se depois, a 16 de Junho, sem que fossem acusados de perjúrio.

De nada vale, por parte de todos os que se lhe opõem (inclusive o Presidente da República), forçarem um eventual Governo de António Costa a dar todas as garantias possíveis e imaginárias de estabilidade governativa, quando o Governo do PSD/CDS, em Julho de 2013, deu a maior demonstração de instabilidade em consequência da demissão do seu então ministro dos Negócios Estrangeiros, o “irrevogável” Paulo Portas, porque não gostou da nomeação de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças. O eventual Governo de António Costa não é um Governo de coligação, mas de acordos programáticos de incidência parlamentar, sem qualquer ministro do PCP, do BE ou do PEV, logo, não será assombrado por este tipo de inveja partidária entre “amigos”.

Todas as grandes transformações políticas são objecto de crítica, de dúvida, de “escárnio e maldizer”. Que os “trovadores” do nosso tempo não percam tempo com cantigas de outro tempo e assumam frontalmente a sua realidade!

LUIS BARREIRA

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