O corte do cordão umbilical com Macau
Prosseguimos esta semana com a passagem em revista da história de Timor e a sua relação com Macau no último meio milénio.
Em 1769 os holandeses ocuparam a metade ocidental de Timor e pressionaram os portugueses aquartelados em Lifau, no enclave de Ocussi, forçando o governador António José Teles de Meneses a transferir a capital para Díli. A situação de conflito permanente perdurou em Timor até 1912, embora o avanço dos holandeses tenha estancado em Atapupu, ocupada em 1818, hoje parte de Timor Oeste.
Com o declínio do comércio de sândalo, a agricultura passou novamente a ser o suporte base da economia do território. O governador Alcoforado de Azevedo e Sousa (1815-1819) incentivou o cultivo do café, da cana-de-açúcar e do algodão. Duas décadas e meia depois, a partir de 1834, um outro governador, José Maria Marques, põe em marcha um bem delineado plano de urbanização e reorganização administrativa de Díli.
Macau e Timor desvincularam-se definitivamente do Governo de Goa em 1844, passando Timor a constituir uma espécie de distrito de Macau. Situação que, à excepção do período compreendido entre 1865 e 1878, iria continuar até 1894, altura em que a ilha passou a ser considerada distrito autónomo.
No que se refere ao período compreendido entre 1833 e 1911 abundam no Arquivo Histórico Ultramarino referências a Timor nos documentos produzidos pelas várias instituições governamentais que superintenderam a gestão do Império Colonial Português. Foi o caso do Conselho da Fazenda, do Conselho da Índia, e, em particular, do Conselho Ultramarino e do Secretaria de Estado da Marinha que produziram as mais diversas correspondências, cartas ao rei, consultas, pedidos e cartas ao secretário de Estado. Por essa razão contamos com um vasta manancial informativo que nos elucida sobre o estado da colónia quanto a uma imensidade de matérias: agricultura, assuntos aduaneiros, observações meteorológicas, nomeação de governadores, movimento das portos, direitos de importação de produtos como o óleo de coco, informações sobre os diversos reinos – Balibo Batugade, Bibiluto, Boibau, Cotubabá, Faturo, Liquiça, Lolotoi, Ocusse, Aileu, etc – a actividade dos artesãos chineses em Timor, a questão da autonomia da ilha, as nomeações de Francisco Rodrigues Batalha e Afonso de Castro, entre outros, como deputados para as cortes de Timor, o fabrico de peças de artilharia e preenchimento de vagas no Batalhão de Artilharia, a reorganização do Batalhão dos Defensores Leais de Díli, a construção da cadeia e do Cais Alfândega, também em Díli, a situação do ensino primário, a chegada de colonos chineses, o comércio de sândalo, o desenvolvimento do comércio e navegação, a construção de edifícios e estradas, o envio de condenados para Timor, os custos de estudantes, a criação de distritos, a eleição dos reis, a diáspora indiana, a abolição da escravatura, a construção de uma fábrica de tijolos e de várias igrejas, actividade dos missionários, a indemnização do Governo holandês a Timor, a circulação de moedas de cobre e as irregularidades em torno dessa actividade, a mortalidade indígena, as viagens do navio a vapor “Díli”, o observatório magnético de Díli, a ocupação de Atapupo, a cultura da pimenta, os contratos de venda, a regulamentação policial, a inauguração da ponte Hintze Ribeiro, as rebeliões, a vacinação contra a varíola, a lealdade dos chefes, e muitos, muitos outros diferentes assuntos.
É de notar, no início da segunda metade do século XIX, o papel do governador Afonso de Castro (1859-1863), responsável pelo primeiro estudo histórico de Timor e do desenvolvimento da agricultura, do artesanato e das actividades comerciais em geral. Deve-se a ele a fundação de uma escola para os filhos dos chefes locais, os liurais.
Em 1894 é o ano do definitivo corte do cordão umbilical que ligava Timor a Macau. Inicia funções governativas na província agora independente José Celestino da Silva (1894-1908). A esta carismática figura – talvez a mais notável na história de Timor – se deve as campanhas de pacificação e a instalação de sistema governativo próprio. Podemos considerar que, desde meados do século XVII até à administração de Celestino da Silva, Timor era mais um protectorado português do que propriamente uma colónia.
Aproveitando-se da instabilidade causada pela proclamação da República em 1910, os holandeses estimularam o último e maior levantamento contra a presença portuguesa na história de Timor, a denominada revolta de Manufahi (1911-1913), que, com pulso e determinação, foi debelada pelo governador da época, Filomeno da Câmara de Melo Cabral, que exerceria funções no território até 1934. A sua violenta, e por vezes cruel, actuação durante as campanhas de pacificação ficou manchada para sempre pelo massacre ocorrido nas montanhas de Leolaco, no qual perderam a vida cerca de três mil timorenses, grande parte dos quais não combatentes. O facto causou inclusive, na época, polémica e horror em Portugal.
Joaquim Magalhães de Castro