Não sobra uma pedra sobre a outra
Estamos quase no final do Ano Litúrgico. No Evangelho deste Domingo (Lc., 21, 5-19), Jesus começa com uma profecia sobre a futura destruição do Templo de Jerusalém (ocorreu em 70 d.C., várias décadas após a morte de Jesus) e termina a falar sobre o fim do mundo: «Nação se levantará contra nação, e reino contra reino; haverá grandes terramotos e em vários lugares fomes e pestes; e haverá terrores e grandes sinais do céu» (vv. 10-11). Parece ser uma descrição das notícias diárias do nosso tempo conturbado, e entendo que as palavras de Jesus são para o nosso “hoje”, não apenas para o futuro.
Jesus é bastante negativo sobre o destino da instituição religiosa mais sagrada de Israel, o Templo de Jerusalém: «Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada» (v. 6). Jesus parece aceitar a realidade de que qualquer estrutura humana, não importa quão boa ou santa pareça ser, pode estar sujeita ao fracasso e à destruição. Jesus não irá tentar salvar o Templo: Ele o substituirá pelo seu Corpo: Nele, a Humanidade pode adorar a Deus em Espírito e em verdade.
Bento XVI explicou a atitude que devemos ter em relação às estruturas e organizações humanas na sua Encíclica Spe Salvi(n.os24-25). Em primeiro lugar, afirma que as boas estruturas são importantes para promover o bem e garantir a justiça. No entanto, elas funcionam bem apenas quando são animadas por pessoas que concordam livremente com os valores que as próprias estruturas promovem. Por outras palavras, as pessoas devem escolher livremente defender o bem para o qual as estruturas a que pertencem foram criadas. Esta escolha, diz Bento XVI, não pode ser automática, nem tida como certa ou garantida, mas precisa ser constantemente renovada a cada momento e por cada geração. No caso do Templo de Jerusalém, porque o povo de Israel abandonou cada vez mais o espírito da Aliança de Deus em favor de uma religiosidade legalista e superficial, essa escolha tornou o Templo incapaz de cumprir a sua função.
Num contexto mais amplo, Bento XVI observou que o bem-estar moral do mundo nunca pode ser garantido apenas por meio de estruturas, por melhores que sejam, porque “já que o homem permanece sempre livre e a sua liberdade é sempre frágil, o reino do bem nunca se estabelecerá definitivamente neste mundo […] No entanto, cada geração deve também dar a sua própria contribuição para estabelecer estruturas convincentes de liberdade e de bondade que possam ajudar a próxima geração como guia para o uso adequado da liberdade humana; portanto, sempre dentro dos limites humanos, elas fornecem uma certa garantia também para o futuro. Ou seja, boas estruturas ajudam, mas por si só não são suficientes. O homem nunca pode ser redimido simplesmente de fora”.
As palavras de Jesus – “Nenhuma pedra sobre pedra” – é um lembrete de que qualquer estrutura ou organização, mesmo dentro da Igreja, precisa de pessoas que tenham consciência do seu verdadeiro propósito e façam a escolha de se comprometerem com liberdade, lembrando que a nossa confiança está em Deus e não na estrutura em si.
Mas estas palavras também apontam para uma realidade que muitos santos aprenderam da maneira mais difícil, a saber, que a santidade não é medida pelo sucesso ou por resultados externos, mas pode ser marcada pelo que aparentemente parece fracasso, fragilidade e até finais abruptos.
São Daniel Comboni morreu em 1881, em África, aos cinquenta anos de idade com febre tropical, num momento terrível para as missões africanas: perda de missionários, seca, fome e rebeldes que destruíam sistematicamente todas as igrejas, escolas e dispensários, pelos quais tanto trabalhou para construir. Nem mesmo as pedras da sua tumba foram poupadas: os seus ossos foram espalhados sem qualquer tipo de respeito.
O enérgico João Paulo II entrou no Papado em 1978 como um desportista enérgico, que desfrutava de caminhadas e praticava natação. Morreu em 2005, depois de anos de uma doença debilitante que lentamente o paralisou, a ponto de não conseguir falar.
Outro exemplo é o do Beato Carlos de Foucault, assassinado em 1916 na Argélia, pelos nómadas a quem serviu depois de anos de testemunho silencioso sem converter um que fosse e incapaz de encontrar sequer um irmão para a ele se juntar.
Poderíamos, pois, dar muitos outros exemplos. A questão é que, ao experimentarem estes aparentes fracassos enquanto humanos, santos, beatos e outros imitaram Cristo. Na Cruz, nu e abandonado pelos seus discípulos, fora dos muros da cidade sagrada, ofereceu a Sua vida pela salvação da Humanidade. A aparente destruição da Sua pessoa e ministério foi precisamente o momento em que o Seu amor brilhou mais intensamente.
No final, não precisamos de nos preocupar com o destino das estruturas, das organizações ou dos grupos que passámos a vida a construir e a desenvolver. «Nem um fio de cabelo de sua cabeça perecerá» (v. 18) – significa que o amor e o esforço que colocamos em cada um dos nossos empreendimentos são estimados por Deus e nunca serão esquecidos. Como disse a famosa Santa Teresa de Calcutá, “Deus não nos chamou para sermos bem-sucedidos, mas para sermos fiéis”, ecoando a conclusão de Jesus: «Este será um tempo para darem testemunho […]das vossas vidas» (v. 13).
Pe. Paolo Consonni, MCCJ