Reacções à encíclica
Assim que a encíclica sobre a regulação do nascimento foi publicada pelo Papa Paulo VI, no dia 25 de Julho de 1968, reacções contrárias de padres e teólogos “liberais” a favor da contracepção apareceram nas revistas e jornais. Examinemos os seus argumentos e os comentários contrários aos mesmos de um teólogo notável à época, das Filipinas, padre Francisco del Rio, OP (1902-1984).
Del Rio escreveu que alguns teólogos, bispos e padres, em particular bispos e padres holandeses, “estão a tomar uma atitude de franca aprovação da contracepção”. Como é que tal pode ser bom para eles? Responderam os visados que se trata de uma “responsabilidade da consciência individual”. Mais: afirmam que “o sentido espiritual” dos membros da comunidade cristã (sensus fidelium) aprova, de facto, o uso de contraceptivos. Na qualidade de especialista em ética da Saúde, Del Rio explica que a moralidade não é uma questão a ser resolvida por meio de voto, mesmo no ambiente individualista de hoje. E acrescenta, com convicção, que a resposta científica é dada por médicos e não por teólogos, padres ou confessores. A estes, aconselha prudência e respeito pelo ensino do Magistério sobre a matéria.
Os teólogos “liberais” apelaram, além disso, ao “espírito do Concílio Vaticano II”. Comenta Del Rio: A sua compreensão sobre o “espírito” do Concílio é muito subjectiva. “Não há qualquer evidência nos Documentos do Vaticano II que diga que a Humanae Vitae viole o espírito do Vaticano II. Ao publicá-la, o Papa não excedeu a sua autoridade, nem é contra a ‘colegialidade’. Paulo VI consultou bispos, peritos e teólogos (cf. Humanae Vitae, HV, 5; Vaticano II, Lumen Gentium, LG, 22 e 25)”.
Os teólogos dissidentes defendem que “o acto biológico está fora do domínio da fé” e, por conseguinte, a Igreja não tem autoridade sobre ele. Del Rio reage: “O que está em causa não é a violação de um processo biológico enquanto tal, mas a violação do processo biológico humano que resulta na génese de um ser humano”. Mas serão os métodos contraceptivos, ao nível biológico da vida humana, uma questão moral? Del Rio responde de novo: “Não apenas na esfera do sexo, mas em toda a existência humana, o biológico é portador de moralidade. Comer é um processo biológico; a necessidade de comer é uma necessidade animal, mas a maior parte da justiça humana baseia-se no direito do homem de comer em liberdade e dignidade a comida de que necessita biologicamente”. E não é a sexualidade meramente biológica? Não, não é meramente biológica, é também pessoal, racional e espiritual. “O sexo humano não é meramente instinto, mas símbolo e expressão dos valores morais e espirituais do amor, da fidelidade, da caridade e da união pessoal indissolúvel”.
Concentremo-nos agora em três temas relevantes da Humanae Vitae: paternidade responsável, sobrepopulação e pobreza.
Paternidade Responsável –A Igreja é, como claramente apresentado por Paulo VI, a favor de uma paternidade responsável. Diz o Santo Padre: “Se há motivos sérios para espaçar os nascimentos, que derivam das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de condições externas, a Igreja ensina que é então lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes nas funções generativas, e desta forma regular o nascimento sem ofender os princípios morais” (HV, 16).
Paulo VI esclarece (HV, 10): “O amor conjugal, portanto, exige de marido e mulher a plena consciência das suas obrigações em matéria de paternidade responsável, o que hoje, com toda a razão, se insiste muito… Há que atender às condições físicas, económicas, psicológicas e sociais, para, com prudência e generosidade, decidir ter uma família numerosa; ou por razões sérias e com o devido respeito pela lei moral, optar por não ter mais filhos num determinado momento ou mesmo por um período indeterminado. Como consequência, o compromisso para uma paternidade responsável exige que marido e mulher, mantendo uma ordem correcta de prioridades, reconheçam os seus próprios deveres para com Deus, para com eles próprios, para com as suas famílias e para com a sociedade humana”.
À semelhança do que o Vaticano II já havia ensinado anteriormente, uma consulta apropriada sobre o assunto é prudente, mas são os pais – e mais ninguém! – que acabam por decidir aos olhos de Deus (cf. Gaudium et spes, 50). Daqui decorre que não são livres de fazer o que quiserem quanto à transmissão da vida…. Pelo contrário, são obrigados a assegurar que o que fazem corresponde à vontade de Deus Criador (cf. GS, 50-51).
O Magistério da Igreja recomenda, quando justificado, a paternidade responsável através de métodos naturais de planeamento familiar. O período seguro é bom quando se evita “a frustração positiva e deliberada do acto sexual, [quando] o auto-controlo é praticado. É um uso legítimo da liberdade, tal como seria a abstinência total”, não havendo “efeitos nocivos para a saúde do homem e da mulher”. Respeita a transmissão responsável da vida através do recurso à observação do ciclo da mulher. A sua prática exige, pois, “respeito recíproco, responsabilidade partilhada e auto-controlo” (F. del Rio). Métodos de planeamento familiar natural: (1) o ritmo do calendário (a regularidade do ciclo menstrual da mulher); (2) o método de ovulação ou método Billings (aparecimento de muco na vulva); (3) o método sinto-térmico (critérios para determinar o tempo de ovulação). Período de fertilidade: estritamente falando, cerca de seis dias num ciclo (cf. Ashley-O’Rourke, “Health Care Ethics”).
Sobrepopulação –O Papa Paulo VI refere na Humanae Vitae que “o rápido desenvolvimento demográfico” cria dificuldades para muitas famílias, particularmente nos países em desenvolvimento (HV, 2). Como consequência, as autoridades públicas podem encontrar “dificuldades sérias” nesta matéria, e devem contribuir para a solução do problema demográfico através de “uma política providente para a família, uma educação sábia dos povos no respeito pela lei moral e pela liberdade dos cidadãos” (HV, 23). “Nenhuma solução para estas dificuldades pode resultar em violência para com a dignidade humana e basear-se apenas numa concepção materialista do próprio homem e da sua vida” (HV, 23).
Na nossa sociedade secular, o controlo da população continua a ser utilizado como mais um argumento a favor da regulação dos nascimentos.
Por que razão a Igreja Católica se opõe à solução secular para o problema da sobrepopulação? O argumento é radical, mas simples: a solução secular opõe-se à dignidade e aos Direitos do Homem e da Família. Além disso, os cristãos, como muitos outros crentes, sustentam firmemente que Deus é o Criador da vida, e que a vida é sagrada e, portanto, Deus deve ser reverenciado, bem como a vida humana.
Pobreza –Na realidade, o que o mundo precisa não é reduzir a população, mas sim – tal como o ensinamento da Igreja sublinha depois do Vaticano II – de justiça, igualdade e solidariedade (cf. HV, 23). Nesta matéria, o Papa Paulo VI recorre à sua Populorum Progressio(HV, 18), uma das melhores encíclicas papais de todos os tempos sobre ética social (cf. PP, 48-55). Aponta em particular os ensinamentos sociais do Papa João XXIII, constantes nas suas encíclicas Mater et Magistra(1961) e Pacem in Terris(1963), ensinamentos que se baseiam nos anteriores documentos papais da Doutrina Social da Igreja e em particular do Vaticano II. Lembremos as poderosas palavras do Papa Paulo VI nas Nações Unidas, em Nova Iorque, a 4 de Outubro de 1965: «A vida humana é sagrada… A vossa tarefa[estaria a falar para os delegados da ONU]é agir de modo a que haja pão suficiente à mesa da humanidade, e não apoiar um controlo artificial da natalidade que seria irracional, com o objectivo de reduzir o número dos que partilham o banquete da vida».
Pe. Fausto Gomez, OP