Não andes pela vida como um fantasma. A Ressurreição de Cristo e o aspecto material da nossa fé
O próprio Jesus pôs-Se no meio deles e lhes disse: «A paz esteja convosco». Ficaram assustados e aterrorizados, pois pensaram que estavam a ver um fantasma. Então Jesus prosseguiu: «Por que estais apavorados? E por qual motivo sobem dúvidas ao vosso coração? Observai as minhas mãos e meus pés e vede que Eu Sou o mesmo! Tocai-me e comprovai o que vos afirmo. Por que um espírito não tem carne nem ossos, como percebeis que Eu tenho» (Lc., 24, 36-39).
Quem nunca sentiu um arrepio na espinha ao entrar sozinho numa igreja vazia e escura à noite, ou ao passar por um cemitério, mesmo que próximo de casa? Provavelmente, sentimos semelhantes sensações durante o Dia da Limpeza dos Túmulos, na última semana. O “medo de fantasmas” é um fenómeno verdadeiramente universal, presente em todas as culturas. Por vezes, é simplesmente uma sensação irracional vinda directamente do inconsciente – muito provavelmente, uma projecção dos nossos próprios medos interiores. O que realmente tememos é o desconhecido, aquilo que está fora do nosso controlo.
A Igreja reconhece a existência de espíritos, mas a doutrina oficial sobre os fantasmas não é muito específica e deixa espaço para discussão. Diz-se que as almas dos santos apareceram para nos encorajar e orientar. As almas do Purgatório aparecem normalmente para nos pedir orações. Diz-se que as almas dos condenados aparecem, por vezes, para nos incutir medo pelo poder do mal. No entanto, a Igreja adverte-nos severamente: “Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demónios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente ‘reveladoras’ do futuro” (CIC nº 2116). Como o assunto é muito complexo, o melhor é recorrer sempre à oração, especialmente à Eucaristia, e confiar na providência de Deus para nos guiar quando lidamos com estes fenómenos fora do comum.
Dito isto, podemos facilmente identificar-nos com o medo dos discípulos quando Cristo ressuscitado lhes aparece. Não é a primeira vez que confundem Jesus com um fantasma. Aconteceu durante uma tempestade, quando Jesus veio ter com eles, caminhando sobre a água (cf. Mc., 6, 49). O sobrenatural pode ser muito assustador. Além disso, em defesa dos Apóstolos, é preciso lembrar que, após a Ressurreição, o corpo de Jesus mudou. Não estava preso aos limites físicos do espaço e do tempo. Podia aparecer e desaparecer instantaneamente, entrar em compartimentos fechados, e a sua aparência podia variar, tornando-o irreconhecível até para os seus discípulos mais próximos.
O Evangelho deste Domingo (Lc., 24, 35-48) sublinha claramente a realidade física destas aparições: Cristo ressuscitado não é o fantasma de um morto. Tem “carne e ossos”, e até come diante dos discípulos. A mensagem central dos Evangelhos vai para além da mera crença na sobrevivência da alma após a morte, comum a quase todas as crenças religiosas. Em vez disso, afirma a vitória total de Cristo sobre a morte e o mal. O Seu corpo, torturado na cruz por amor a nós, foi agora preenchido com o poder do Espírito Santo e entrou num estado glorioso. A Sua Ressurreição traz a promessa de que também os nossos corpos mortais, no fim dos tempos, partilharão plenamente a vida divina em Deus.
“A carne é a dobradiça da salvação” (“Caro cardo salutis”), dizia Tertuliano. A ressurreição física de Jesus tem uma importância significativa, pois valida a bondade do mundo material, incluindo o nosso corpo, e o seu papel no Mistério da Salvação. Lucas, por exemplo, valoriza os aspectos espirituais e imateriais da realidade. No entanto, a Encarnação e a Ressurreição transmitem a mensagem oposta: o amor precisa de se traduzir em acções e escolhas concretas para ser verdadeiro e vivido de acordo com o que Jesus nos ensinou no Evangelho. Fomos criados como criaturas unificadas de corpo e alma, o que significa que a nossa felicidade (ou condenação) eterna deve incluir também a ressurreição dos nossos corpos.
O Papa Francisco recorda-nos muitas vezes o perigo de termos uma fé “desencarnada”, que torna as pessoas “incapazes de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros, fechadas numa enciclopédia de abstrações” (Gaudete et Exsultate, 37).
A nossa fé na ressurreição do corpo encoraja-nos a preocuparmo-nos com as vítimas da violência e da injustiça, com os pobres e os que sofrem, e até com o planeta, a nossa casa comum.
As aparências físicas de Cristo ressuscitado recordam-nos que a nossa vida material é importante. O uso que fazemos do nosso corpo é importante. As nossas relações são importantes. As escolhas que fazemos ao lidar com as circunstâncias da vida, como tragédias e doenças, são importantes. E, certamente, o nosso trabalho quotidiano e normal também é importante. Reconhecer a sacralidade da nossa existência quotidiana, tanto as suas alegrias como os seus desafios, permite-nos viver de forma mais plena e determinada. Em vez de passarmos meramente pela vida como “fantasmas”, somos convidados por Cristo ressuscitado a abraçá-la com paixão e significado, como Ele o fez!
Pe. Paolo Consonni, MCCJ