A Abstinência das Sextas-feiras

DIREITO CANÓNICO IMPÕE, MAS HÁ EXCEPÇÕES

A Abstinência das Sextas-feiras

Na Igreja Católica é importante pedir-se perdão pelos pecados e procurar a sua reparação. Da mesma forma, as pequenas renúncias, ou sacrifícios, fizeram sempre parte da tradição da Igreja. Uma dessas renúncias é a da abstenção de se comer carne todas as sextas-feiras do ano. “Jejuar e abster-se de comer carne quando ordenado pela Igreja” é um preceito que tenta justificar e avivar essa recusa de ingestão de carne. A Igreja estabelece também alguns dias para o cumprimento desse preceito. Os dias da Sexta-feira Santa e da Quarta-feira de Cinzas são os mais conhecidos de todos os católicos, nos quais se praticam o jejum e a abstinência. Em alguns países também é costume não comer carne às sextas-feiras durante a Quaresma. O que talvez seja mais desconhecido do grande público é a proibição de comer carne todas as sextas-feiras do ano, ou a substituição deste costume, de acordo com a livre vontade dos fiéis, por qualquer uma das seguintes práticas recomendadas pela Igreja: leitura da Bíblia, efectuar uma obra de misericórdia, obras de piedade (participação na Missa, reza do Terço, etc.) e mortificações.

Mas por que existe a abstinência das sextas-feiras? O propósito da Igreja é o de encorajar os fiéis a oferecer a Deus um sacrifício que vem do coração e que une o sofrimento de cada um ao de Cristo na cruz. A abstinência de carne é, portanto, um sinal externo, mas o que importa é a intenção com que foi feita a norma da abstinência. O objectivo principal é fazer um sacrifício que aproxime uma pessoa de Cristo, que por amor a nós fez o sacrifício máximo que uma pessoa pode fazer.

Assim, temos que reflectir sobre os tempos penitenciais, nos quais os cristãos são convidados à prática da penitência: a Quaresma e todas as sextas-feiras do ano. A penitência é uma expressão da união dos cristãos em torno do Mistério da Cruz de Cristo, pelo que tanto a Quaresma, como a Sexta-feira Santa, dia da morte do Senhor, aludem à prática da penitência. De acordo com o Código de Direito Canónico, todos os fiéis são obrigados pela lei divina a fazer penitência. Porém, para que haja unidade, definiu-se uma prática comum de penitência, instituindo-se alguns dias penitenciais, nos quais os fiéis se dedicam de maneira especial à oração, realizam obras de piedade e caridade, e observam o jejum e a abstinência. Os dias e tempos penitenciais, de acordo com o mesmo Código, são todas as sextas-feiras do ano e o período da Quaresma.

Assim, em todas as sextas-feiras, a menos que coincidam com alguma Solenidade, deve-se observar a abstinência de carne ou de outros alimentos determinados pela Conferência Episcopal do país – ou território, como no caso de Macau e Hong Kong – onde os fiéis residam. O jejum e a abstinência serão observados na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa. Esta disposição da abstinência é para os que tenham completado catorze anos; o jejum, é para todos os maiores de idade, até aos 59 anos.

As Conferências Episcopais podem determinar mais detalhadamente o modo de se observar o jejum e a abstinência, bem como a sua substituição, no todo ou em parte, por outras formas de penitência, especialmente por obras de caridade e práticas de piedade.

Nos dias que coincidem com Solenidade não há obrigação de abstinência. Recorde-se que a Solenidade é um grau das celebrações litúrgicas. No calendário litúrgico da Igreja de Rito Latino costumam ocorrer duas Solenidades na Quaresma: São José (19 de Março) e a Anunciação (25 de Março). Se uma destas Solenidades cair numa sexta-feira, nesse dia não há obrigação de abstenção de carne ou outros alimentos indicados pela Conferência Episcopal. Poderão ainda existir outros dias incluídos em calendários particulares que sejam Solenidades, como festas locais muito importantes.

Por outro lado, não se deve confundir jejum e abstinência. Jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, o jejum fazia-se restringindo-se alimentação diária a uma refeição, embora não se excluísse que se pudesse tomar alimentos ligeiros às horas das outras refeições. A abstinência, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A abstenção de carne foi sempre a forma mais tradicional na disciplina da Igreja. A alimentação simples e pobre e a renúncia ao luxo e ao desperdício dão sentido à abstinência, conferindo-lhe um carácter penitencial. É importante salientar que estas normas sobre o jejum e a abstinência apenas se aplicam em condições normais de saúde, dispensando-se os doentes e acamados, ou parturientes, do seu cumprimento.

Durante séculos, a Igreja Católica proibia o consumo de carne todas as quartas, sextas e sábados. Depois, flexibilizou-se essa disposição, proibindo-se a carne na Quarta-feira de Cinzas e em todas as sextas-feiras. Em 1966, os bispos católicos dos Estados Unidos, com a bênção do Papa Paulo VI, relaxaram ainda mais a regra. Na revisão do Código de Direito Canónico estabelece-se, assim, que todas as sextas-feiras do ano e o Tempo da Quaresma são tempos penitenciais para toda a Igreja. O preceito do jejum e da abstinência na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa permaneceu sempre intacto.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

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