Católicos são vítimas de sequestros e ataques
Com a situação política ainda muito volátil na ilha do Haiti, as dificuldades vividas pela Igreja Católica neste país, principalmente nos últimos tempos, não parecem vir a esmorecer num futuro próximo.
Em declarações à agência noticiosa do Vaticano, Marcella Catozza, das Irmãs Franciscanas de Busto Arsizio, missionária no Haiti há vinte anos, resume o que se passa: “A nossa situação é tão difícil quanto a realidade geral no Haiti”. Ou seja, a Igreja reflecte a realidade do país caribenho devastado pela violência provocada por gangues criminosos. Um dos principais factores que torna a vida difícil é a falta de viabilidade nas comunicações, sejam elas de teor tecnológico ou viário. “Todos estamos de certa forma isolados, tentando construir pontos de contacto onde podemos”, explica a freira italiana, cuja principal actividade se concentra num dos maiores bairros de lata de Port-au-Prince.
É já longo o rol de funestos acontecimentos. Para além das consequências directas dos desastres naturais – tempestades e terramotos são frequentes naquela região – que já vitimaram um arcebispo e vários vigários da arquidiocese de Port-au-Prince, além da destruição de seminários e outras instalações religiosas, temos agora o fenómeno dos raptos, e até atentados com características terroristas.
No passado dia 18 de Fevereiro, D. Pierre-André Dumas, bispo de Anse-à-Veau Miragoâne, ficou gravemente ferido numa explosão na capital do Haiti. Nenhum dos gangues assumiu a responsabilidade pelo ataque. Monsenhor Dumas, que também é vice-presidente da Conferência Episcopal Haitiana (CEH), está actualmente a recuperar num hospital da Flórida. Em Janeiro, o prelado oferecera-se como refém em troca das seis freiras da congregação de Santa Ana que haviam sido sequestradas em Port-au-Prince, apelo feito também pelo Papa Francisco durante o seu habitual Ângelus. O vice-presidente da CEH sempre criticou e lutou contra as quadrilhas criminosas que impunemente actuam no Haiti, especialmente contra o crime de sequestro, que classifica de “prática desumana e desprezível”. D. Pierre-André também não poupa a classe política haitiana, a quem pede constantemente que abandone o individualismo para superar a crise económica, política e social que permanentemente assola o País. E recentemente pugnou até por uma transição pacífica de poder, pois “a sociedade está paralisada pelo medo e isso é um símbolo de fracasso”.
Felizmente, muitos dos raptos acabam por se resolver de forma pacífica, saindo deles ilesas as vítimas. Poucos dias depois do atentado a D. Pierre-André (realizado a 5 de Março deste ano), três freiras da Congregação de São José de Cluny, sequestradas por um bando armado quando trabalhavam num orfanato da cidade de La Madeleine, acabariam por ser libertadas. Também quatro dos seis religiosos da Congregação dos Irmãos do Sagrado Coração, raptados a 23 de Fevereiro, quando se dirigiam para a Missão da Escola João XXIII, situada no bairro Bicentenaire, seriam libertados a 10 de Março, mas sobre o assunto não fornece notícias precisas a Polícia Nacional Haitiana.
Como se disse no início, a situação política no País continua bloqueada e os nove membros do Conselho Presidencial de Transição ainda não chegaram a acordo sobre o nome do novo Primeiro-Ministro. O Conselho Presidencial de Transição foi criado após Ariel Henry ter sido forçado a renunciar ao cargo, devido às ameaças dos gangues armados, que controlam, de facto, a capital haitiana. E tal só aconteceu porque houve muita pressão internacional e a mediação da Comunidade das Caraíbas (Caricom). Os bispos haitianos decidiram não participar na formação deste organismo, para assim poderem manter a equidistância. Na sua carta pastoral de 18 de Março, afirmam que “para manter a distância moral que lhe permite cumprir a sua missão profética, a CEH (Conferência Episcopal Haitiana) não nomeou ninguém para representar a Igreja Católica no Conselho Presidencial de Transição nem em qualquer estrutura governamental”. Esperam, no entanto, que as conversações em curso conduzam a um acordo “verdadeiramente patriótico, inclusivo e duradouro”, no interesse de todo o povo haitiano, “que aspira à paz e à prosperidade”.
A Conferência Episcopal do Haiti está em linha com o mais recente apelo “ao fim da violência no Haiti, à paz e à reconciliação” lançado pelo Papa Francisco. “Enquanto aguardamos a constituição dos órgãos institucionais que devem levar a transição a uma conclusão bem-sucedida, convidamos indiscriminadamente todos os haitianos a não alimentarem a violência, porque a violência gera violência, o ódio gera mais ódio e a morte mais morte”, continua a nota. “Toda a destruição atrasa o Haiti na sua marcha em direcção ao progresso que todos desejamos”.
Contudo, o caminho para a pacificação do Haiti é ainda longo. Além das dificuldades dentro do próprio Conselho de Transição, a comunidade internacional pretende enviar uma força policial liderada pelo Quénia para ajudar as novas autoridades haitianas a recuperar o controlo da capital, presentemente nas mãos de cerca de trezentos bandos armados.
Joaquim Magalhães de Castro