O segredo do caminho para a perfeição cristã está em seguir o Senhor sem buscar qualquer interesse humano
Nos últimos Domingos, a Liturgia mostrou-nos que a lógica do mundo é diferente da lógica de Deus. Para não deixar dúvidas disso, Jesus repetiu três vezes que Ele iria subir para Jerusalém para sofrer, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia (cf. 8, 31; 9, 31; 10-33-34). Mesmo após estas palavras tão claras, no evangelho de hoje vemos João e Tiago insistirem em pedir a Jesus para serem recompensados com o destaque no Seu Reino, segundo os modelos humanos, que imaginavam que também seria o de Jesus (10, 36-37). Os outros dez discípulos ficaram indignados com tal atitude (10, 41), seguramente não porque os outros dois não compreenderam a mensagem do Mestre, mas porque também queriam benefícios e honras especiais. Jesus, diante disto, aguardou o momento oportuno para pacientemente recordá-los que o Reino de Deus não traz as recompensas e vantagens normalmente prometidas nos relacionamentos dos homens.
Os discípulos não eram pessoas más. Eles haviam deixado tudo para seguir Jesus e seguramente tinham recta intenção nesta decisão. Pedro, por exemplo, deixou o seu trabalho como pescador, os seus bens, a mulher e os filhos (cf. Mc., 10, 29-30). Contudo, mesmo assim, ele e os seus companheiros ainda persistiam com o desejo de gratificação e vantagens por seguirem o Senhor. Tal leva-nos a concluir que há más tendências enraizadas até no coração dos mais próximos de Deus que precisam ser combatidas por todos nós. São Bento, percebendo-o, dizia que o maior combate na nossa vida deve ser vencer o mal que existe dentro de nós.
Como podemos vencer estas tendências apresentadas no comportamento de João e Tiago? A resposta passa pela compreensão do evangelho de hoje. Por mais que seja, aparentemente, justo o pensamento de que Deus precisa de nos retribuir pelas coisas boas que fazemos, a verdade é que ao fazê-lo estamos a tratá-Lo meramente como nosso servo, característica de um amor interesseiro. Os grandes cristãos, como São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus, entenderam-no muito bem.
O fundador da Ordem masculina do Carmelo Descalço, no seu escrito “Subida ao Monte Carmelo”, diz que o caminho mais seguro e rápido para chegarmos ao céu é o caminho do nada: nada de vaidade, egoísmo, competição e apego. A santa das rosas, também carmelita, ensina-nos que a santidade pode ser adquirida através do caminho da pequena via. Ela costumava dizer que no seu relacionamento com o Senhor gostava de ser como uma bolinha, que Ele poderia jogar e deixar onde Ele quisesse. Dizia que gostava do último lugar porque por este ninguém competia com ela. O que pode parecer um pensamento ultrapassado para os dias de hoje, deu-lhe o raro título de Doutora da Igreja. Alguém poderia questionar como é que uma jovem, que viveu apenas 24 anos – sendo que, praticamente, metade deles passados na clausura –, pode receber este título e estar ao lado de génios como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A resposta foi dada, em 1997, na missa em que recebeu o título de Doutora do Amor, pelo Papa São João Paulo II. Na sua homilia, o Papa afirmou que este título se devia à capacidade de ela ter redescoberto, com a sua pequena via, aquilo que era o coração do Cristianismo, ou seja, o verdadeiro amor.
Para além de termos clareza do que realmente é o Cristianismo, precisamos examinar com sinceridade o que nos move, a raiz dos nossos desejos por recompensas, reconhecimento e destaque. Às vezes isto está ligado à nossa exagerada preocupação sobre o que os outros pensam de nós. A liberdade desse apego seria como um segundo nascimento, como que cortar um cordão umbilical que não nos deixa sermos nós mesmos. Santa Teresinha, por exemplo, conseguiu esta liberdade depois de muito sofrimento. Aconteceu quando, no auge da sua maturidade, disse a si mesma: “eu sou o que Deus pensa de mim”. Com esta frase, percebeu que a verdade sobre ela mesma não estava no que os outros desejavam, imaginavam ou muitas vezes falavam sobre ela, mas sim no que estava no coração de Deus, O único que a conhecia verdadeiramente.
Naturalmente, o que os outros pensam e dizem sobre nós deve ser avaliado, o que pode ajudar-nos no nosso autoconhecimento. Contudo, só Deus conhece, de facto, quem somos. Apenas Ele pode entrar no mais profundo da nossa alma. Só Ele pode dar-nos a vida eterna e a verdadeira felicidade que não se encontra aqui. Se acreditamos em tudo isso, não precisamos lutar por qualquer reconhecimento ou recompensa pelo bem que fazemos. Devemos entregar a nossa vida à oração e serviço ao próximo, motivados exclusivamente no nosso amor pelo Senhor. Como recompensa, basta confiarmos que “Jesus não costuma pagar mal a hospedagem que O recebe bem” (Santa Teresa de Ávila). Peçamos a graça de também nós compreendermos o verdadeiro sentido do que é seguir Jesus, que é Ele mesmo. Isso nos trará paz e evitará decepções desnecessárias.
Pe. Daniel Ribeiro, SCJ