25º DOMINGO COMUM – Ano C – 18 de Setembro

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Da desonestidade à solidariedade: a viagem do administrador sagaz

Durante os últimos anos as políticas anti-corrupção em Macau têm sido reforçadas, afectando a indústria do jogo da cidade que em tempos foi considerada a meca asiática do jogo. É também interessante que, no mesmo período, outra luta contra a corrupção tenha sido travada ferozmente num lugar improvável: o Vaticano. O Papa Francisco teve, de facto, de tomar uma acção extraordinária para enfrentar as práticas ilegais no pequeno Estado e para promover a transparência financeira na Igreja. Estas batalhas morais e jurídicas, em dois contextos totalmente diferentes, sublinham a dificuldade universal que temos em lidar com a riqueza juntamente com a moralidade. A questão é sem dúvida complexa, mesmo para organizações religiosas.

A parábola do Evangelho deste Domingo (Lc., 16,1-13), que tem um administrador desonesto como protagonista, instiga a desconstruirmos esta complexa questão. Surpreendentemente, Jesus elogiou o administrador desonesto por ser «sagaz», um termo que no Grego original também pode ser traduzido como “sábio” ou mesmo “prudente” (como as cinco virgens que levaram óleo extra ou o servo fiel que esperou o regresso do mestre). Sabendo da sua demissão iminente, este administrador reduziu habilmente o montante da dívida de vários devedores do mestre em troca de abrigo. Jesus acaba por fazer algumas observações intrigantes. Os filhos da luz precisam de agir mais astutamente. Deveríamos, então, fazer amigos com recurso a dinheiro desonesto (uma afirmação extremamente forte!). Se não fostes fiéis no que toca a dinheiro desonesto, quem vos há de confiar o “verdadeiro bem”? Nenhum servo pode servir a dois senhores: a Deus e ao dinheiro. Como dar sentido a tudo isto?

Antes de mais, precisamos de nos lembrar que as parábolas em geral não devem ser tomadas à letra. Jesus não nos exorta a imitar o comportamento do administrador desonesto, mas tenta expor princípios maiores, como o uso correcto da riqueza e de outros recursos pessoais. O tema é relevante mesmo na nossa economia global, a qual acumula cada vez mais riquezas nas mãos de uns poucos indivíduos e tende a tratar as pessoas como objectos – usados e descartados, com pouco respeito pela sua dignidade.

Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem apelado a um novo modelo económico que coloque a pessoa humana no centro e reduza as desigualdades, pois os nossos sistemas financeiros tendem a concentrar-se no lucro, causando sofrimento e pobreza em todo o mundo. De acordo com o Papa, devemos antes construir uma economia que tenha no seu coração o bem da pessoa humana, as suas relações básicas e expressões sociais.

Na parábola, o administrador desonesto foi capaz de realizar uma “mudança de paradigma” no seu próprio sistema de valores. No passado, esbanjava riqueza apenas por prazer pessoal. Sabendo que poderia ficar desempregado, percebeu finalmente que a riqueza também serve um propósito social. Mesmo que as suas acções sejam moralmente ambíguas (não é claro se tinha ou não o direito de executar tais descontos), aprendeu que as relações e o prestar atenção às pessoas é mais importantes do que a própria riqueza. Porque ele próprio, uma vez em necessidade, começa a compreender que sem solidariedade uma sociedade não pode resistir.

Mas não será esta uma forma egoísta e anti-ética de agir? Não há uma resposta fácil. Mesmo a prática do “guanxi” na China, ou o conceito de “utang na loob” nas Filipinas, envolvem a troca de favores mútuos, a fim de reforçar os laços de confiança que, por vezes, limitam o comportamento associado à corrupção.

No entanto, embora o administrador desonesto fosse um pecador que procurava satisfazer os seus próprios interesses, transformou sagazmente uma situação má numa situação que beneficiou tanto a si próprio como aos outros. Ao reduzir o montante da dívida do seu mestre, criou um novo conjunto de relações não focado apenas no lucro, mas em algo semelhante à solidariedade recíproca e igualitária entre amigos ou entre aqueles que se encontram em necessidade. As suas acções não são perfeitas, mas está na direcção certa para construir um estilo de vida em que as pessoas, e não o dinheiro, estão no centro.

Ser eticamente correcto no uso da riqueza, e gerir os recursos de forma evangélica, é uma viagem longa e complicada, mesmo para o Vaticano! Mas o administrador desonesto foi «sagaz» e suficiente sábio para dar os primeiros passos nessa direcção. O que é importante é iniciar a viagem.

No meio desta pandemia todos experimentámos o quão vulnerável a nossa economia se tornou, e quão voláteis são os nossos recursos. A corrupção e as transacções sem ética não são a resposta aos nossos problemas. É melhor aprendermos com o protagonista da parábola e, como o Papa Francisco uma vez escreveu, reconhecer “a última ligação entre o lucro e a solidariedade, o círculo virtuoso existente entre o lucro e o dom… Os cristãos são chamados a redescobrir, experimentar e a proclamar a todos esta unidade preciosa e primordial entre o lucro e a solidariedade. Quanto o mundo contemporâneo precisa para redescobrir esta bela verdade!” (Discurso de 16 de Junho de 2014).

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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