Festa da Transfiguração do Senhor
De volta à vida normal, carregamos dentro de nós um pedaço do Paraíso
«Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os conduziu sozinhos a um alto monte. Lá, foi transfigurado diante deles (…) Quando olharam para cima, não viram ninguém, excepto Jesus» (Mt., 17, 1-2, 8)
Há dias, acompanhei um grupo de peregrinos numa visita ao convento trapista no alto da histórica Colina da Penha. O tempo estava superquente e a viagem no autocarro superlotado fez-se encharcados em suor, mas a curta subida até ao convento deu-nos uma sensação de frescura: depois de sermos espremidos pela multidão, finalmente pudemos respirar num espaço tranquilo e sagrado. Espero que os nossos jovens, em Lisboa, que se encontram a participar na Jornada Mundial da Juventude, possam também eles ter alguns momentos revigorantes entre os eventos do concorrido programa.
Imagino que Pedro, Tiago e João sentiram algo semelhante ao chegarem ao topo da alta montanha liderados por Jesus, conforme narra o Evangelho de hoje da Festa da Transfiguração (Mt., 17, 1-9). Os dias anteriores foram para eles bastante desafiadores e cheios de acontecimentos, sobretudo porque Jesus anunciou a sua paixão e morte. Alguns momentos de silêncio e oração para processar todas aquelas emoções foram realmente necessários.
Mas então algo inesperado aconteceu: o rosto de Jesus brilhou como o Sol e as suas vestes ficaram brancas como a luz. O episódio é descrito pelo Catecismo da Igreja Católica como “misterioso”, ou seja, não imediatamente acessível ao nosso entendimento, como, por exemplo, outros milagres. O significado da Transfiguração está intimamente ligado ao da Ressurreição, e somente a partir desse momento os discípulos a compreenderam plenamente.
Durante a sua vida terrena, a divindade de Jesus foi, por assim dizer, velada por sua humanidade. Embora muitas pessoas percebessem Jesus como sendo uma pessoa excepcional, muito poucas entenderam a verdadeira natureza de Seu Ser. Somente na Ressurreição, no Seu corpo Ressuscitado, a divindade e a humanidade de Cristo, como uma, irradiaram totalmente da Glória do Pai. Ao ressuscitar, Jesus foi confirmado como o Filho Amado de Deus.
No entanto, Pedro, Tiago e João, ainda antes da Ressurreição, vislumbraram este mistério: durante a Transfiguração, por um breve momento, a humanidade de Cristo revelou plenamente a sua divindade. Ao aceitar a vontade do Pai, que incluía a cruz, e ao aderir totalmente ao seu plano de salvação, o corpo de Jesus tornou-se totalmente transparente e resplandeceu com a luz da sua glória. Imersos no amor do Pai, nada impedia aquela luz.
Assim é connosco! Quando não colocamos nenhum obstáculo à vontade de Deus para com a nossa vida, e abraçamos totalmente o seu desígnio de salvação, também a nossa humanidade pode revelar, de forma limitada, mas poderosa, a luz da presença de Cristo em nós mesmos. Quando vivemos como filhos e filhas amados de Deus, o amor de Deus resplandece em nós, mesmo que não tenhamos disso consciência. A visita ao convento trapista na Penha comprova-o. A irmã Emmanuelle, que representou a comunidade, gentilmente compartilhou connosco a vida, as alegrias e as dificuldades da sua vocação especial para uma vida contemplativa de oração. O dia da irmã Emmanuelle começa às 3 horas e 30 da manhã na capela, sendo alternada por períodos de oração do Ofício Divino, e de trabalho, meditação e descanso. O toque do sino é um convite constante a “escutar” a voz de Deus para segui-Lo nos momentos diários de oração e trabalho. Por mais de uma vez, referiu que este horário, longe de ser penoso, é uma ajuda de Deus para pessoas como ela, “uma pecadora”, viverem uma boa vida em comunhão com Deus e com as outras freiras.
Perguntei à irmã Emmanuelle se sentia solidão. A resposta foi muito reveladora: «– Só quando sou egocêntrica. Quando tomo consciência disso, a solidão desaparece». Ao dizer estas palavras, o seu rosto – aos meus olhos – estava transfigurado. Vi-a como uma criança totalmente entregue aos braços de Deus e em paz.
Tenho certeza que o leitor já viveu a mesma experiência ao encontrar pessoas semelhantes à irmã Emmanuelle. As pessoas que não são “egocêntricas” têm menos obstáculos na sua relação com Deus e com o próximo, e tornam-se mais “transparentes” à presença de Deus, ao amor de Deus e à Graça de Deus. O mesmo é possível para cada um de nós. Unida a Cristo, a nossa humanidade, na sua limitação e fraqueza, pode de facto revelar ao mundo a luz da glória de Deus em nós.
Ao menos que fôssemos livres o suficiente para deixar um pouco de lado os nossos egos e colocar Cristo e a vontade do Pai no centro! Ainda não vivemos na plena luz da Ressurreição, mas podemos deixar que algum raio dessa luz brilhe por meio da nossa humilde, mas preciosa experiência humana de trabalhar, construir relacionamentos, lutar e orar como filhos e filhas amados de Deus. No final, ainda precisamos voltar ao quotidiano suado e lotado, mas, como Pedro, Tiago e João, carregando no coração um pedaço do paraíso.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ