A inquietação e a graça de ser enviado “dois a dois”
«Chamou os doze e começou a enviá-los de dois em dois» (Mc., 6, 7)
Sou uma pessoa que gosta de trabalhar sozinha. Por isso, podeis imaginar a minha dificuldade em comentar o Evangelho deste Domingo (Mc., 6, 7-13). A opção de Jesus de enviar os discípulos “dois a dois” põe o dedo num ponto frágil da minha personalidade. Não gosto muito deste aspecto binário da Missão.
A maior parte dos comentadores sublinha a conotação cultural da metodologia “dois a dois”. Na lei judaica, só o depoimento de duas ou mais testemunhas era considerado fiável. Ao enviá-los aos pares, Jesus assegurava uma testemunha credível da sua mensagem. Esta é certamente uma boa razão, mas não a última.
Na minha opinião, Jesus não os enviou “dois a dois” apenas por conveniência, para se protegerem mutuamente em caso de perigo e para se ajudarem em caso de necessidade. Não se trata sequer de uma questão de eficácia. É verdade que cada discípulo tem dons e capacidades únicas. Quando emparelhados, podem complementar-se. Trabalhando juntos, podem actuar de forma mais eficaz.
No entanto, suspeito que no Evangelho deste Domingo Jesus não está simplesmente a sublinhar o trabalho em equipa, a vida em comunidade ou a “sinodalidade”, porque aqui não há grupo nem comunidade em sentido estrito, apenas duas pessoas: eu e a outra pessoa. O ponto difícil que Jesus quer que aprendamos é este: aceitar o facto de que o meu testemunho e a eficácia da minha missão não dependem apenas das minhas capacidades, virtudes ou estilo, mas da forma como me relaciono com “aquele” companheiro, não escolhido por mim, mas que me foi confiado pelo próprio Jesus.
O trabalho em grupo é, de certa forma, mais simples, embora seja necessário lidar com mais pessoas. Mais personalidades tornam a dinâmica relacional mais complexa e muitas vezes intrincada. Contudo, num grupo ou numa comunidade maior, se não conseguirmos estabelecer uma ligação com uma pessoa, podemos procurar outra. Se não concordarmos com uma pessoa, podemos encontrar apoio noutra. Em grupos maiores, não precisamos necessariamente de colaborar apenas com um parceiro e é mais fácil encontrar formas de evitar pessoas de quem não gostamos. Em vez disso, numa missão “dois a dois” não há como escapar ao mal-estar de ter de lidar com um único companheiro, que num determinado momento Jesus colocou ao nosso lado no nosso percurso de vida.
Como membro de uma congregação religiosa, preciso de lidar com o princípio “dois a dois” a maior parte do tempo. Ao longo dos anos, aprendi que raramente me é atribuído trabalhar com um companheiro que seja “naturalmente” compatível com o meu carácter e estilo. Quando isso acontece, é sem dúvida uma dádiva pela qual devo estar grato e desfrutar o máximo possível. Mas, na maior parte das vezes, é o contrário que acontece. O companheiro de missão tem, por vezes, um modo de vida e de trabalho muito diferente que realça um outro conjunto de valores.
Mas compreendi que as dificuldades que daí resultam não são um “acidente” ou um “erro de corte”. Pelo contrário, elas escondem as graças que Jesus quer que recebamos, enviando-nos dois a dois. Graças que só surgem quando a relação tem de ser trabalhada no horrível compromisso quotidiano de nos ouvirmos mutuamente, de discutirmos as questões em conjunto, de tentarmos comprometer os diferentes pontos de vista, de sacrificarmos a rapidez e o sucesso por um estilo de acção mais lento e discreto. Tudo isto acontece ao mesmo tempo que se perdoam uns aos outros devido às inevitáveis feridas mútuas que ocorrem no processo. É, na realidade, um processo desgastante, e só aqueles que estão dispostos a passar por ele evitam o perigo de se tornarem protagonistas egocêntricos da missão ou de construírem comunidades formadas apenas por grupos de amigos próximos. Então, podem concentrar-se no Evangelho e não nas suas realizações pessoais ou no seu conforto, e deixar que Jesus surja mais claramente naquilo que fazemos ou dizemos.
No entanto, há que ter em consideração que esta abordagem nem sempre funciona, e as relações “dois a dois” podem tornar-se tóxicas. A Bíblia não esconde a possibilidade de fracassos na manutenção de parcerias. Só para citar um exemplo, a parceria entre Paulo e Barnabé foi fundamental para abrir as portas da Igreja aos gentios. A sua colaboração foi incrivelmente frutuosa. Apesar de tudo, perante certas escolhas, como narram os Actos dos Apóstolos, “as divergências tornaram-se tão fortes que se separaram” (cf. Act., 15, 39). A missão de Paulo prosseguiu na Europa com um outro colaborador, Silas, e foi muito bem-sucedida. Mas o sabor amargo do fracasso relacional permanece. Estes conflitos devem tornar-nos humildes e constantemente necessitados de conversão e de graça. Na prática do Evangelho, até os melhores podem falhar.
Em suma, os apóstolos foram enviados dois a dois para anunciar que todos se deviam arrepender (cf. Mc., 6, 12). E nós, os enviados de Jesus, somos os primeiros a ter necessidade de nos arrependermos. O estilo de missão “dois a dois” é uma lembrança constante e humilhante desse facto.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ