Enviados como amigos descalços por campos dourados
«A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da plantação que mande obreiros para fazerem a colheita» (Lc., 10,2).
Como venho de uma família de camponeses, parte-me o coração ver imagens dos vastos campos de trigo na Ucrânia marcados pela violência da guerra. Crateras dos impactos causadas por explosões de bombas, misseis ou minas, estão a manchar a vastidão dourada dos campos de trigo. Longos rastros de veículos blindados estão a marcar as plantações. Naquele país devastado pela guerra, a colheita está pronta, mas apenas alguns agricultores permanecem para trabalhar nos campos. Aqueles que continuam a colheita têm de se esquivar das bombas e das minas para a terminar.
A colheita pode ser um trabalho perigoso. No Evangelho deste Domingo (Lc., 10,1-9), Jesus envia 72 discípulos (um número bíblico que simboliza todas as nações da Terra) para fazer a colheita «como cordeiros entre os lobos». Que colheita? A seara é composta por todos aqueles que, devido à doença, à pobreza e ao desespero, desejam a cura de Deus, com o Seu poder salvador e amor; aqueles que esperam um novo começo na vida, vivendo mais significativamente sob os cuidados de Deus; e ainda aqueles que estão perdidos e precisam encontrar um caminho para casa. Os 72 discípulos foram enviados para lhes dizer que «o Reino de Deus está à vossa disposição!» (versículo 9). Apesar de todos os seus limites e fragilidades, a presença dos discípulos de Jesus já era o sinal concreto da acção salvadora de Deus entre eles.
Jesus deu instruções precisas para que os discípulos pudessem evitar perigos por forma a proteger a colheita. Eles não deveriam ser como soldados, calcando plantações e pessoas. Deveriam, pois, chegar descalços (não levar sandálias), com delicadeza e discrição. Ele lhes disse para não perderem tempo no caminho e não atraírem a atenção indesejada com bolsas e sacolas. Deveriam aceitar humildemente a hospitalidade que lhes fosse oferecida, sem procurar lugares mais confortáveis. O próprio Jesus assumiu este estilo de ministério: “discrição”, “foco nos objectivos”, “ausência de bagagem (bens materiais)”, e considerou ser importante que os Seus discípulos evangelizassem do mesmo modo. A pobreza não é apenas um sinal de confiança em Deus, mas também um sinal de boas intenções e de respeito pelos anfitriões. «Assim que entrardes numa casa, dizei em primeiro lugar: ‘Paz seja para esta casa!’» (v.5).
A rejeição deve ser aceite com o sacudir da poeira dos pés, como se dissesse que nenhum sentimento mau deve permanecer entre eles. Aceitai e segui em frente: outra grande lição de vida que os discípulos de Jesus têm que aprender. De facto, quando servimos a missão de Deus, por vezes as coisas não saem como o esperado e facilmente caímos em sentimento de fracasso ou frustração. Quantas vezes carregamos sentimentos tão negativos (sou um mau padre/professor/pai!) porque as conversões são poucas, os alunos não ouvem e os nossos filhos e filhas fazem escolhas diferentes das nossas? Quantas vezes olho pela minha janela e vejo a floresta de prédios que compõem o meu bairro, sentindo-me tão impotente, sem saber como evangelizar os meus vizinhos…
Quando nos sentimos desanimados, é essencial percebermos que somos enviados para participar na missão de Cristo, que não é nossa. O próprio Deus completará a colheita à Sua maneira e no Seu tempo. Nós só precisamos de agir e servir em Seu nome.
Há uma comovente passagem do “Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, em que uma raposa explica ao Pequeno Príncipe que só as relações profundas dão sentido ao mundo que nos rodeia. A certa altura, a raposa diz ao Pequeno Príncipe: “Olha: vês os campos de grãos lá em baixo? Eu não como pão. O trigo não me serve. Os campos de trigo não têm nada a dizer-me. E isso é triste. Mas o teu cabelo é da cor do ouro. Pensa como será maravilhoso quando me domares! O grão, que também é dourado, fará lembrar-me de ti. E adorarei ouvir o vento no trigo…”.
Desejo que ao olharmos para a “colheita de ouro” ao nosso redor, seja a nossa família, os alunos, os colegas de trabalho, os membros da igreja ou todos aqueles que vivem no nosso bairro, não tenhamos sensação de cansaço e frustração, porque o trabalho é difícil e o que conseguimos reunir é escasso. Pelo contrário, que a sua presença nos lembre Aquele que nos escolheu e nos enviou, e do Amor com que Ele nos confiou. É verdade que somos poucos e limitados. Mas levamos dentro de nós a memória da amizade de Jesus. Como a raposa no relato, vamos ouvir o som do vento do Espírito a soprar entre a floresta de edifícios desta cidade lotada e alegrar-nos com o pensamento da graça que recebemos. Apesar da nossa miséria, ainda somos os ceifeiros, os sinais vivos de que “o Reino de Deus está próximo”….
Pe. Paolo Consonni, MCCJ