TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (183)

TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (183)

É suficiente que um cristão seja “bonzinho” e “decente”?

Quando estudamos os Mandamentos, quando falamos sobre a bondade ou maldade das nossas acções, não estamos apenas interessados em ser pessoas “boas”, “decentes” ou “respeitáveis”. Esse é o mínimo que se pode exigir. Assim como cuidamos do nosso corpo não apenas para evitar adoecer, mas para podermos desempenhar bem as nossas tarefas; como cuidamos da nossa vida espiritual não apenas para evitar pecarmos, mas para sermos santos. São Paulo, de facto, recorre à imagem do atleta para nos mostrar que a vida cristã não é apenas não perder, mas ganhar; não se trata apenas de não nos tornarmos pecadores, mas de nos tornarmos santos (I Coríntios 9:24-27).

O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica afirma, no ponto 428: “Todos os fiéis são chamados à santidade. Esta é a plenitude da vida cristã e a perfeição da caridade, que se obtém mediante a íntima união com Cristo e, n’Ele, com a Santíssima Trindade. O caminho de santificação do cristão, depois de ter passado pela cruz, terá o seu acabamento na ressurreição final dos justos, na qual Deus será tudo em todas as coisas”.

Quando André Frossard entrevistou o Papa João Paulo II para o seu livro “Não Tenham Medo”, perguntou ao Santo Padre: “O facto é que a moralidade cristã é muitas vezes considerada restritiva, especialmente por aqueles que não a praticam, enquanto outros, tendo-lhes roubado a sua função sobrenatural, construem um Cristianismo meritório, mas sem alegria. Se o papel da moral evangélica não é proibir-nos quanto ao que podemos legitimamente reivindicar, mas dar-nos muito mais do que poderíamos razoavelmente esperar (o ‘Reino dos Céus’), pode-se provar que se trata de uma força libertadora? É essa moral que constrói as pessoas?”.

O Santo Padre respondeu: “desde a minha juventude, (…) sempre considerei e continuo a pensar que a moral cristã é exigente. Este termo – exigente – é importante porque responde às duas perguntas que me colocou depois das suas observações iniciais: primeiro, pode-se provar que a moral cristã é libertadora (e não restritiva)? E em segundo lugar, é essa moral que constrói as pessoas – e eu acrescentaria – que constrói as pessoas reais? Não há dúvida de que há uma diferença essencial entre o termo ‘restritivo’ e o termo ‘exigente’”.

A moral cristã parece impor-nos um conjunto de “não deves”, mas este tem de ser encarado como o treino do corpo “para o subjugarmos”, como diz São Paulo em I Coríntios 9:24 («Não sabeis que entre todos os que correm no estádio, na verdade, somente um recebe o grande prémio? Correi de tal maneira que o alcanceis!»). Subjugar é dominar, e quando alguém domina algo, por exemplo, um instrumento musical, esse alguém é capaz de produzir os mais belos sons. Por outro lado, se ele não o domina, apenas poderá emitir ruído. Em qualquer competição, a maestria contribui para que o desempenho seja excelente e vencedor. Na Arte, o domínio do Meio é um pré-requisito para que a Criação nos conceda obras de beleza.

Mas o domínio requer uma prática constante. Na terminologia cristã, este empreendedorismo é denominado de “luta ascética”. (O adjectivo “ascético” vem da palavra grega askesis, que se refere ao treino dos atletas). No ponto 2015, o Catecismo da Igreja Católica ensina: “O caminho desta perfeição passa pela cruz. Não há santidade sem renúncia e combate espiritual (2 Timóteo 4). O progresso espiritual implica a ascese e a mortificação, que conduzem gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças”.

O propósito deste treino é a união com Jesus Cristo, e o seu objectivo final é a santidade. Todos nós, os cristãos, temos a vocação de ser santos, de deixar Cristo tomar conta das nossas vidas, a ponto de podermos dizer que «já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim» (Gálatas 2:20).

São Josemaría Escrivá escreveu: “O cristão é obrigado a ser alter Christus, ipse Christus: outro Cristo, o próprio Cristo. Através do Baptismo, todos fomos feitos sacerdotes das nossas vidas, ‘para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus através de Jesus Cristo’ (I Pedro 2:5). Tudo o que fazemos pode ser uma expressão da nossa obediência à vontade de Deus e assim perpetuar a missão do Deus-homem” (homilia “É Cristo que passa”, S.J.M.E.)

Pe. José Mario Mandía

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