Uma vida que vale a pena, uma jornada que vale a pena
Já devem ter ouvido falar da expressão chinesa “Lying Flat” (“Tang Ping” em Chinês). Muitos jovens, perante a perspectiva de enfrentar longas e estressantes horas de trabalho mal pago e sobrecarregado, preferem desistir do que consideram ser uma corrida de ratos e simplesmente ficar em casa e não fazer nada, ou fazer apenas o mínimo necessário em termos laborais. Os jovens estão cada vez mais desiludidos com a ideia de se sacrificarem apenas por um pequeno retorno monetário.
Infelizmente, este fenómeno também está presente nos Estados Unidos e na Europa, onde os economistas o descrevem como “A Grande Demissão”, com milhões de trabalhadores a se aposentarem, a se demitirem ou a se recusarem a aceitar empregos que consideram inúteis ou não recompensadores.
Esta atitude é totalmente inconcebível para a geração mais velha que colocou o “esforço no trabalho” no topo do seu sistema de valores, tendo construído uma sociedade na qual o progresso material é o principal impulso motivacional. Proporcionámos melhores condições de vida aos nossos jovens, mas não conseguimos oferecer-lhes algo que pudesse dar sentido à sua existência e aos seus esforços.
E tal acontece apesar dos filmes, dos videojogos e das séries de televisão retratarem constantemente todos os tipos de “modelos-heróis”, que têm força física e destreza, prontos para morrer por uma causa e nunca desistir. No entanto, esta atitude heroica, apesar da sua aparente positividade, não toca o coração dos jovens. «De que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a vida? De facto, o que eles podem dar em troca da sua vida?» (Mc., 8,37). É preciso um motivo muito bom, para além da admiração social, para se sacrificarem dia-após-dia.
No Evangelho deste Domingo (Lc., 9,51-62), Jesus «tomou resolutamente a estrada de Jerusalém», decisão tomada com a consciência de que teria de investir todas as suas energias, até a última gota do Seu sangue, para cumprir esta resolução. Jesus não querer ser mais um herói convencional: Jerusalém é o lugar onde Ele dará a Sua vida por nós com uma atitude não-violenta, como uma oferta de amor. Ele até recusou «mandar descer o fogo do céu» (Lc., 9:54) para destruir os samaritanos que o rejeitaram, principalmente por causa da sua etnia e fé. Este tipo de atitude não é muito popular hoje em dia, quando o fogo está literalmente a chover de cima, seja na forma de bombardeios mortais nas guerras ou na linguagem de ódio nos media sociais. Destruir o inimigo parece ter-se tornado o alvo principal de muitas instituições, em vez de propor objectivos positivos, construtivos e vivificantes.
Os nossos corações são movidos apenas por um desejo maior e abrangente. A Igreja denomina como “vocação” o propósito para o qual fomos criados, o nosso verdadeiro destino. Para Jesus, esse desejo era o de realizar o plano de Salvação para a Humanidade e estabelecer “o Reino de Deus”, que é a misericórdia de Deus no tratamento das nossas realidades feridas e quebradas. Jesus decidiu viver, não como herói, mas como Filho amado do Pai. Os discípulos de Jesus, vivendo os seus passos, sentiram que as suas vidas, os seus trabalhos e esforços, e até mesmo os seus sofrimentos e fracassos, adquiriram grande significado. Nenhum poder especial de herói era necessário, apenas uma abertura ao Seu amor. Aqueles que escolheram seguir Jesus na Sua caminhada sempre foram acompanhados por muita criatividade cheia de entusiasmo. No Evangelho de hoje, Jesus parece verdadeiramente exigente com aqueles que decidiram não correr a corrida dos ratos, nem “ficarem deitados”. A eles disse para não voltaram para trás, a fim de se despedirem das suas famílias ou enterrarem os mortos; para não olharem para trás e não esperarem ficar nalgum tipo de zona de conforto. Quando encontramos aquilo pelo qual vale a pena viver e morrer, a preguiça ou a dispersão inútil de energia simplesmente desaparece e recebemos a graça de uma consciência focada. As palavras duras de Jesus são um lembrete para não perdermos essa preciosa graça.
Há poucos dias, o padre Andrés Díaz de Rábago, um padre jesuíta espanhol, ex-médico, morreu em Taiwan. Tinha 104 anos de idade. A viagem para a “sua Jerusalém” levou muitos anos e desde 1947, quando “se voltou” para o Oriente, deixando o seu país e a sua família com o intuito de servir o povo chinês, nunca mais olhou para trás. Mesmo no último período da sua vida, decidiu não “ficar deitado”, mas manteve-se ocupado com o seu ministério vitalício de visitar os doentes, oferecendo-lhes oração, apoio, consolo e um sorriso alegre. Sem nenhum arrependimento, disse que se tivesse que escolher novamente, ainda assim decidiria viver uma vida de dedicação aos outros. Foi uma vida que valeu a pena ser vivida e uma jornada que valeu a pena. Para viver como ele, não precisamos ser heróis, apenas ser capazes de amar… e continuar a seguir Jesus, que nunca nos deixará sozinhos na nossa jornada ao longo da vida.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ