VIRGEM DE DONG LU É CELEBRADA, APENAS EM MACAU, NO PRIMEIRO DIA DO ANO DA SERPENTE

VIRGEM DE DONG LU É CELEBRADA, APENAS EM MACAU, NO PRIMEIRO DIA DO ANO NOVO CHINÊS

Nossa Senhora da China dá as boas-vindas ao Novo Ciclo Lunar

A diocese de Macau dá as boas-vindas ao Ano da Serpente, na próxima quarta-feira, 29 de Janeiro, com a celebração da Festa de Nossa Senhora da China. A invocação à Virgem de Dong Lu, no primeiro dia do Ano Novo Lunar, é uma tradição litúrgica exclusiva da Igreja Católica em Macau. No resto do mundo, a Solenidade de Nossa Senhora da China é assinalada, desde 1973, no sábado anterior ao segundo Domingo do mês de Maio.

A chegada do ciclo lunar da Serpente é festejada, na próxima quarta-feira, com Missa em Cantonense na igreja da Sé Catedral. Agendada para o início da manhã, a Eucaristia vai ser presidida por D. Stephen Lee. Após a sua conclusão, terá lugar o ritual da Dança do Leão, no adro da Sé. Por sua vez, a Missa pelo Ano Novo Lunar, em Português, está marcada para o final da tarde, com início previsto para as 18:00 horas.

A associação da invocação a Nossa Senhora da China aos festejos do Ano Novo Chinês deve-se ao bispo D. Arquimínio Rodrigues da Costa. Ciente da grande devoção que a Virgem Maria inspira aos católicos chineses, o último bispo português de Macau enviou um pedido à então Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para que a Solenidade de Nossa Senhora da China pudesse ser celebrada no primeiro dia do Ano Novo Lunar, de modo a que o novo ano fosse confiado à protecção da Virgem Santíssima. «Durante a Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio XII aprovou a celebração da Festa de Nossa Senhora da China, Rainha Celeste do Povo Chinês, a 31 de Maio. Em 1973, a Conferência Episcopal de Taiwan [China] pediu que o título atribuído à Festa fosse alterado para “Festa de Nossa Senhora da China” e que a celebração litúrgica passasse a ser feita no sábado anterior ao segundo Domingo de Maio, ou seja, antes do Dia da Mãe. No que toca a Macau, o que aconteceu um ano depois em Portugal conduziu a nova mudança», explicou a’O CLARIM o professor da Universidade de São José, Andrew Leung. «A Revolução dos Cravos, em Abril de 1974, levou a que Portugal abrisse mão das suas províncias, incluindo Macau. Apesar de continuar a governar o território, Portugal deixou de reclamar soberania sobre Macau e em resposta às mudanças políticas, D. Arquimínio procedeu a vários reajustamentos. Nessa altura, vários membros do clero diocesano, tendo como exemplo a Festa de Santa Maria, Mãe de Deus, celebrada a 1 de Janeiro, propuseram que a Festa de Nossa Senhora da China fosse observada no primeiro dia do novo Ano Lunar, com a aprovação da Santa Sé. Esta é a razão pela qual a diocese de Macau é o único local que celebra a Festa de Nossa Senhora da China na altura do Ano Novo Lunar», acrescentou o docente da Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da USJ.

IMPERATRIZ CELESTIAL

Tradicionalmente representada com os trajes imperiais chineses, a imagem de Nossa Senhora da China – designação pelo qual é denominada a aparição da Virgem Santíssima na localidade de Dong Lu, na província de Hebei, em 1900 – distingue-se das demais invocações marianas pela magnificência que inspira. Nossa senhora traja o manto habitualmente associado à Dinastia Qing, e o Menino Jesus, ao seu colo, calça sapatos tipicamente chineses, envolto numa túnica vermelha, atravessada por uma faixa roxa, ao estilo dos imperadores. Uma pomba esvoaça sobre o seu peito, simbolizando o Espírito Santo.

A serenidade e a piedade filial que a imagem irradia parece evocar traços da iconografia budista, mas a hipótese divide os especialistas. Para Richard Madsen, professor emérito de Sociologia na Universidade da Califórnia, em San Diego, e autor do livro “China’s Catholics: Tragedy and Hope in an Emerging Civil Society”, a forma contundente como os católicos chineses abraçaram a devoção a Maria deveu-se, em parte, à semelhança de Nossa Senhora com algumas das divindades budistas. «A devoção mariana é, de facto, muito forte na China. Era um desígnio igualmente forte nos missionários europeus que se fixaram na China, no Século XIX. Já antes havia devoção a Maria, mas creio que estes missionários tornaram esta devoção ainda mais forte», disse o académico norte-americano. «Havia grandes contrastes, mas também importantes traços de compatibilidade com a cultura chinesa. Por exemplo, em Xangai, uma grande parte daqueles que se converteram ao Catolicismo eram pescadores. As gentes do mar tinham uma grande devoção a Guanyin, conhecida em Macau como Kun Iam, que os protegia dos perigos. Mas o bodhisattva budista teria exigido que o primeiro preceito, o de não matar seres sencientes [que têm sensações], fosse mantido. Kun Iam, como se sabe, é representada como sendo mulher e os pescadores acabaram por desenvolver uma grande devoção a Maria, Estrela do Mar», notou o mesmo académico.

Para Andrew Leung, porém, a iconografia habitualmente associada a Nossa Senhora de Dong Lu não é tanto fruto de um processo de sincretismo religioso, mas mais de circunstâncias históricas bem definidas. Segundo ele, as convulsões que afectaram a China entre o final do Século XIX e o início do Século XX terão contribuído para o enraizamento da devoção mariana entre os católicos chineses. «Em Junho de 1900, durante a Revolta dos Boxers, uma multidão atacou a aldeia de Dong Lu, onde havia uma comunidade católica fundada por missionários vicentinos. Os moradores rezaram fervorosamente e pediram a Nossa Senhora que os protegesse. Os invasores lançaram 44 ofensivas, mas não conseguiram tomar a aldeia. Uma lenda colocada a circular na altura alega que Nossa Senhora, vestida de branco, apareceu; e que um cavaleiro, envolto em chamas, perseguiu os invasores e protegeu a aldeia. São muitos os académicos que defendem que a crença de que Nossa Senhora protegia os católicos contra as perseguições ajudou a fortalecer a devoção mariana na China», salientou Leung.

Os acontecimentos de Donglu depressa se tornaram um farol de esperança para as comunidades católicas espalhadas pela China, com a Virgem Maria a ser aclamada pelos devotos chineses como “Rainha Celestial”. A denominação ganhou uma imagem adequada a essa dimensão pela mão de um sacerdote francês. «Alguns anos depois da revolta dos Boxers, o padre René Flament tornou-se responsável pela comunidade de Dong Lu. O sacerdote convenceu-se de que a imagem, até então usada, não era suficientemente boa, e incumbiu um pintor francês de criar uma nova imagem para Nossa Senhora, definindo de antemão alguns princípios que o artista teria que seguir», contou ainda Andrew Leung. «O primeiro deles é que a Virgem Maria devia vestir o traje de imperatriz da China, de modo a que as pessoas, tanto na China, como fora dela, pudessem reconhecer a elegância e a graça de Nossa Senhora assim que vissem a imagem. O pintor decidiu adoptar o traje da imperatriz viúva Cixi como modelo para a imagem de Nossa Senhora. A representação de Nossa Senhora de Dong Lu, tal como a conhecemos actualmente, data de 1908», concluiu o professor.

Marco Carvalho

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