O “Pai Nosso”: perdoar, perdoando

O “Pai Nosso”: perdoar, perdoando

O Pai Nosso leva-nos primeiro a Deus, Nosso Pai; depois, a nós próprios – às nossas necessidades e às dos nossos vizinhos. Na primeira coluna, pedimos a Deus, nosso Pai, que nos dê o pão de cada dia. Agora pedimos-lhe que perdoe os nossos pecados: Ele perdoa, mas com uma condição: temos de perdoar aos outros. Perdoa-nos os nossos pecados, porque nós perdoamos a todos (cf. Lc., 11, 4). Assim, o Pai Nosso leva-nos ao perdão, tão essencial na nossa vida cristã – e para a nossa felicidade.

O perdão é simplesmente “a expulsão do ódio, a rejeição de desejar o mal ao outro. É a esperança na conversão do criminoso” (E. Lasarre). Perdoar os outros é uma caraterística do verdadeiro amor humano e divino (caridade) e uma qualidade essencial da paz interior. Como discípulos de Jesus, amamos todos com amor de perdão: quem ama verdadeiramente, perdoa! A caridade é a maior virtude geral, e a misericórdia ou compaixão é a maior virtude em relação ao próximo. A compaixão é um efeito da caridade com paz e alegria, e inclui duas coisas: o perdão e a esmola. Santo Isidoro de Sevilha: “Todos podem e devem perdoar aos outros, incluindo aqueles que não têm pão para partilhar com os outros”.

Jesus diz: “Se perdoardes as faltas dos outros, o vosso Pai celestial perdoar-vos-á as vossas. Se não perdoardes aos outros, também o vosso Pai celeste não vos perdoará” (cf. Mt., 6, 14-15). Recordemos a parábola do servo que não perdoa (cf. Mt., 18, 21-35), que Jesus conclui assim: “Assim fará também meu Pai celeste a cada um de vós, se não perdoardes de coração ao vosso irmão ou irmã” (cf. Mt., 18, 35). São Paulo pede aos discípulos de Jesus: “Assim como o Senhor vos perdoou, assim também vós deveis perdoar” (cf. Col., 3, 13). “Sede bondosos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como Deus em Cristo vos perdoou” (cf. Ef., 4, 32).

Odiar o pecado, amar o pecador, seja ele quem for. Certamente, o amor autêntico é o amor que perdoa. Examinemos as várias formas como as pessoas perdoam aos outros – e a si próprias.

(1) Algumas pessoas são capazes de perdoar tudo. A nossa fé pede-nos que perdoemos a todos, incluindo os nossos inimigos. Estamos a falar aqui do perdão pessoal na perspectiva da fé. (O perdão social é diferente e implica o cumprimento da justiça social. Mas, ainda assim, sem perdão não haverá paz social – como nos ensinou repetidamente São João Paulo II –, e sem perdão, a raça de Caim continuará!).

(2) Outros dizem que perdoam, mas não esquecem. “Eu perdoo, mas não esqueço”. Então não perdoas! Não esquecer implica responder a um mal com outro mal. Perdoam, dizem eles, mas não esquecem, ou seja, continuam ressentidos, e podem alimentar certo desejo de retaliação, de vingança, de “olho por olho”, o que não é uma boa opção (cf. Papa Francisco, Fratelli tutti, n.os 50-54).

O verdadeiro perdão cristão implica esquecer a ofensa como ofensa. Deus esquece os nossos pecados perdoados. O Profeta rezou: Senhor, “lançaste para trás das tuas costas todos os meus pecados” (cf. Is., 38, 17; cf. Sl., 79, 8). A história oriental da mulher vidente cujas visões mensais de Deus não eram acreditadas pelo seu pároco. Cansado das suas muitas visitas, o padre disse-lhe: “Está bem, eu acredito em ti se Deus te contar os meus pecados secretos”. Na sua visão seguinte, a mulher perguntou a Deus. Mais tarde, ela respondeu ao padre: “Perguntei a Deus e Ele disse-me que se esqueceu dos teus pecados.” Cristo perdoou aos carrascos que o crucificaram: “Pai, perdoa-lhes”; até os desculpou, “porque não sabem o que fazem” (cf. Lc., 23, 34). Como seus seguidores, tentamos fazer o mesmo. Santa Teresa de Ávila diz que Deus perdoa e esquece, que não se lembra da nossa ingratidão (“Libro de la Vida”, capítulo 19, n.os 4 e 14).

Podemos perguntar-nos: como é que me posso esquecer? Tenho uma boa memória! Tal como alguns teólogos, também eu acredito numa outra formulação: em vez de esquecermos os pecados dos nossos ofensores, lembramo-nos deles de outra forma – como perdoados. Gosto de dizer: recordar a ofensa do outro como uma ferida curada. Talvez fique uma pequena cicatriz, mas não é nada doloroso. Lembro-me das palavras de um filósofo, talvez Séneca: “Dois não lutam se um não quer; e o que não quer vence”.

(3) Outros ainda perdoam se o infractor lhes pedir. Questão: Será que só perdoamos aos infractores quando eles nos dizem que estão arrependidos? Resposta: Não! Deus perdoa-nos sempre, se nos arrependermos; mas nós não somos Deus. De facto, todas as noites, no início da nossa Oração da Noite, pedimos a Deus que nos perdoe e perdoamos aos nossos ofensores durante o dia, incluindo aqueles que não nos disseram “desculpa”.

(4) Alguns não se perdoam a si próprios: “Eu não me perdoo a mim próprio”. Todos nós – pecadores – cometemos erros e podemos ter cometido pecados mais do que veniais, talvez na nossa juventude – ou mais tarde. Depois disso, podemos culpar-nos: Como é que eu podia ter feito isto? A seu tempo, reconhecemos os nossos pecados, confessámo-los, e Deus perdoou-os e esqueceu-os. Alguns de nós sugerem esquecer completamente os pecados perdoados. São Francisco de Sales diz que Maria Madalena, depois de ter sido perdoada por Jesus, nunca mais olhou para o seu passado mau. Outros preferem recordar os seus pecados passados para se arrependerem mais profundamente. Pessoalmente, esforço-me por me concentrar no presente e caminhar – por vezes coxeando – em direcção ao futuro com passos de amor fiel, orante e esperançoso.

Rezar bem o Pai Nosso, aconselha-nos Santa Teresa de Ávila, implica não nos separarmos do Mestre que no-lo deu (“Caminho de Perfeição”, 24, 5). Rezá-lo bem implica atenção e devoção. Como todas as boas orações vocais, que são também orações mentais, o Pai Nosso implica saber quem reza, a quem reza e o que diz. Quem está a rezar? Todos nós, pecadores. O que é que dizemos? Pedidos diferentes.

Com quem estamos a falar? A Deus, nosso Pai. Para o rezar bem, diz Santa Teresa de Ávila: Deus está em toda a parte e dentro de nós, por isso, “coloca-te na solidão e olha para dentro de ti, e não te admires de tão bom hóspede; mas com grande humildade fala-lhe como a um pai, pede-lhe como a um pai, fala-lhe das tuas obras, pede-lhe remédio para elas, dá-te conta de que ninguém merece ser seu filho ou filha”. Mas, por favor, acrescenta Teresa, não a rezeis à pressa, como se quisésseis acabá-la o mais depressa possível e repeti-la (“Caminho de Perfeição”).

Uma paráfrase impactante do Pai Nosso que li há algum tempo (penso que é da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal da Índia):

“Pai nosso que estais na terra. Que o teu nome seja honrado por todas as pessoas…!

Dá-nos a coragem e a imaginação para criarmos um novo modo de vida.

Dá pão aos famintos e, aos que têm pão, dá fome do pão da vida.

Perdoa-nos quando o nosso amor é calculista; quando desfrutamos do fruto da terra, mas não cuidamos do suor que o regou.

E não nos deixes falhar na prova, colaborando com os fortes contra os fracos.

Mas salva-nos do maligno em acção…”.

Pe. Fausto Gomez, OP

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