Nos repousos de São Francisco Xavier

Nos repousos de São Francisco Xavier

No Verão de 1997 cheguei a Malaca, na Malásia, ido de Singapura. Durante os preparativos para a viagem, feita na companhia do meu irmão e de amigos, muitas vezes ouvi falar da Famosa – a fortaleza construída na outrora feitoria/colónia portuguesa na Península Malaia.

A receber o visitante está um aglomerado de pedra, formando um arco – é uma porta, na realidade –, sendo o que pouco resta da fortaleza dos portugueses. Uma observação mais atenta permite-nos descobrir alguns (poucos) segmentos da muralha, perdidos na hoje cidade de Malaca.

Subimos até às ruínas da igreja de São Paulo. À entrada, uma estátua de São Francisco Xavier. Falta-lhe o antebraço direito. Mas por que razão está uma estátua do Apóstolo das Índias plantada no adro da igreja? A resposta é simples: o Santo repousou na igreja de São Paulo, após a sua morte na ilha de Sanchoão, na China. E pouco mais nos foi explicado…

Sete anos volvidos da passagem por Malaca, aporto em Macau para trabalhar. Já em funções n’O CLARIM, descubro, por via das circunstâncias, que parte do braço (úmero) direito de São Francisco Xavier se encontra num relicário, exposto na igreja do Seminário de São José. Eis a história: há largas décadas, o corpo (relíquias) de São Francisco Xavier, que repousa em Velha Goa, revelou sinais de decomposição. Com receio de que as relíquias se viessem a perder, foi contactada a família que realiza o embalsamamento dos Papas antes destes serem sepultados. De Itália, os peritos viajaram até Velha Goa e decidiram extrair o sangue do corpo de São Francisco Xavier (mesmo que não tenham retirado todo o sangue, há testemunhos que afirmam que o corpo mirrou) e remover o braço direito. Passados poucos dias, uma tempestade atingiu Malaca e um raio cortou um galho de árvore que foi cair, precisamente, em cima do braço direito da estátua do Santo. Coincidência ou algo mais? Nunca o saberemos!

Em resultado da extracção do braço direito, foi oferecido o úmero (ou parte dele) à diocese de Macau, em reconhecimento dos esforços empreendidos pelas autoridades civis e eclesiásticas locais que permitiram transportar o corpo de São Francisco Xavier desde a China até Malaca. Se os restos mortais estiveram em Macau, ninguém o pode afirmar com toda a certeza, mas a realidade é que teve de ser preparado um barco para o efeito, não havendo estaleiros com capacidade técnica para o efeito, à excepção de Macau… Pensa-se, pois, que o Santo terá sido transportado num barco mais pequeno até ao território e daqui zarpado para Malaca.

Tendo já visitado Malaca e encontrando-me a viver em Macau, foi com agrado e emoção que visitei a ilha de Sanchoão, num fim-de-semana solarengo. Inserido num grupo de pessoas, subi até ao monte onde foi construída uma capela no local onde São Francisco Xavier faleceu. No seu interior praticamente só existe a pedra tumular onde o Santo foi sepultado, logo após ser chamado para junto do Pai.

Completada a visita à ilha de Sanchoão, só restava mesmo concluir a peregrinação aos locais onde o corpo de São Francisco Xavier esteve após a sua morte. A oportunidade surgiu, finalmente, no ano passado, aquando do anúncio definitivo das datas em que as relíquias iriam ser expostas ao público – acto que apenas tem lugar de dez em dez anos. No dia 17 de Dezembro, uma delegação d’O CLARIM foi recebida pela organização da Exposição das Relíquias, na Sé Catedral de Goa e Damão.

Após 27 anos do primeiro contacto com a história de São Francisco Xavier, eis que este ali estava diante dos meus olhos – em carne e osso, literalmente! De pé, em sinal de respeito, virado para a urna de vidro, rapidamente me vieram à memória todos os momentos de um filme que começou a ser “filmado” em 1997, na cidade de Malaca, continuou em Macau e na ilha de Sanchoão (São João, nome colocado pelos portugueses), e foi concluído em Velha Goa.

José Miguel Encarnação esteve em Goa com a colaboração da Fundação Oriente

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