Santo Padroeiro de Macau, do Porto e de tantos outros lugares
São João Baptista é o Santo Padroeiro de Macau, ainda que reine, em fé e na folia, noutras paragens da lusofonia universal. Nasceu em finais do Século I a.C., em Ein Karem (no antigo Reino de Herodes), hoje um bairro de Jerusalém. Faleceu entre 29 e 36 (Era Cristã), em Maqueronte (na Tetrarquia herodiana), hoje Mukawir, na actual Jordânia.
Além da Virgem Maria, João Baptista é o único santo de quem a Liturgia celebra o dia do nascimento terreno, não o da morte na Terra, ou seja, do nascimento para o Céu. João, o “Precursor” de Jesus, é uma figura importante na História da Salvação, na transição do Antigo para o Novo Testamento, como Precursor de Jesus, sendo um profeta de ambos os Testamentos. Era o filho “milagroso” de Zacarias e de Isabel, já de provecta idade e sem possibilidade de terem filhos. Graças a Lucas e ao seu Evangelho, onde se narra uma complementaridade entre as infâncias de Jesus e de João Baptista, a Liturgia celebra até hoje o nascimento de ambos numa correspondência astronómica, com Jesus no Solstício de Inverno e o João no Solstício de Verão.
Zacarias era um sacerdote e Isabel era prima de Maria. A João se deve o baptismo e conversão de gentios, que se tornará depois um rito a partir do mesmo acto perante Jesus no Rio Jordão, reconhecendo o primo como o verdadeiro Messias. Eremita, embrenhou, viveu no deserto, como pregador virtuoso, fora do mundo, mas conhecendo-o sobejamente. Por isso acabou a criticar Herodes Antipas por ter cometido adultério com Herodíades, a sua cunhada, tendo sido preso e decapitado, a pedido de Salomé, sobrinha do rei e filha de Herodíades. O historiador judeu-romano Flávio Josefo refere o episódio nas suas Antiguidades Judaicas. Além disso, tanto o Judaísmo como o Islão recordam o suplício do Baptista. Os muçulmanos, com efeito, têm-no como um profeta, nabi, denominando-o de Nabi Yaḥyā ibn Zakarīyā, ou seja, “João, filho de Zacarias”. Foi mesmo um dos profetas que Maomé conheceu na sua noite do Mi’raj, a noite de ascensão aos Sete Céus.
O São João é festejado a 24 de Junho, mas a Festa começa no dia anterior. Em Macau, como na cidade do Porto, no Brasil, nos Açores… Em Portugal, de facto, além do Porto, também é festejado rijamente em Alcácer do Sal, Almada, Angra do Heroísmo, Braga, Tavira…
A origem da Festa tem também raízes pagãs, de celebração do Solstício de Verão e da fertilidade, assim como das colheitas e da abundância. A Igreja, à semelhança de outras festas pagãs (Carnaval), cristianizou a festa (provavelmente ainda antes do Século XIV), personalizando-a na figura de São João (o Baptista, no caso, embora possa ter sido outro João…). Os mouros que viviam em Portugal celebravam também o Santo, o que lhe confere antiguidade, atestada por Fernão Lopes.
Na cidade do Porto, a Festa tornou-se cada vez mais rija e foliona. Alhos-porros, ramos de cidreira, ou limonete, martelos de plástico em vez do alho-porro, balões de ar quente a encher a ruidosa noite de São João, são algumas das tradições, a par das fogueiras para saltar, menos em voga hoje, ao contrário dos manjericos com uma pequena bandeira espetada (com versos populares). As cascatas sanjoaninas, quais presépios animados, ainda subsistem nos bairros populares. E depois vem o fogo-de-artifício da meia-noite, além dos bailes, farturas, festas por toda a cidade, com vinho, caldo-verde, boroa e carnes grelhadas.
Em Macau, desde 1622, que São João Baptista é o Padroeiro da Cidade, instituído pelo Leal Senado para lembrar a vitória sobre os holandeses, como agradecimento pela vitória lusa sobre estes, aquando da sua invasão. São João é assim o espírito luso e cristão de Macau, pela Festa, virtude e coragem; pela tenacidade e simplicidade. Em Macau é festejado na forma de um arraial, cuja denominação oficiosa do evento é “Arraial de São João (聖約翰節), Saint John Festival”. É, acima de tudo, um festival tradicional, de comunidade (lusófona), uma celebração de uma data que, numa qualquer osmose, se “confunde” com a Festa do Santo. Este veio “à boleia” da vitória dos portugueses sobre os holandeses, em Macau, a 24 de Junho de 1622. Um punhado de bravos, entre portugueses reinóis, macaenses (“filhos da terra”) e alguns chineses, desbaratou por completo mais de oitocentos holandeses superiormente armados e muito mais preparados, um verdadeiro contingente militar. Foram derrotados pelos abnegados portugueses, ungidos pela sua coragem e inspirados pelo Santo; acreditando muitos que pela bênção de Baptista. O dia 24 de Junho viria mais tarde a ser designado como Dia do Padroeiro de Macau, depois até como Dia da Cidade de Macau, principalmente depois de 2007, no Arraial do Bairro de São Lázaro.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa