Promoção de vinhos portugueses no sul da China

Vinho com Alma

Por iniciativa do empresário Gonçalo Nuno Bello, representante na China dos vinhos “Infinitae”, entre outros produtos, decorreu no Delta do Rio das Pérolas, na província de Cantão e em Macau, uma promoção comercial que primou pelo seu pioneirismo, e pretende ter continuidade num futuro próximo. A ideia foi associar ao néctar dos deuses a mais expressiva e divulgada forma musical do ser lusitano. Falamos do Fado, evidentemente.

O périplo teve início no restaurante Hanz, situado na Kangle Road, em pleno centro financeiro de Cantão, espaço estritamente vocacionado à promoção de vinhos de todo o mundo. O “Infinitae” integra um conjunto restrito de marcas internacionais servidas nesse estabelecimento, por sinal, bastante bem cotado entre os mais exigentes apreciadores de vinho do Império do Meio, uma “tribo” que não pára de crescer.

Para bem suceder na sua empreitada, Gonçalo Bello fez-se acompanhar por Marco Bello, amigo e designer pessoal, «há dezenas de anos», e Júlio Videira, presidente da Sabalar, sociedade industrial de alimentos sedeada na região de Lisboa. Aliás, serviu a iniciativa para comprovar o quão bem convivem o vinho e os produtos alimentícios pré-congelados (rissóis, empanadas, pastéis de bacalhau), naturais aliados numa boa mesa à portuguesa. Escusado será dizer que foi, à partida, uma aposta ganha. O mesmo se pode concluir em relação à feliz parceria vinho-fado.

Pretendeu-se que o evento falasse por si, daí não ter havido qualquer preocupação em divulgá-lo juntos dos Meios de Comunicação Social da Região Administrativa Especial de Macau, optando-se pelo passa a palavra. Revelar-se-ia eficiente a estratégia, pois as iniciativas agendadas para os quatro espaços de restauração do território – três na ilha da Taipa e um na ilha de Coloane, – em quatro diferentes noites, tiverem casa cheia.

Para abrilhantar o acontecimento, Gonçalo Bello trouxe consigo João Tenreiro, representante da velha tradição do fado castiço, que seria acompanhado, à guitarra, por Jorge Silva, e, à viola de fado, por Miguel Monteiro, dois dos melhores intérpretes do género em Portugal. Com vasto currículo, tanto nas actuações ao vivo como em gravações de estúdio, ambos os músicos colaboraram já, e por diversas ocasiões, com os intérpretes mais sonantes do fado nacional.

No restaurante “Petisqueira”, pela sua dimensão, espaço propício à tertúlia, fez-se sentir o dedilhar da guitarra portuguesa, estavam ainda os convivas, findo o repasto, em amena cavaqueira. Surpreendidos, ao início, cedo se renderiam ao encanto do trinado das cordas. E assim, naturalmente, «o fado aconteceu», como diria João Tenreiro. O método familiar, quase intimista, adoptado por este fadista à moda antiga, que se aproximava das mesas, dialogando com as senhoras (a quem por norma os fados são dedicados), deixou rendido não só o público português, mas também o chinês, jovem na sua essência, que se demorou à mesa mais tempo do que o habitual. Os outros, os resistentes, ajudariam a prolongar a noite até quase de madrugada. Num dos intervalos, houve até um momento inédito, pois os músicos decidiram interpretar um tema na rua, desafiando a humidade, elemento dissonante quando o assunto são cordas. Vocais ou outras.

A segunda sessão aconteceu, na noite seguinte, algumas dezenas de metros mais adiante, no emblemático restaurante “O Santos”, que para o efeito reservou todo o andar de cima. Ou seja, as pessoas presentes tinham chegado, de armas e bagagens, preparadas para o fado. Algumas delas deram até um ar da sua graça, folgando a voz do João Tenreiro, num espaço, todo ele um convite à confraternização entre iguais. Dos espontâneos, saliente-se aqui as duas vozes femininas, a evocação masculina (claro está!) a Coimbra e a prestação do proprietário, ex-marujo e benfiquista convicto; isto para além da de um primo seu, de passagem pelo território, que ali teve oportunidade de reviver os seus anos dourados na arte do bem cantarolar.

Totalmente diverso seria o ambiente na noite seguinte, no aprazível restaurante “Miramar”, verdadeiro refúgio gastronómico, como o nome indica, junto à praia de Hac Sa. Com a casa apinhada de gente (o “Miramar” é o maior restaurante português de Macau), maioritariamente comensais chineses, o desafio subiria para um outro patamar, até porque a acústica, devido à dimensão do espaço, estava longe de ser a melhor. «Quando assim é, torna-se difícil fazer o fado acontecer», comentava João Tenreiro. No entanto, pese o contratempo, o fado voltaria a acontecer. Prova disso, os muitos e nada rogados aplausos dos chineses – confrontados pela primeira vez com semelhante género musical – reunidos ali em família, à volta de enormes mesas, na boa tradição oriental. Também no “Miramar” vozes avulsas viriam ajudar a colorir e alongar a festa.

Na última das iniciativas – de novo na Taipa, de novo num espaço acolhedor, – no restaurante “Tacos”, misto de comida portuguesa e mexicana, viajamos literalmente até aos tascos do Bairro Alto e da Alfama, onde quase não sobra espaço entre as mesas, tal é o aperto. A um canto, fadista e guitarristas, mais próximos do que nunca dos seus ouvintes, esmeraram-se como sempre, e a sessão prolongar-se-ia, pela quarta vez, até às tantas. O espectro dos convivas seria, dessa vez, ainda mais internacional. Nos intervalos, que as melopeias e as ovações permitiam, ia-se escutando algum Russo e algum Inglês, para além das duas línguas oficiais do território.

O poema de um fado composto propositadamente para esta deslocação a Oriente, devidamente traduzido para Chinês, que João Tenreiro teve o ensejo de distribuir entre os ouvintes, sempre que actuou, traduz na perfeição o espírito presente ao longo dessas memoráveis noites de promoção do vinho “Infinitae”. Aqui fica ele, em jeito de acorde final desta prosa: “O Fado quer dizer saudade / Nas ondas da liberdade / dá asas à nossa voz / o Fado tão português / traduzido em chinês / é amor dentro de nós / só por isso canto o fado / sou fadista afinado / sou artista maravilha / saúdo Macau e China / com um abraço apertado / nos versos do Xico Rasquilhas.”

Joaquim Magalhães de Castro

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