Joaquim Paço d’Arcos, romancista, dramaturgo, poeta e ensaísta

Mundividência a Oriente

Continua a ser, injustamente, um dos autores mais ignorados da Literatura Portuguesa do século XX, embora conte no currículo com um invejável rol de obras traduzidas nas mais diversas línguas – Alemão, Espanhol, Francês, Russo, Finlandês, Inglês, Romeno e Sueco, entre muitas outras. Referimo-nos a Joaquim Paço d’Arcos.

Joaquim Paço d’Arcos, de seu verdadeiro nome Joaquim Belford Correia da Silva, filho do governador de Macau Henrique Correia da Silva Paço d’Arcos (1918-1923), abordou temáticas orientais em dois dos seus livros, “Amores e Viagens de Pedro Manuel”, de 1935, e “Navio dos Mortos e outras Novelas”, de 1952, este último centrado na questão do tráfico dos cules, essa nova forma de escravatura inventada nos finais do século XIX, assim a descreve o escritor, lembrando a importância que os chineses atribuem, «mania confucionista», ao lugar onde nasceram: «Eu vi-o (a Siu-Chan) sempre marcado pela legenda o tráfego dos mortos. Desde Cuba onde substituiriam os negros nas plantações de açúcar, às ilhas do Pacífico e do Índico, onde são pescadores e artífices, pela costa ocidental das Américas até à Califórnia, onde constituem colónia rica e numerosa, por infindáveis paragens se espraiam os chineses, obreiros e fugidos à penúria do País natal. A toda a parte chegam, garotos ainda, homens feitos, anciãos. Mas depois têm de voltar, se não em vida, pelo menos na morte».

A trama de “Navio dos Mortos e outras Novelas”, que conheceu várias edições em Portugal, anda em torno do assassinato da filha de um abastado negociante de Macau trazida de volta à terra natal, num caixão, por um navio a essa função destinado.

«Foram as milhentas almas, recolhidas com os milhentos cadáveres, ao longo de inúmeros portos do Índico e do Pacífico que fizeram a fortuna do velho Siu-Chan. Todos os anos, as sociedades lutuosas, que velam pela manutenção do culto dos mortos, lhe fretavam o navio; o valor do frete dependia do número de caixões cujo transporte previamente se assegurara. Por alturas de Março, o navio abalava de Hong Kong; cerca do fim do ano regressava com o seu valioso carregamento de ataúdes; escalava também em Macau, onde numa sombria tarde de trovoada o vi aproximar-se do porto lodoso».

Nascido em Lisboa no dealbar do século, 1908, Joaquim Paço d’Arcos rumaria a África quatro anos depois, já que o progenitor fora nomeado governador do distrito de Moçâmedes. Mas o seu destino estender-se-ia mais a Oriente. Em 1919, chega a Macau, após demorada travessia marítima, e aí permanecerá até 1922, tendo sido aluno do cardeal D. José da Costa Nunes, que logo se apercebeu da sua propensão para a escrita. Os anos no território marcaram-no profundamente e dar-lhe-iam a tarimba que se repercutirá mais tarde nas páginas dos seus livros.

De regresso à metrópole, encontra emprego num banco inglês e, dois anos depois, acompanha o pai até Moçambique, desta feita como seu secretário. Em seguida, após uma estadia no Brasil, onde exerce mister de jornalista, entre outros, ingressa na Companhia Nacional de Navegação e, em 1936, é nomeado chefe dos Serviços de Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cargo que ocuparia até 1960.

Sobre a sua mundividência, escreveu o ensaísta Eugénio Lisboa: «Tendo vivido, desde muito novo, em África e no Extremo Oriente e, mais tarde, tendo passado largas temporadas nos Estados Unidos, toda essa mundividência virá a impregnar, com naturalidade e fluência, o tecido sedutor da sua narrativa curta. Paço d’Arcos fala, repito, com naturalidade, desses mundos diversos, como habitante de direito e não como viajante superficial ou como internacionalista pacóvio e contente».

Paço d’ Arcos não foi apenas um autor bastante traduzido no seu tempo, era também profusamente lido – nos anos 40 e 50 – e conta no currículo com várias menções literários, de destacar, em 1938, pelo seu romance “Ana Paula: perfil duma lisboeta”, o Prémio Ricardo Malheiros, troféu da Academia das Ciências de Lisboa, visando estimular a cultura e a criação literárias em Portugal, que autores como Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro e Alves Redol receberem de bom grado, mas que o nosso autor acabaria por recusar. O mesmo não se passou quanto ao reconhecimento pelas suas obras “Amores e Viagens de Pedro Manuel”, Prémio Eça de Queirós; “Neve sobre o Mar”, 1942, prémios Fialho de Almeida e Gil Vicente; e “O Braço da Justiça, peça em nove quadros”, 1964, Prémio Casa da Imprensa.

A respeito de uma das suas obras mais conhecidas, o conjunto de seis romances “Crónica da Vida Lisboeta”, disse Óscar Lopes: «Quando se quiser ver a nossa época [anos 40 – 60] num cosmorama literário, tal como hoje vemos a época da Regeneração através de Camilo, Júlio Dinis ou Eça de Queirós, será preciso recorrer a estes romances de Paço d’Arcos quanto a determinados sectores portugueses».

Da estirpe dos grandes vultos do conto e da novela – Guy Maupassant, Ruyard Kipling, Anton Tchekov, Somerst Maugham – Joaquim Paço d’ Arcos recorreu à sátira, visando um sector da sociedade que bem conhecia e na qual, até certo ponto, se inseria. Infelizmente, o seu nome e obra produzida estiveram votados ao esquecimento ao longo das últimas quatro décadas. Situação que poderá estar a mudar, pois o escritor, falecido em 1979, viu serem reeditados, em 2014, os três livros de memórias que publicou, reunidas num só volume intitulado “Memórias da minha vida e do meu tempo”, obra que faz parte, com todo o mérito, das recomendações do Plano Nacional de Leitura.

Joaquim Magalhães de Castro

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