«Doutor do amor divino» São João Paulo II
A Igreja universal celebra São Francisco de Sales a 24 de Janeiro. Assim, na próxima segunda-feira, os fiéis e devotos deste santo em Macau irão juntar-se, em oração, a outros irmãos espalhados pelo mundo, por forma a assinalar a sua festa litúrgica. Para os Salesianos, trata-se de um pastor “cheio de zelo e mestre de caridade”, pois inspirou Dom Bosco que o elegeu como patrono da Ordem que fundou: a Sociedade de São Francisco de Sales, mais conhecida por “Salesianos”. O Papa João Paulo II, nos quatrocentos anos da ordenação episcopal de Francisco, referiu que o santo foi também conselheiro de Papas e de príncipes, sendo dotado de excelsas qualidades espirituais, pastorais e diplomáticas. Francisco foi beatificado por Alexandre VII em 1661, e por ele canonizado em 1665. Foi proclamado Doutor da Igreja durante o pontificado do Papa Pio IX em 1877. A relíquia do seu coração encontra-se preservada numa caixa de ouro, oferecida pelo Rei Luís XIII.
A importância de conhecer a vida dos santos e as suas virtudes espirituais e humanas foram preocupação no pontificado do Papa Bento XVI. A 13 de Abril de 2011, na Audiência Geral, na Praça de São Pedro, disse que nos últimos dois anos, durante as audiências gerais, acompanharam-no figuras de muitos santos e santas. Nestas suas “catequeses”, sublinhou por diversas vezes que «ao aprendermos a conhecê-los mais de perto, compreendemos que toda a História da Igreja está marcada por estes homens e mulheres, que com a sua fé, caridade e vida foram faróis para tantas gerações, e são-no também para nós».
Um mês antes, a 2 de Março, o Sumo Pontífice, também na Audiência Geral, falou sobre São Francisco de Sales. Na ocasião, lembrou que Francisco nasceu em 1567, numa região francesa de fronteira, sendo filho do Senhor de Boisy, uma antiga e nobre família de Sabóia. O Santo Padre destacou que Sales viveu entre os Séculos XVI e XVII, tendo absorvido o melhor dos ensinamentos e das conquistas culturais da época. A sua formação foi muito cuidada: realizou os estudos superiores em Paris, dedicando-se também à Teologia, e na Universidade de Pádua estudou Jurisprudência, como era desejo do pai, concluindo-os de modo brilhante, com uma licenciatura in utroque iure(Direito Canónico e Direito Civil).
Recorrendo ao pensamento dos santos Agostinho e Tomás de Aquino, Bento XVI falou sobre a juventude de Francisco de Sales. Uma crise profunda levou-o a interrogar-se sobre a própria salvação eterna e acerca da predestinação de Deus no que a ele dizia respeito. Chegava mesmo a questionar os princípios teológicos em vigor.
Recordou Joseph Ratzinger: «No ápice da provação foi à igreja dos Dominicanos, em Paris, abriu o seu coração e orou assim: “Aconteça o que acontecer, Senhor, Vós que tendes tudo nas vossas mãos, e cujos caminhos são justiça e verdade; independentemente do que tiverdes estabelecido a meu propósito…; Vós que sois sempre Juiz justo e Pai misericordioso, amar-vos-ei, ó Senhor[…]amar-vos-ei aqui, ó meu Deus, e esperarei sempre na vossa misericórdia, e repetirei sempre o vosso louvor… Ó Senhor Jesus, Vós sereis sempre a minha esperança e a minha salvação, na terra dos vivos”». Deste modo, Francisco – então com vinte anos – encontrou a paz na realidade radical e libertadora do amor de Deus: amá-lo sem nada pedir em troca, confiando no amor divino.
O CHAMAMENTO AO SACERDÓCIO
Vencendo as resistências do pai, Francisco seguiu o chamamento do Senhor, e no dia 18 de Dezembro de 1593 foi ordenado sacerdote. Volvidos quase dez anos, em 1602, tornou-se Bispo de Genebra, «num período em que a cidade era uma fortaleza do Calvinismo, a tal ponto que a sede episcopal encontrava-se “no exílio”, em Annecy», acentuou Bento XVI.
O Santo Padre reavivou um sentimento de Sales, na qualidade de pastor de uma diocese pobre e atormentada, inserida numa paisagem montanhosa da qual conhecia tanto a dureza como a beleza. Terá escrito a Madre de Chantal, em Outubro de 1606: “Encontrei-O [a Deus] repleto de candor e suavidade, no meio das nossas montanhas mais altas e íngremes, onde muitas almas simples O amavam e adoravam com toda a verdade e sinceridade; cabritos-monteses e corças corriam aqui e ali, no meio de geleiras assustadoras, para anunciar os seus louvores”.
O agora Papa emérito vincou que a influência da vida e dos ensinamentos de Francisco na Europa dessa época e nos séculos seguintes foi imensa: «Era apóstolo, pregador, escritor, homem de acção e de oração; comprometido na realização dos ideais do Concílio de Trento; empenhado na controvérsia e no diálogo com os protestantes, experimentando cada vez mais, para além do necessário confronto teológico, a eficácia da relação pessoal e da caridade; encarregado de missões diplomáticas a nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e de reconciliação». Mais: Francisco de Sales é guia de almas. Do encontro com uma jovem, a senhora de Charmoisy, encontrará inspiração para escrever um dos livros mais lidos na era moderna, a “Introdução à Vida Devota”.
«Da sua profunda comunhão espiritual com uma personalidade extraordinária, Santa Joana Francisca de Chantal, nascerá uma nova família religiosa, a Ordem da Visitação, caracterizada – como o santo desejava – por uma consagração total a Deus, vivida na simplicidade e na humildade», acentuo o Pontífice.
DOUTOR DO AMOR
Bento XVI destacou que a vida de São Francisco de Sales foi relativamente curta, mas vivida com grande intensidade. Faleceu em 1622, com 55 anos de idade, «depois de uma existência marcada pela dureza dos tempos e da obra apostólica».
Neste âmbito, o também Bispo de Roma realçou que a riqueza dos seus afectos e a docilidade dos seus ensinamentos tiveram uma grande influência sobre a consciência cristã. Exemplo disso, acrescentou, é que ao lermos o seu “Tratado do Amor de Deus”, e as numerosas cartas de guia e amizade espiritual, compreende-se bem como São Francisco de Sales foi um grande conhecedor do coração humano. «São Francisco de Sales resumiu-o nesta frase célebre: “O homem é a perfeição do universo; o espírito é a perfeição do homem; o amor é a do espírito, e a caridade a do amor”», disse Bento XVI.
O Papa João Paulo II, por ocasião do 400.º Aniversário da Ordenação episcopal de São Francisco de Sales, que decorreu em 2002, enviou uma carta ao bispo de Annecy, D. Yves Boivineau.
O Santo Papa apelidou-o de “Doutor do amor divino”, tendo recordado que “Francisco de Sales não tinha paz enquanto não acolhiam o amor de Deus, para o viver plenamente, voltando o seu coração para Deus e unindo-se a Ele [‘Tratado do Amor de Deus: Obras completas’]. Foi assim que, sob a sua orientação, numerosos cristãos empreenderam o caminho da santidade”.
Segundo João Paulo II, São Francisco de Sales mostrou que todos são chamados a viver uma intensa vida espiritual, independentemente da sua situação ou da sua profissão, porque “a Igreja é um jardim cheio de flores infinitas; portanto, são-lhe necessárias flores de diversos tamanhos, de várias cores, de diferentes perfumes, em síntese, de várias perfeições. Dado que todas têm o seu preço, a sua graça e o seu esplendor e todas, na união das suas variedades, fazem uma perfeição muito agradável de beleza (‘Tratado do Amor de Deus: Obras completas’)”.
Miguel Augusto