«Gigante da santidade» Papa Bento XVI
A diocese de Macau celebra São Francisco de Assis no próximo dia 4 de Outubro, juntando-se mais uma vez à Igreja universal para assinalar a Festa de um dos santos mais queridos dos fiéis de Macau.
E por que razão a Festa de São Francisco de Assis, o “Poverello”, ou Pobrezinho, é celebrada a 4 de Outubro? No final do dia 3 de Outubro de 1226, depois do Sol baixar no horizonte, tardias andorinhas de Outono ainda corriam os céus de Assis. Francisco, agonizante, expirava um ténue fio de vida e partia para o sol da eternidade. Naquele tempo, depois do pôr-do-Sol, já contava o dia seguinte, dia 4 de Outubro. Por isso, Francisco, nas contas dos homens do seu tempo, morreu a 4 e, assim, é celebrado neste dia. Mas hoje teria morrido no dia 3.
Vestia-se como as cotovias, dizia, simples pássaros da manhã, que se “vestem” de humildade. Num homem que deu mais de si do que a si próprio deu, o vestir simples e pobre da cotovia ganha ainda maior expressão. Como já recordava o profeta Isaías quando referia que pés sujos e gastos, moídos pelo caminho, eram a base de grandes homens, grandes na santidade e no valor. Francisco vestia-se também da simplicidade, e descalço andarilhava por veredas e ruas, pelos caminhos que a fé, a esperança e a caridade lhe traçavam. Tirou mais de si do que a si deu, por amor à Pobreza. Um autêntico «gigante da santidade», assim lhe chamou Bento XVI.
Cerca de 1481 ou 82, «nasceu para o mundo um sol», disse Dante Alighieri na “Divina Comédia” (Paraíso, Canto XI), ao falar do nascimento do Santo, também autor do primeiro texto em Italiano, o “Cântico do Irmão Sol”. «Depois de viver uma juventude leviana, Francisco passou por um lento processo de conversão espiritual que culminou na sua decisão de viver na pobreza e de dedicar-se à pregação, sempre em comunhão com a autoridade eclesiástica». A sua vida foi de penitência, uma Quaresma perpétua, de pobreza, missão, com fé, esperança e alegria.
Nos tempos de hoje, um lembrete talvez: reflicta-se na sua viagem até ao Médio Oriente, ao Islão, e recordemos a sua atitude de fé e mansidão, a qual gerou provavelmente o último diálogo frutuoso com os irmãos muçulmanos, em plena comunhão e bilateralidade inequívoca. Seria, pois, um excelente método de diálogo para os nossos tempos. Também em 1220 o confronto entre o Ocidente (Cristandade) e o Islão estava iminente; porém, as crónicas coevas (1220) falam-nos antes de uma recepção cordial e amável por parte do Sultão do Egipto, Malik al-Kamil, de diálogo, respeito e compreensão.
O imitador de Cristo, na humildade, no sofrimento e na pobreza, teve de facto um papel providencial na renovação da Igreja do seu tempo. Francisco fundou os Frades Menores (Franciscanos), quando teve que passar da intuição à instituição, de forma a perpetuar o exemplo e carisma, e divulgar o seu caminho de conversão e imitação de Cristo. Foi na pequena igreja de São Damião, em Assis, no fim do Verão de 1205, que Francisco começou o seu caminho de trabalho pela Igreja, quando ouviu a mensagem do Crucificado «Vai, Francisco, e repara a minha Igreja, que está em ruínas». A par do beijo da paz ao leproso, radica aqui, simbolicamente, o zelo de “reconstrução” interior da Igreja, ferida na sua unidade, minada por heresias e um clero pouco zeloso. Em 1207, diz-se que o Papa Inocêncio III viu em sonhos Francisco, pobre, a sustentar a Basílica de São João de Latrão, símbolo da Igreja, que se desmoronava.
Francisco, radical e entusiástico, não deixou nunca de renovar, em união com a Igreja, com o Papa, o que cauciona o seu sentido eclesial e universal, o colocar o carisma dado pelo Espírito Santo ao serviço do Corpo de Cristo, numa asserção mais teológica e institucional. A pobreza e a pregação foram as ferramentas escolhidas.
Mais do que criar uma Ordem, Francisco quis renovar a Cristandade, partilhando Cristo. Francisco foi um ícone vivo de Cristo, um “alter Christus”. Os animais, do lobo aos corvos, às cotovias, a toda a Criação, foram os seus acólitos, irmãos, no mundo que ele amava. Francisco partiu naquela noite de dia 3 (ou 4), com os pássaros cantando nos céus, esvoaçando, para o sonho de toda a sua existência: a contemplação absoluta de Cristo. AquEle a quem perguntava, afinal, quando olhava, em amor, para o Crucifixo: «Porquê a ti? Porquê?».
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa