Ao ritmo da Lua... ou como os Jesuítas melhoraram o Calendário Lunar

CELEBRAÇÕES DO ANO DO DRAGÃO TERMINAM ESTE SÁBADO

Ao ritmo da Lua… ou como os Jesuítas melhoraram o Calendário Lunar

Sabia que o actual calendário lunar chinês foi criado por católicos? Os jesuítas Johann Adam Schall von Bell e Johann Schreck foram incumbidos, na recta final da Dinastia Ming, de rectificar o calendário tradicional chinês, tendo por base os fundamentos da astronomia ocidental. O resultado foi o chamado calendário Chongzhen, que vigorou oficialmente até 1912 e ainda hoje é um dos sustentáculos culturais da civilização chinesa.

Ao décimo quinto dia, na noite da primeira lua cheia do novo ano, o fim das celebrações. A Direcção dos Serviços de Turismo assinala este sábado o encerramento das comemorações da entrada no Ano do Dragão com um espectáculo de fogo-de-artifício na zona ribeirinha em frente da Torre de Macau.

O certame coloca um ponto final em duas semanas de intensas celebrações, com as quais centenas de milhões de pessoas, um pouco por toda a Ásia, se despediram do Inverno e acolheram em festa a chegada da Primavera. A data do início do novo ano é determinada pelo calendário lunar e é comemorada sempre entre 21 de Janeiro e 20 de Fevereiro, delimitação temporal que vigora desde meados do Século XVII e que foi definida por Johann Adam Schall von Bell e por Johann Schreck, missionários jesuítas que rectificaram o calendário tradicional chinês, tendo por base os pressupostos da astronomia ocidental.

Com uma natureza lunissolar, que tem por base os movimentos da Lua e do Sol, o anuário chinês é o mais antigo registo cronológico que se conhece. A primeira referência, gravada em ossos usados para adivinhação, remonta há mais de três mil anos e à Dinastia Shang, mas desde então foram vários os soberanos e as dinastias que reformularam a contagem e impuseram a sua própria versão do calendário. Mas sabia que o actual calendário lunar chinês foi criado por católicos?

O último calendário tradicional que vigorou na China, antes do regime republicano chinês ter adoptado o Calendário Gregoriano no início do Século XX, remonta ao início da Dinastia Qing e foi concebido por Johann Adam Schall von Bell e Johann Schreck, ambos nascidos na Alemanha e próximos da corte imperial.

Conselheiros do imperador Chongzhen, o último soberano da Dinastia Ming – a dinastia que abriu as portas da China à Companhia de Jesus – Schall von Bell e Schreck foram incumbidos de aprimorar o calendário então em vigor, tendo por base a aritmética da astronomia ocidental, conhecimentos que os jesuítas introduziram no celeste império. «Schall von Bell introduziu várias mudanças importantes no calendário lunar chinês, incluindo a adopção de observações astronómicas mais rigorosas e o recurso a técnicas matemáticas ocidentais. Johann Adam Schall von Bell também colaborou com académicos chineses na tradução para língua chinesa de obras de astronomia ocidental, enriquecendo desse modo o conhecimento astronómico que os estudiosos chineses possuíam», explica o padre Jaroslav Duraj, vice-director do Instituto Ricci de Macau.

NEM ESQUECIDO, NEM IRRELEVANTE

Encomendado pelo imperador Chongzhen, o novo calendário – conhecido exactamente pelo nome do último imperador Ming – foi submetido ao imperador Shunzhi, nos primeiros anos da nova dinastia, num período em que a instabilidade política e a luta entre diferentes facções pautava o quotidiano do País. O esforço de Adam Schall von Bell e de Johann Schreck não foi esquecido, nem negligenciado, e em 1644 os novos titulares do trono “do filho do céu” adoptaram oficialmente o novo calendário sazonal, uma decisão administrativa que valeu ao jesuíta alemão a hostilidade dos sectores mais conservadores da corte e dos meios académicos chineses.

«Os contributos de Johann Adam Schall von Bell para a melhoria do calendário chinês suscitaram um amplo reconhecimento e uma grande estima por parte da corte chinesa e de um grande número de académicos. Foram-lhe concedidas inúmeras honras e títulos, incluindo o de “Mandarim de Primeiro Grau”. Apesar do seu sucesso, Schall von Belll deparou-se com desafios de índole vária e com a oposição de académicos chineses conservadores, que resistiram à introdução das ideias e dos métodos que os jesuítas trouxeram do Ocidente. Schall von Bell acabou por ser preso e morreu na prisão em 1666», recorda o padre Duraj.

Também conhecido como calendário Han, o calendário Chongzhen permaneceu em vigor com o estatuto de calendário oficial chinês até 1912, quando foi substituído pelo Calendário Gregoriano. Se em termos institucionais, o calendário lunar chinês é, há mais de um século, uma prática do passado, em termos culturais e civilizacionais o calendário Chongzhen e o legado de Schall von Bell e de Schreck continua a prefigurar-se como essencial. Grande parte das celebrações tradicionais chinesas, como o Ano Novo Chinês ou o Festival do Meio Outono decorrem durante a lua nova ou a lua cheia. O calendário Han ainda é usado um pouco por todo o mundo por comunidades chinesas mais tradicionais para calcular “datas auspiciosas” para eventos importantes como casamentos, funerais ou a abertura de negócios. Um calendário especial – conhecido como calendário imperial – é usado para este propósito, dado que oferece indicações relativas a actividades auspiciosas e à conduta que deve ser seguida em cada dia do ano.

Em 2013, a televisão estatal chinesa produziu um documentário sobre Johann Adam Schall von Bell em que destaca o papel do jesuíta alemão na reestruturação do calendário lunar.

Marco Carvalho

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