O amor transformador de Deus
O Ano Novo Chinês é um momento especial para as famílias se unirem e celebrarem a alegria das suas vidas e o amor mútuo. Perguntei a algumas crianças da nossa escola dominical o que elas mais valorizam nas suas vidas. A maioria respondeu, espontaneamente: “os meus pais”, “a minha família” ou “o meu irmão ou irmã mais novo”.
Quantos pais vêm do Continente chinês para trabalhar nas obras em Macau, saindo do conforto das suas casas, só para poder sustentar a família? O mesmo acontece com indonésios, filipinos, vietnamitas, e com pessoas de outros países que trabalham arduamente como guardas de segurança, pessoal de limpeza ou empregados domésticos, apenas para o bem das suas famílias. A Família é o que mais valorizamos. Estamos dispostos a exercer qualquer sacrifício pelos nossos filhos e entes queridos.
Abraão e Sara finalmente tiveram o seu filho, já na velhice. Isaac era o menino dos seus olhos. Dificilmente poderia haver algo mais valioso para eles do que o seu filho.
Nunca aconteceu com o leitor percepcionar que aquilo que mais valoriza na sua vida está em jogo? Testemunhei a dor da separação de casais outrora felizes e partilhei a dor dos seus filhos; para estes tudo parece desmoronar: os seus sonhos, o seu futuro, a sua esperança. Algo semelhante deve ter acontecido com Abraão quando Deus lhe pediu que lhe oferecesse o seu único filho, aquele que ele tanto amava, sobre quem estava a esperança da promessa de Deus. E Abraão não negou ao Senhor o seu único filho. É por isso que, para São Paulo, Abraão é o nosso pai na fé (Romanos 4, 1-3).
Isaque é uma figura de Cristo: um dia subiu ao Monte Moriá, local do seu sacrifício, carregando a lenha para o seu holocausto, tal como Jesus carregou a sua cruz até ao Monte Calvário. E Abraão é uma figura de Deus, o Pai. Embora o Senhor tenha poupado a vida de Isaque, filho único de Abraão, Ele ofereceu o Seu próprio Filho unigénito como sacrifício de redenção por nós: «Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos concederá juntamente com Ele, gratuitamente, todas as demais coisas?» (Romanos 8, 32).
Por que razão, no Segundo Domingo da Quaresma, a Igreja quer que reflictamos sobre a transfiguração de Jesus? Ele escalou uma montanha com três dos seus discípulos, Pedro, Tiago e João – foram as testemunhas da transfiguração, quando o corpo de Jesus se tornou radiante de luz. Eles viram os dois grandes profetas de Israel, Moisés e Elias, a conversar com Jesus. Ainda mais do que Isaque, Ele é o Filho da promessa: todas as promessas do Antigo Testamento devem ser cumpridas Nele.
O que aconteceu no topo da referida montanha serviu para fortalecer a fé dos discípulos que estavam prestes a enfrentar a morte escandalosa do seu mestre na cruz. Porém, Pedro queria ficar lá! A verdade é que todos nós gostaríamos de ter tempo para congelar os nossos momentos de felicidade e, mais ainda, de felicidade familiar.
De repente, ouviram a voz do Pai: «Este é o meu Filho amado…». Este texto abre a segunda parte do Evangelho de Marcos, «Jesus, o Filho de Deus», que termina com o episódio da profissão de fé do Centurião aos pés da cruz «Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus!» (Marcos 15, 39). A Quaresma é um convite para percorrermos o caminho desde o Monte da Transfiguração até ao Monte Gólgota, onde o Filho de Deus ofereceu a sua vida em sacrifício por nós. Tal como os três discípulos, também temos que descer daquela montanha, enfrentar os nossos desafios e provações, e ser transformados pelo amor insondável de Deus.
A segunda palavra do Pai exorta-nos a “escutá-lo”. Tal como Jesus, o Servo de Javé, cujo ouvido foi aberto para obedecer e aprender com o Pai, somos chamados à obediência: «Ele acorda-me todas as manhãs; desperta-me o ouvido para que eu possa escutar como discípulo. O Senhor abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde, nem me afastei» (Isaías 50, 4-5). Ele é a própria Palavra de Deus feita carne. Escutá-lo significa prestar atenção tanto às suas palavras como à sua acção, e aprender com a generosa oferta do seu corpo e o derramamento do seu sangue por nós.
Esta é a atitude própria de um verdadeiro discípulo de Cristo: plena atenção e contemplação dos mistérios da vida, morte e ressurreição, e cumprimento do mandato de amar como Ele nos amou (cf. Jo., 15, 12) – significa fazermos da nossa vida um sacrifício de amor pela Igreja e pelo mundo. Este é o significado das suas últimas palavras na Última Ceia: «Fazei isto em memória de mim» (Lc., 22, 19). A nossa vida, segundo o fundador da minha congregação, padre Leão João Dehon, deveria ser “uma missa sem fim”.
Isto traz-nos de volta à fé de Abraão e à generosidade de Deus em oferecer-nos o que havia de mais amado e precioso.
1– Estamos dispostos a dar a Deus o melhor que temos e valorizamos?
2– No ano em que na nossa diocese de Macau rezamos pelas vocações, estamos dispostos a oferecer os nossos filhos ao Senhor para dedicarem toda a sua vida a Ele pela missão da Igreja?
3– Quão central é a missa dominical na nossa vida quotidiana, para nós e para a nossa família?
A Quaresma é um tempo de transformação, um tempo de desapego do supérfluo para “escutar” o Senhor, para obedecer, para prestar atenção ao Seu grande amor, permitindo que nós e as nossas famílias sejamos transformados, transfigurados pela Sua poderosa Graça.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ